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A vida 'entre cá e lá' dos portugueses reformados no Luxemburgo
Aline Schiltz
Aline Schiltz prepara atualmente um doutoramento em geografia, na Universidade do Luxemburgo, sobre a imigração portuguesa no Grão-Ducado. O interesse por este tema teve início no seu trabalho de licenciatura, neste caso realizado sobre a aldeia mais luxemburguesa de Portugal, Fiolhoso.

 

Entrevista realizada em Lisboa, 21 de Julho de 2011, por Filipa Pinho. 

 

Observatório da Emigração (à frente OEm) - Começamos nestas entrevistas habitualmente por perguntar como é que a emigração portuguesa surgiu no seu percurso académico...

Aline Schiltz (à frente AS) - Foi um pouco por acaso, mas também tem muito a ver com a minha vida pessoal. Eu estudei Geografia em Bruxelas e depois achei que seria uma boa ideia fazer Erasmus. E pensei também no meu tema de trabalho de fim de estudos e, sendo do Luxemburgo, considerei que seria uma boa ideia fazer qualquer coisa sobre o país. Portanto, estive a pensar e a área que eu gostava muito era o urbanismo, mas Luxemburgo e urbanismo...? E, então, tive a ideia de fazer o Erasmus em Lisboa durante a fase do trabalho de licenciatura, cujo tema seria, então, a emigração portuguesa para o Luxemburgo. Na altura não conhecia muito de Portugal, embora tenha crescido com portugueses e tenha amigos portugueses. Então, foi mesmo uma aventura muito pessoal para conhecer o país. Sempre ouvi a língua, sabia qualquer coisa, mas sou luxemburguesa.

 

OEm - Não tem qualquer influência portuguesa?

AS - Nada, sou luxemburguesa pura (risos). Então, foi assim mesmo um pouco por acaso, mas com um interesse muito pessoal naquela altura sobre o tema. Por acaso, o meu trabalho correu bem, tive boa nota, mas sempre pensei que, mesmo se o trabalho não tivesse boa nota, a experiência tinha sido fantástica.

 

OEm - E vir para Portugal para Erasmus surgiu porque em Luxemburgo há muitos portugueses e a Aline tinha essa curiosidade? Era isso?

AS - Sim. Tinha essa curiosidade e tive vontade de fazer este trabalho. Foi sobre uma pequena aldeia de Trás-os-Montes, de onde há muitas pessoas que foram com a família para o Luxemburgo, e para mim foi mesmo uma descoberta conhecer toda aquela história. Além de todo o conhecimento de Portugal que podia adquirir, da língua e da cultura, depois também queria ficar mesmo por dentro do que as pessoas viveram, do que os pais dos meus amigos viveram, e do que queria dizer, para os meus amigos, o "ser português".

 

OEm - Amigos portugueses que tinha no Luxemburgo?

AS - Sim, sim. E daí conheci Portugal. Depois, não pensava voltar mesmo, mas quando fiz o mestrado, escolhido entre o que havia como oferta aqui, voltei para Lisboa. Nessa altura, tinha aquela ideia de trabalhar sobre os brasileiros porque havia muito reconhecimento da imigração brasileira em Portugal e eu queria fazer o paralelo. E quando acabei com aquilo, senti cada vez mais vontade de trabalhar sobre a emigração portuguesa para o Luxemburgo porque - agora já mudou um pouco também com o Observatório - sempre fiquei um pouco frustrada pelo facto da emigração não ser muito estudada nos anos 1990. Fiquei fascinada com as casas dos emigrantes e surpreendeu-me ir ao Norte e ver toda a presença forte da emigração e de não se falar disto no mundo académico. Porque não era só imigração que havia, também havia emigração.

 

OEm - E esse trabalho que fez foi em...?

AS - Foi em 2003. E o Luxemburgo é fantástico para quem estuda emigração portuguesa, porque há muitos portugueses no Luxemburgo, e embora haja uns estudos pontuais, não há muita coisa. É engraçado porque fazendo o paralelismo com os estudos sobre a imigração no Luxemburgo, penso que ultimamente voltou o interesse pelos portugueses. Há alguns estudos da parte da segunda geração, embora não haja muitos. É engraçado porque um pouco com esta redescoberta da emigração portuguesa, há a redescoberta dos portugueses lá. E, para mim, é um assunto muito pessoal porque vivo entre cá e lá e na altura vivia mesmo cá, agora estou mesmo numa ida e volta.

