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Entrevista Bastonário da Ordem dos Médicos «Há médicos portugueses a emigrar»
2013-02-20
Polémico e direto, José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, esteve à conversa com o Destak. E não poupou críticas às políticas do Governo.

Carla Marina Mendes | cmendes@destak.pt

Já há médicos a deixar Portugal em busca de melhores condições?
Sim, há médicos a emigrar, nomeadamente especialistas, devido à degradação das condições de trabalho em Portugal e porque recebem ofertas tentadoras de países europeus considerados até mais evoluídos que o nosso, mas que reconhecem a qualidade dos nossos médicos e da formação médica no País.

É possível quantificar quantos abandonaram o País?
Já algumas dezenas e esta situação irá certamente acentuar-se porque temos neste momento um excesso de alunos nas faculdades de Medicina, superior às necessidades do País. Este ano vamos, pela primeira vez, ter um défice de 200 vagas para a formação pós-graduada relativamente ao número de candidatos. E essas duas centenas de jovens ou ficam em Portugal como médicos sem especialidade - e tentam no ano seguinte -, ou procuram outros países para tirarem a especialidade e até mesmo para o exercício profissional. E muitos dos milhares de jovens portugueses que foram tirar medicina para o estrangeiro já estão a pensar não regressar, porque verificaram que não têm perspetivas de futuro no País.

Falou no excesso de alunos nas faculdades de medicina, mas os portugueses debatem-se, por exemplo, com a falta de médicos de família...
Há duas realidades distintas: uma é a hospitalar, em que há dificuldades de acesso dos doentes porque a capacidade instalada, em termos físicos, não está a ser aproveitada. E não é por falta de profissionais, mas porque os blocos cirúrgicos não funcionam 12 horas por dia, porque o Estado não quer, porque pagar mais cirurgias gera mais despesa. As listas de espera poderiam ser menores, muito menores, ou até tendencialmente inexistentes, se o Estado aproveitasse a capacidade instalada no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

E no que diz respeito à medicina geral e familiar? Faltam médicos?
Sim, há falta de especialistas porque não houve uma aposta nos cuidados de saúde primários. Agora está a haver, mas vai levar alguns anos a resolver o problema. Nós apresentámos algumas soluções, que passam, nomeadamente, por contratar médicos reformados em vez de se importarem médicos de outras nacionalidades sem a especialidade (isto sem qualquer tipo de xenofobia). Aproveitar os médicos reformados, com dezenas de anos de experiência e que por um suplemento ao seu vencimento poderiam voltar a assumir pelo menos parte das suas listas, permitiria resolver rapidamente o problema de centenas de milhares de portugueses sem médicos de família. Mas isso implica mais investimento.

Tendo em conta os constrangimentos financeiros e os cortes impostos, como vê o futuro da medicina em Portugal?
A medicina, e o SNS em particular, estavam bem. E não têm problemas intrínsecos. Os problemas são de facto os efeitos da crise económica do País, que têm sido refletidos na saúde, mais até do que noutros setores da sociedade. E por motivos ideológicos.

Mas a sustentabilidade do SNS tem sido várias vezes posta em causa...
Não há nenhuma razão para que se afirme que o SNS não é sustentável e, se compararmos com os parâmetros da OCDE em termos de saúde, os nossos são excecionais, são dos melhores do mundo e a nossa despesa per capita está muito abaixo da média. Nós temos um bom, não, temos um excelente SNS. É possível corrigir algumas disfuncionalidades e alguns desperdícios e temos chamado a atenção para um que, no ano passado, foi referenciado numa auditoria do Tribunal de Contas: os desperdícios nas aquisições de medicamentos, dispositivos médicos e outros consumíveis. Cada hospital ou conjunto de hospitais faz o que quer e o que lhe apetece sem saber o que os outros estão a fazer. Não há troca de informação, não há combate ao desperdício e a outro tipo de laxismos. Estragam-se centenas de milhões de euros por ano que, bem geridos, acabariam com as dúvidas sobre a sustentabilidade do SNS e sobre o acesso à inovação terapêutica, dramaticamente necessário para os doentes.

Fala-se em mais cortes. Concorda?
O SNS comporta melhor gestão, mas não tem espaço para mais cortes, porque há dificuldades de acesso, há dificuldade em pagar as taxas moderadoras, em ter acesso a alguma medicação essencial, embora os medicamentos tenham reduzido - e bem - o preço. Mas a situação económica das famílias piorou drasticamente. Não podemos pensar que vamos cortar recursos e que isso não tem consequências, porque os doentes estão lá e têm que procurar outros recursos, muitas vezes mais caros. Fecharam-se muitas camas em hospitais concelhios, camas baratas, que prestavam serviço de qualidade e proximidade. Para onde foram esses doentes? Para os hospitais distritais e centrais onde as camas são mais caras e distantes.

Seria vantajoso colocar médicos na gestão da saúde?
Um estudo nos EUA demonstrou que os hospitais mais eficientes eram aqueles que eram geridos por médicos e não por gestores. Os gestores são essenciais, mas o médico tem a sensibilidade e o conhecimento da complexidade da saúde, do sistema de saúde e do seu funcionamento. E essa sensibilidade para as questões da saúde melhora a gestão feita por médicos.

PONTOS DE VISTA

CENTRALIZAÇÃO DOS HOSPITAIS
«Centralização não gera necessariamente poupança. Pelo contrário, pode aumentar as dificuldades. E nós temos dado um exemplo concreto, que toda a gente entende, mas que não foi corrigido - não sabemos bem porquê -, que foi a deslocalização de 220 doentes HIV de Torres Novas para Santarém, pensando-se que, de alguma forma, se ia poupar alguma coisa. No mapa afastou-se cinco centímetros, mas na realidade são 45 quilómetros de autoestrada com portagem. Ida e volta são 90 km e isto para 220 doentes que, em média, têm cinco consultas por ano. Ninguém fez contas, ninguém pensou no impacto. Poupou-se? Não. Afastou-se os recursos da população, alguns doentes deixaram de ir à consulta e estão menos controlados.»

REGIME BASEADO EM SEGUROS
«Eu admito que as pessoas tenham fé em determinadas filosofias políticas. Mas o que não podem é deixar de analisar as consequências práticas dessas filosofias. Temos o paradigma americano, que é o da medicina privada baseada em seguros de saúde. E o que é que aconteceu? O país tem dos piores indicadores do mundo civilizado, diferenças de acesso aos cuidados brutais, em função das diferenças sociais e da capacidade económica e o sistema mais caro do mundo, que gasta per capita o triplo daquilo que se gasta por cá. É óbvio que não podemos ir por aí.»

PÚBLICO VS PRIVADO
«Como princípio, concordo com a separação entre o exercício da medicina pública e privada. Mas é preciso criar condições para que os diretores de serviço possam optar pela dedicação única ao SNS. E ninguém pode esperar que um diretor de serviço, que tem uma responsabilidade imensa numa instituição de saúde, se dedique exclusivamente ao SNS por dois mil euros por mês.»

SNS: SIM OU NÃO?
Serviço Nacional de Saúde sempre. Sempre porque comparativamente com outros sistemas de saúde é o mais eficiente e mais barato. Nós temos que racionalizar, organizar o sistema, combater o desperdício, combater o laxismo, a ineficiência.»

Destak, aqui.

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