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Deportados: Uma vida entre dois mundos
2012-01-27
O repatriamento da família Sebastião, do Canadá, no final de Dezembro, é o mais recente episódio de uma realidade vivida pelas comunidades portuguesas na América do Norte. No estudo «Vivências de exclusão: deportados são imigrantes sedentos de dignidade”, Alzira Silva aponta para 1.083 o número de portugueses naturais dos Açores, repatriados do Canadá (195), Estados Unidos (846) e Bermudas (2), entre 1987 e 2010. A deportação é um problema que atinge maioritariamente emigrantes açorianos, mas também há casos de portugueses oriundos do continente, principalmente Lisboa e Porto. Não se sentem como portugueses e veem na deportação um momento traumático e a perda de tudo, principalmente da família. Mas nos Açores contam com o apoio de um programa considerado exemplar a nível mundial.

O programa de apoio aos repatriados lançado pelo Governo dos Açores e desenvolvido pela Direção Regional das Comunidades Açorianas, é considerado um modelo a nível mundial. "O apoio começa antes deles partirem para os Açores. Quando um candidato à deportação está numa cadeia dos Estados Unidos ou do Canadá, a rede internacional de organizações de serviço social que a Direção Regional das Comunidades apoia anualmente, já começa a trabalhar com essas pessoas. O que tentamos é que os candidatos a deportados vão para centros de detenção próximos das comunidades onde temos essa rede a funcionar, porque quando isso acontece o apoio já se efetiva com a possibilidade das famílias irem visitar os futuros deportados, com aulas de língua portuguesa, com apoio psicológico, com apoio jurídico", revelou Graça Castanho.
Mas nem sempre é possível, como destaca a diretora regional das Comunidades. "Às vezes são enviados para centros de detenção noutros locais, como o Texas, e esses chegam cá sem uma mala sequer. Aliás, quando eles chegam nós percebemos logo se vêm de uma área de residência de açorianos ou não. Porque no primeiro caso, a família prepara uma mala com alguns bens para trazerem", explica Graça Castanho. 
À responsável pela Direção Regional chocam mais os casos de deportados que chegam "apenas com a roupa com que saíram da prisão, e assim veem em voos comerciais". "Às vezes com situações de doenças mentais, trazem apenas o medicamento e nem sequer nos informam quando têm que o tomar. Esses já são casos que colidem com os direitos humanos. E denunciamos as situações, porque são seres humanos e, para o bem ou para o mal, muitos desses indivíduos emigraram para esses países em tenra idade. Se são o que são, devem em parte àquelas sociedades, são produtos delas", sustenta.