 

OEm - Nessa altura da licenciatura veio para cá quanto tempo?

AS - O Erasmus foi em 2003, oito meses. E depois voltei.

 

OEm - E nessa altura do Erasmus já vinha com a ideia de fazer o trabalho sobre os portugueses?

AS - Sim. O Erasmus foi mesmo para fazer o trabalho de fim de estudos, pensando no que poderia fazer ligando Luxemburgo e a estadia cá. E depois acabei aquilo e não pensei voltar para Portugal. Adorei, foi uma experiência muito forte, pensei que o mundo é grande e havia outros países para estudar. Mas, por acaso, e com o mestrado na Faculdade de Letras, decidi voltar. Foi uma boa experiência também, além de ter aprendido a falar português. E dou-me conta, ainda hoje, que há muita coisa para aprender.

 

OEm - Relativamente ao trabalho de licenciatura, eu estive a lê-lo e a ideia agora era que me descrevesse os objectivos da investigação e como ela decorreu. Estudou a emigração a partir de uma aldeia em especial, Fiolhoso. Como é que surgiu a ideia dessa aldeia?

AS - Fiolhoso é uma aldeia muito conhecida por ser a aldeia mais luxemburguesa de Portugal.

 

OEm - É muito conhecida lá?

AS - Não, aqui. Mesmo naquelas reportagens do verão, vê-se os emigrantes a voltarem para Fiolhoso. Mas eu conheci Fiolhoso através do embaixador Paul Duhr, que esteve cá naquela altura, que me falou que é muito interessante nesta aldeia haver um lar de idosos que foi co-financiado pelo estado luxemburguês. E o nosso primeiro-ministro foi lá para o lançamento da primeira pedra, um símbolo que mostra bastante a força desta comunidade "luxemburguesa" de Fiolhoso.

 

OEm - Foi por isso que decidiu que do lado de Portugal ia estudar esta aldeia...

AS - Sim. Naquela altura não conhecia muito bem Portugal, sabia que a emigração ia sobretudo do Norte e então achei que era um caso exemplar estudar a aldeia mais luxemburguesa de Portugal. Hoje em dia fala-se tanto de Fiolhoso que tenho vontade de trabalhar sobre outras aldeias porque este caso já é bem conhecido. Mas é interessante porque as pessoas de Fiolhoso estão entre as primeiras a ir para o Luxemburgo e estiveram mesmo na criação das redes migratórias, mesmo do início.

 

OEm - Quando é que começou a emigração portuguesa para o Luxemburgo?

AS - A emigração portuguesa para o Luxemburgo começou nos anos 1960, mas foi já nos anos 1970 que se desenvolveu muito e houve mais pessoas a chegar. De tal modo que o Luxemburgo, um país de imigração desde sempre, não teve infraestruturas suficientes para receber tanta gente e teve mesmo de enfrentar problemas que nunca tinha havido em relação à imigração. E os portugueses faziam parte de uma imigração muito diferente porque a imigração europeia anterior era muito qualificada ou, no caso dos espanhóis e dos italianos, estava muito concentrada na indústria do ferro. E os portugueses foram para trabalhos nas obras, e as mulheres para as limpezas e, mesmo que haja uma maior concentração na cidade do Luxemburgo e no Sul, estão dispersos por todo o país. E isso é muito interessante no Luxemburgo, porque é um país muito pequeno e a emigração portuguesa não se fez em direcção a uma região específica. Há umas aldeias com um pouco mais em termos proporcionais, mas todo o país está marcado pela presença dos portugueses. O saldo migratório foi sempre positivo, mesmo nos anos 1980. Ou seja, a imigração portuguesa cresceu um pouco menos, mas nunca houve muitos regressos. Claro que há sempre pessoas que regressam, mas o saldo era sempre positivo (eram mais os portugueses que chegavam, do que os que partiam). Nos últimos anos, sobretudo agora com a crise, há uma nova vaga de portugueses para o Luxemburgo.

 

OEm - Nota-se isso?

AS - Muito, muito.

 

OEm - E continua a ser para os mesmos sectores? Ou seja, os homens para a construção e as mulheres para as limpezas?

AS - Um ponto da minha tese é mesmo mostrar que, sobretudo com a entrada de Portugal na União Europeia, e não só no Luxemburgo, não se pode falar de uma comunidade portuguesa. Há muitos casos, há muitas pessoas muito diferentes, seja a partir da data de chegada, ou da qualificação. E, como o Luxemburgo é uma das capitais da União Europeia, eu acho que hoje em dia há pessoas muito qualificadas que estão a chegar de Portugal, como muitos não qualificados. E o problema é que há muitas pessoas não qualificadas que ficam muito atraídas pelo salário mínimo, que é muito alto no Luxemburgo, e têm a visão das pessoas que foram para lá nos anos 1970 e 1980, e para as quais era fácil ainda encontrar trabalho, e acabam por ficar lá sem grandes meios. É mesmo um problema as pessoas chegarem e não saberem onde ficar e o que hão-de fazer.

 

OEm - Nesse estudo que fez da licenciatura, estudou a emigração e as razões para o seu desenvolvimento nos anos 1970? O que é que espoletou essa intensificação?

AS - Há várias hipóteses. A razão principal é a de que toda a Europa estava a chamar mão-de-obra estrangeira. Na altura, os italianos, que se inseriam sobretudo na indústria de ferro, viam a actividade a diminuir e na Itália a economia melhorou, portanto, houve muitos retornos; ainda temos muitos italianos, mas muitos voltaram. Com a terciarização cada vez maior do Luxemburgo, havia muitas obras para fazer e era precisa muita mão-de-obra. Em 1972, Luxemburgo e Portugal assinaram um acordo bilateral para o recrutamento de trabalhadores portugueses. Já nos anos 1960 tinham sido chamados portugueses para trabalhar na agricultura luxemburguesa com contratos de 30 meses. A partir daí, e sobretudo nos anos 1970, houve muita imigração ilegal. Como o Luxemburgo precisava de muita mão-de-obra e também viu a imigração como bom instrumento demográfico, os portugueses foram rapidamente legalizados. O facto de os portugueses serem católicos era uma mais valia para o estado luxemburguês, que preferia não fazer entrar pessoas de outra religião....

 

OEm - Fala de umas "anedotas" que explicariam a imigração portuguesa... Podem ser verdade?

AS - Sim, há muitas engraçadas. Há quem diga que na altura da canalização do rio Moselle, que faz fronteira com a França, as pessoas que estavam nas obras ficaram no Luxemburgo. Conta-se que haveria pessoas que não tinham reparado que estavam mesmo noutro país, que teriam ficado admiradas de não estarem em França. Outra coisa que se conta é que as pessoas que apanharam o comboio para França teriam adormecido e só acordaram no Luxemburgo e precisaram de uns dias para se dar conta de onde estavam. Depois, também houve muito recrutamento oficial, assim como imigração clandestina. Houve várias empresas luxemburguesas de construção que tinham mesmo uma organização com uma ligação aqui para seleccionar as pessoas...

 

OEm - Uma empresa de construção fez isso?

AS - Sim. Há uma grande que é mesmo conhecida pelo grande número de portugueses que foram recrutados aqui.

 

OEm - Como é que esse recrutamento se fazia?

AS - Mais especificamente não sei, mas as pessoas vinham das aldeias para Lisboa, não sei muito bem como foram testadas para se saber se estavam aptas para trabalhar, faziam-se testes médicos e de saúde, e depois tinham de mostrar a qualificação. Portanto, as pessoas vieram do interior para Lisboa através do consulado luxemburguês em Lisboa e dos recrutadores e depois receberam um contrato e um bilhete de comboio e foram enviadas para o Luxemburgo.

 

OEm - Esse recrutamento foi feito quando já havia emigração para o Luxemburgo, ou foi no início?

AS - O recrutamento foi ao mesmo tempo do desenvolvimento da emigração, a partir do acordo bilateral de recrutamento entre os dois países e já antes através dos contratos de 30 meses na agricultura. Depois, há também uma anedota sobre este recrutamento da parte desta empresa. Diz-se que a partir de certo momento as pessoas não chegavam mais. E achava-se estranho porque se tinham sido seleccionadas em Lisboa e iam no comboio, porque é que não estavam a chegar? Então, dizia-se que em Paris, onde devia haver a troca de comboio, a certa altura houve empresários de França que souberam de todo este sistema de selecção e pensavam "ah, é tudo boa mão-de-obra, está tudo filtrado, vamos dizer às pessoas que já chegaram e que vão trabalhar para nós". Então, a partir daí a empresa teve de mandar alguém para se assegurar que as pessoas iam mesmo chegar.