Falta da família

Mário Andrade não chegou nessas condições. Tem 36 anos, 26 dos quais vividos em Rhode Island. Em Outubro do ano passado completou três anos de regresso «forçado» aos Açores, a sua terra natal, que deixou ainda criança, com os pais e que tinha visitado uma única vez. Foi repatriado há três anos, depois de cumprir 13 meses de prisão por violência doméstica. Não tinha sido a sua primeira condenação, mas foi a que o levou à expulsão dos Estados Unidos.
"Quando fui para a cadeia, disseram-me que depois de cumprir a pena, teria uma ordem do juiz para ser deportado", contou a O Emigrante/Mundo Português. Ainda teve tempo de ver a família, antes de ser levado para o aeroporto: deram-lhe uma hora para se despedir da minha mãe, dos meus irmãos, do sogro e das filhas, atualmente com 9 e 14 anos, a quem teve que explicar que iria embora ser direito a regressar. "Ficaram assustadas e começaram a chorar", recorda. Lembra-se de estar no aeroporto nos Estados Unidos, mas não do dia exato em que chegou aos Açores. Apenas que "estava assustado" quando saiu em Ponta Delgada e entrou na carrinha sem saber que iria para uma das residências da Associação Arrisca, que acolhe e ajuda os deportados no seu processo de integração nos Açores. "Nos primeiros dias, estive mal. Não passeava, precisava de alguém para me indicar os luigares. Foi começar uma vida nova, num ambiente completamente diferente. Não sabia falar português, mas compreendia alguma coisa", acrescenta Mário Andrade que está agora a aprender a ler e escrever na sua língua materna.
"A deportação é um acontecimento traumático, uma rutura", porque apesar de terem nascido nos Açores, "sentem que são americanos", vinca Paulo Fontes, coordenador para a inclusão social na Associação Novo Dia, que dá apoio social e alojamento e intervém junto dos portugueses deportados dos Estados Unidos e do Canadá. Três anos depois de chegar, Mário já não se vê como estrangeiro, diz que se sente "um pouco mais português" e tem vontade de um dia mostrar às filhas o lugar onde nasceu. "Estou a ensinar-lhes algumas palavras em português e elas já sabem dizer algumas palavras, como «casa» e «amo-te»", revela.
O próximo passo é arranjar um emprego, que lhe dê estabilidade e possibilidades de progredir, "sair da residência, alugar um quarto, ter autonomia para seguir a vida". Até lá, continua a trabalhar na carpintaria da associação Arrisca e a ganhar ainda mais prática numa profissão que já exercia nos Estados Unidos. Está também a juntar dinheiro, a pensar no dia em que lhe seja permitido ir "à América a passeio". Acredita que tem que esperar apenas mais dois anos para fazer o apelo e, até lá, sonha com o dia em que as filhas o possam visitar nos Açores.
"Quero ganhar dinheiro para melhorar a minha vida e ter a minha independência. Na América a minha vida era melhor, tinha as minhas pequenas. Aqui estou sozinho, mas penso que há oportunidades para mim. Se tiver um trabalho bom, estou a pensar ficar nos Açores". 
 "Se me perguntassem de onde sou, diria que sou português. Gosto de São Miguel, de andar a pé, da forma como a Arrisca toma conta de nós e como nos ajuda a deixar de ter vergonha por sermos deportados", sublinha. Mas que ninguém se engane: sente falta dos Estados Unidos e, se pudesse, regressava sem pensar duas vezes. "Sinto falta da família e da vida de lá".
Helena Marques, diretora executiva do Centro de Apoio aos Imigrantes (CAI) de New Bedford, Estados Unidos, traça o perfil dos portugueses deportados dos Estados Unidos (ver pág. 4). "São pessoas que vieram ainda crianças para o país, não frequentaram ou concluíram o liceu e aos 15/16 anos começaram a ter problemas de comportamento. Muitos foram tirados da escola para trabalhar, e começaram a não saber escolher os amigos", explica, acrescentando que em muitos casos, "cresceram num ambiente familiar de violência doméstica e alcoolismo".
Em Novembro do ano passado, o CAI estava a acompanhar 25 portugueses detidos e que iriam ser deportados e nos últimos dois anos passou a apoiar também a comunidade caboverdiana.

"I don't belong here"


A esperança no regresso aos Estados Unidos também acompanha Carlos Medeiros. Tem 47 anos, 25 dos quais vividos nos Estados Unidos, para onde emigrou quando tinha sete anos. Deportado já há 15 anos ainda não se afirma açoriano, apesar de se sentir acolhido na Arrisca e gostar do trabalho que faz na Ergoazulejo Artes Decorativas um espaço criado pela associação que além de ser um suporte para a reintegração, oferece uma formação variada em diversas áreas como a azulejaria, pintura de louças e de tecidos e o artesanato.
Em 2010 viu ser-lhe concedida a permissão para ir aos Estados Unidos, visitar um irmão que estava internado num hospital com leucemia. Ficou três semanas, esteve com a família e voltou para os Açores. O irmão entretanto melhorou e no ano passado Carlos voltou a conseguir permissão para viajar àquele país, desta vez por mais tempo. Sabe que tem sempre que regressar aos Açores, onde todos os anos recebe a visita de uma irmã e dos sobrinhos, mas continua a não se sentir português. "I don't belong here" (Eu não pertenço aqui), diz sem hesitar, e não desiste de tentar regressar ao país onde viveu a maior parte da vida. Enquanto isso, «agarra-se» à certeza de que tem que esperar 20 anos para que o seu advogado entre com um apelo que lhe permita voltar definitivamente ao país que considera o seu.
Susete Frias, diretora da Associação Arrisca lembra que a ilusão do regresso ao país onde viveram, não ajuda à integração nos Açores. "Ficam presos à ideia de que um dia vão poder regressar, mas o que é certo é que temos repatriados que vieram há 15, 18 anos e não puderam voltar. É-lhe dito que varia de acordo com o crime. Àqueles aos quais dizem que é impossível regressar, torna-se mais fácil a integração. Os outros ficam sempre com um pé cá e outro lá. Mas é uma ilusão", considera.