 

OEm - Portanto, estas histórias terão um fundo de verdade... Essa de adormecerem no comboio, qual seria o destino para tal acontecer?

AS - Não fiz mesmo a análise do assunto, mas talvez tenham apanhado um comboio que passava por Paris ou outras cidades de França e ia para uma cidade luxemburguesa que faz fronteira com França, Metz, e tenham perdido a saída certa.

 

OEm - Portanto a emigração portuguesa teve um aumento nos anos 1970 e depois foi sempre havendo saldos positivos durante esses anos todos, mesmo quando em Portugal já se falava só em imigração?

AS - Sim. Mais fraca, mas sempre houve emigração para o Luxemburgo.

 

OEm - E isso é analisado no seu trabalho?

AS - Naquele que eu fiz não, mas no que eu vou fazer agora, sim.

 

OEm - Então, nesta investigação que está a fazer agora para o doutoramento, o que é que pode ser dito sobre objectivos e procedimentos?

AS - Como eu disse no início, os objectivos mesmo pessoais são um pouco o de falar de emigração do lado português, e dos portugueses imigrados no lado luxemburguês. E tenho o objectivo pessoal de falar do Luxemburgo nos estudos sobre a emigração portuguesa, porque normalmente não se fala. Cada vez se fala mais, mas o país aparece poucas vezes nos dados e nem há trabalhos sobre esta emigração portuguesa porque é um pequeno país e os números não são muito elevados. Mas o impacte sobre o país, sobre a sociedade, é enorme. Por exemplo, na aldeia onde vivem os meus pais e onde eu cresci, é um exemplo recente ver que o bar luxemburguês da aldeia, hoje em dia se chame "A Tasquinha". E isso, numa pequena aldeia do Norte do país. E todos os cafés das aldeias são, na sua maioria, de portugueses. No Luxemburgo ouve-se muito falar português nas ruas, há muitos produtos portugueses que também já são produzidos no Luxemburgo, aqueles jornais gratuitos como o Metro e o Destak, temos em alemão, francês e em português, há um jornal português que se chama Contacto... Quando se anda nas ruas vêem-se muito parabólicas da ZON e da MEO... São coisas mínimas, mas... Quase 20% da população do Luxemburgo é portuguesa, 40% da população estrangeira é portuguesa. Isso são dados, mas como eles foram nos anos 1960 e 1970, já vamos na 3ª ou mais gerações. Então, é uma mistura enorme e mudou muito desde que eu era pequena porque, no início, o português era imigrante e não havia tanta mistura. Hoje em dia, também há, eu diria, duas comunidades ou várias comunidades, mas mesmo assim há muito mais mistura e o comportamento dos portugueses também mudou. Há mais pessoas que se instalam e não vão fazer casa na aldeia aqui. O que também é interessante é que a cultura portuguesa fica muito mais conservada no Luxemburgo do que em outro país, e isto talvez porque são muitos, estão por todo o país e porque temos aquela característica especial das línguas: falamos luxemburguês, alemão e francês. Ou seja, a língua mesmo é o luxemburguês, mas a língua de comunicação entre os portugueses e os luxemburgueses é o francês. E como é uma língua estrangeira para ambos os lados, talvez por isso não tenha havido tanta mistura nesse nível e os portugueses falem muito bem o português. É muito raro haver uma família portuguesa em que já não se fale o português, enquanto em França não acontece isso, há famílias inteiras que já não falam português a 100%.

 

OEm - Acha, então, que a língua luxemburguesa é uma razão para os portugueses continuarem a falar português?

AS - A língua não é uma razão, é mais um elemento na explicação. Para os que chegaram primeiro, é muito complicado aprenderem o luxemburguês porque é uma língua germana e é um dialecto. Mas sobretudo, porque no Luxemburgo se fala, e cada vez mais, francês. Então, a língua de comunicação é mesmo o francês e quase que é preciso falar francês mais do que outra língua para se viver no país. Ou seja, não é porque os portugueses não são capazes de aprender luxemburguês, é mais por não terem possibilidade de aprender. Com as crianças é completamente diferente porque na escola aprendem. Mas entre os migrantes pioneiros, a língua de comunicação é o francês, que não é a língua do país. Nas famílias que eu conheço, os filhos falam luxemburguês mas os pais continuam a falar português. E depois o português está muito presente nas ruas e em todos os lados. Na nova lei sobre a nacionalidade de 2009 é dito que quem quer a nacionalidade luxemburguesa tem de saber luxemburguês. Mas quem chegou até 1984 não tem de fazer o teste de língua e quem fez a escolaridade do Luxemburgo também claramente não precisa de fazer um teste. E isso aplica-se aos portugueses e aos outros estrangeiros.

 

OEm - Dizia há pouco que não há muito o hábito de as pessoas voltarem do Luxemburgo, ou que ainda não se notava muito o retorno...

AS - Eu acho que é mais uma migração, como em toda a Europa, de ida e volta. As pessoas ficam entre lá e cá, têm casa cá e aquilo que sei daquela geração que foi nos anos 1970 é que, dos que já estão reformados, há muitos que fazem ida e volta. Os filhos e os netos estão lá e depois o sistema de saúde do Luxemburgo é melhor que o português e há muitos que mantêm o domicílio lá para poderem aproveitar os cuidados. E há muitos que fazem mesmo as idas e voltas para ver os médicos e que vão lá uma semana para fazerem todas as consultas necessárias. Na aldeia de Fiolhoso disseram-me "estamos agora aqui, gostamos muito de cá estar, mas é sempre uma alegria voltar para o Luxemburgo e se um dia ficarmos muito doentes não vamos ficar aqui, vamos para lá, porque aqui não há nada".

 

OEm - Entrevistou, então, pessoas lá na aldeia?

AS - Eu vivi na aldeia (risos). Bem, não foi bem viver, fiquei uns dias. Mas tive muita sorte porque as pessoas eram fantásticas. Naquela altura eu não conhecia nada de nada e cheguei à aldeia e pensei: "como é que vai ser? Se calhar não vão gostar, eu sou luxemburguesa". E foi completamente ao contrário, as pessoas ficaram surpreendidas por haver "uma luxemburguesa que faz o caminho para ver de onde nós somos". Houve um senhor que se ofereceu para que eu ficasse na casa dele com a família dele e eu vou ficar sempre muito agradecida a esta família que me deu muita informação. E depois, toda a aldeia me conhecia e tive que tomar chá e café, a cada hora, em todas as casas (risos).

 

OEm - E essas pessoas eram as que viviam "entre cá e e lá"?

AS - Essa família está mais aqui agora, do que lá, também porque uma filha está cá. E depois há dois filhos que estão no Luxemburgo, mas o pai é muito activo na freguesia cá. Mesmo assim, faz muitas idas e voltas com os amigos. Há uma ida e volta entre os dois países que creio que é muito grande e é isso que me interessa muito estudar, esta criação de um espaço transnacional entre o Luxemburgo como país e Portugal em termos de várias regiões. E mostrar como é mesmo um espaço de ida e volta de pessoas, de bens, e onde a distância geográfica já não tem tanta relevância porque as pessoas na aldeia do Fiolhoso dizem "vou ficar sem emprego, por isso vou ligar ao meu tio e vou trabalhar com ele". Isto é interessante porque eles não pensavam ir à procura de trabalho no Porto ou em Lisboa, parecia mais perto irem à procura no Luxemburgo. As redes existem e são muito, muito fortes.

 

OEm - Qual é a localização de Fiolhoso?

AS - É no concelho de Murça, distrito de Vila Real. Mas eu agora quero trabalhar mais sobre a região do distrito de Viseu e Aveiro.

 

OEm - Porquê os distritos de Viseu e Aveiro?

AS - Porque são regiões que tiveram também uma forte emigração para o Luxemburgo. Gostava de fazer mais em Trás-os-Montes, mas como não tenho muito tempo, tenho de me limitar. Como já conheço um bocadinho de Trás-os-Montes, agora tenho vontade de ir ver o que se passa na Beira. Escolhi Mortágua também porque tem uma geminação com outra vila no Luxemburgo, que é muito activa. Também há várias associações no Luxemburgo que são sobretudo de portugueses ligados à região de Aveiro. E há muitos donativos para esta região Centro. No Norte também, no ano passado, inauguraram outra casa de idosos que foi financiada por uma fundação do Luxemburgo. Mas eu tenho de me limitar, como dizia, e agora tenho vontade de trabalhar mais sobre a região Centro.