Uma "pena dupla"

Dinis Leite também quer recomeçar a vida. Mas ainda não decidiu se continua nos Açores ou se emigra para outro país. "O que há aqui para mim? Saí daqui com três anos, não sei falar bem português, tento explicar-me e não me entendem. Estou a ficar cansado", afirma. Vivia em Rhode Island, onde ainda moram os pais. Do outro lado do país, na Califórnia vivem o filho de 16 anos e a filha, de 13. Dinis foi preso e condenado por tráfico de drogas. Estava a trabalhar, mas diz que precisava de dinheiro para pagar a renda, por começou a vender drogas. Foi condenado a dez anos, cumpriu três e foi expulso do país. "Eles deram-me três anos e disseram que eu tinha que assinar um papel porque ia voltar para trás. O que é que eu poderia fazer? Nada".
Saiu da cadeia sem a noção do que o esperava. "Cheguei a Lisboa e não sabia como ir para São Miguel. O avião já estava sair e eu não conseguia informações ate que encontrei um senhor que falava inglês", recorda. Chegou aos Açores em Fevereiro de 2011. Tinha 40 anos, 37 vividos nos Estados Unidos. No aeroporto de Ponta Delgada, estavam dois responsáveis da Associação Novo Dia à sua espera. Ao desconhecimento da terra, acrescia o pouco conhecimento do português. Dinis sabia falar razoavelmente a língua, mas não conseguia ler nem escrever. "Tenho 40 anos e estou a aprender tudo outra vez", diz.
Já está há cerca de um ano nos Açores e vive na Lagoa, numa das residências da Arrisca, onde aprendeu o ofício de jardineiro o que lhe permitiu arranjar emprego num museu em Ponta Delgada. Diz que gosta do que faz e quer continuar a trabalhar seja no que for que lhe possibilite alugar uma casa para poder receber os filhos. "Faço tudo, para mim, trabalho é trabalho. Quero ganhar dinheiro para recomeçar a minha vida", afirma, lamentando que só consiga ver a minha filha "no computador, pelo Skype". "Ela chora sempre e pergunta-me se não posso voltar para os Estados Unidos".
Tem esperança de que daqui a cinco anos possa dar entrada num pedido de visita aos filhos. Para já, agarra-se ao trabalho, que o mantém ocupado, e vive um dia depois do outro. Preferia ter cumprido os dez anos na cadeia, porque teria estado mais tempo com os filhos e diz que deportação equivaleu a "pagar uma pena dupla". Diz que o único lugar onde será feliz é os Estados Unidos, "perto dos filhos e da minha família". "Fiz o que fiz, sofri as consequências, e agora?", questiona sem aceitar a mudança repentina na sua vida. "Eu sou americano, não sou português. Não conhecia nada aqui, nunca tinha vindo cá", vinca. Na sua revolta, acusa também Portugal por o aceitar de volta, acreditando que se o Estado português não o fizesse, os Estados Unidos não o poderiam expulsar.
"É um drama chegar a um país que é desconhecido, onde não se domina a língua nem se tem família, onde não se sabe sequer qual o número das urgências ou onde é o hospital. A pessoa não tem qualquer ferramenta para sobreviver, se não houver este apoio", explica a diretora da Arrisca.
Opinião comum a quem trabalha a questão, é a necessidade alertar os pais e filhos para a importância da aquisição da nacionalidade americana ou canadiana, "enquanto é tempo". "Só o podem fazer as pessoas que não tenham nada no seu cadastro criminal e qualquer pessoa está sujeita a ver-se envolvida num problema, num conflito, por estar com as pessoas erradas, no lugar errado à altura errada. Muitos pais e mães não informaram os filhos que eles não eram canadianos ou norte-americanos só por estarem em situação legal nesses países. Há muita desinformação", lamenta Graça Castanho.
Ana Grácio Pinto
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