 

OEm - Como é essa geminação?

AS - São as duas vilas que têm um acordo de serem geminadas. Têm um contrato de amizade com outra aldeia noutro país e a partir deste contrato, há várias actividades que se fazem, como apenas a actividade cultural - por exemplo o clube tal e tal da aldeia tal vai passear à aldeia dos outros - ou mais.

 

OEm - E a ideia inicial da geminação foi de emigrantes?

AS - Sim. Na vila do Luxemburgo que está geminada com Mortágua, Wormeldange, há muitas pessoas da região e daí terá surgido a ideia de fazer essa geminação, em 2004. Mas nem sempre é o caso. Há uma outra geminação com uma aldeia pequena de Trás-os-Montes, entre Minho e Trás-os-Montes, que até tem uma rua com o nome "rua tal do Luxemburgo", mas aquela foi feita porque duas pessoas que são politicamente muito activas no Luxemburgo são de lá, mas a comunidade portuguesa daquela vila luxemburguesa não é dessa aldeia de cá. E em Mortágua há uma grande relação entre a geminação e a migração, mesmo se não estão todas as pessoas de Mortágua concentradas naquela vila (Wormeldange).

 

OEm - E há muitos acordos desses de geminação?

AS - Com o Luxemburgo há vários. A França tem também uma grande tradição destes acordos.

 

OEm - Voltando um bocadinho atrás sobre a nacionalidade, sabe se há muita vontade da parte dos portugueses em pedir a nacionalidade luxemburguesa?

AS - Não são tantos quanto eu esperava que têm a dupla nacionalidade. Há muitos que com a entrada de Portugal na Europa não vêem essa necessidade... Vou participar numa conferência sobre os luso-descendentes, no Metropolis, e então fiz circular um questionário destinado aos luso-descendentes. Pergunto a nacionalidade deles e se para eles é muito importante o facto de agora poderem ter as duas nacionalidades e as respostas são muito variadas: umas pessoas acham isso muito importante e fizeram tudo para ter as duas nacionalidades; outros não dão qualquer importância, acham que não vai mudar nada. E há muitos que não ligam à nacionalidade. O que é interessante é que no inquérito há muitos que sentem que quando vão a Portugal são emigrantes, mas há mais que se sentem mesmo luxemburgueses do Luxemburgo.

 

OEm - Que outros grupos imigrantes numerosos há no Luxemburgo?

AS - Há de tudo (risos). Os luxemburgueses começam a ser muito raros.

 

OEm - Os portugueses são os primeiros, não é?

AS - Sim. Depois há muitos outros europeus, como franceses, alemães e belgas. Mas, como com eles, há muita migração de fronteira, que fazem idas e voltas.

 

OEm - Pendulares?

AS - Sim, sim. Quem ocupa os cargos mais bem pagos e com maior responsabilidade, são muitas vezes estrangeiros. A função pública é que é reservada aos luxemburgueses, e por isso tiveram tanto tempo até introduzir as alterações na lei da nacionalidade, com receio. Nos trabalhos não qualificados há muitos estrangeiros da ex-Jugoslávia - alguns sem poderem trabalhar, porque há muitos refugiados - também refugiados de África, cada vez mais; ainda há muitos italianos das migrações mais antigas, espanhóis, mas sobretudo portugueses. Não há mais nenhuma comunidade que tenha tanta visibilidade e força e presença como os portugueses. Então, falando mais uma vez sobre o meu trabalho, é isso que quero: mostrar o impacte deste sistema migratório entre os dois países, nos últimos 40 anos, considerando o país lá e as regiões de partida aqui.

 

OEm - Não sei se pretende acrescentar mais alguma coisa sobre esse seu trabalho em curso...

AS - Não... (risos).

 

Como citar  Pinho, Filipa (2011), "A vida 'entre cá e lá' dos portugueses reformados no Luxemburgo. Entrevista a Aline Schiltz", Observatório da Emigração, 21 de Julho de 2011. http://observatorioemigracao.pt/np4/4692.html

 

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