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Deportados: "As famílias perdem tudo e o maior drama são os filhos" - Helena Marques
2012-01-27
O Centro de Apoio aos Imigrantes (Immigrants Assistance Centre, em inglês) foi criado em Março de 1971 pela comunidade portuguesa da área de New Bedford, que ali residia há muitos anos e tinha perceção das barreiras linguística, económica e cultural que enfrentavam os novos emigrantes. Helena Marques está ligada ao CAI (sigla em português) desde 1983 e assumiu a direção executiva da organização em 1996. Um trabalho que considera “fácil”, por compreender essas barreiras.

Natural de S. Martinho do Funchal, Helena Marques emigrou com os pais para os Estados Unidos quando tinha 10 anos. "Os meus pais também as enfrentaram a diferença é que aprenderam inglês", referiu, defendendo que a barreira linguística é um problema atual. "Este é um dos grandes problemas. Ainda temos clientes, que não sabem falar inglês e nem sabem ler e escrever em português", revelou por telefone numa entrevista a O Emigrante/Mundo Português, onde falou do trabalho realizado pelo CAI e do drama das deportações, vivido por quem fica: as famílias.
Como explica que ainda haja portugueses nessa região que falem mal inglês?
Quando nos anos 70 os nossos portugueses chegaram cá, muitos iam trabalhar para grandes fábricas onde não era preciso aprender inglês, porque até os encarregados falavam português. Essas fábricas encerraram e os trabalhadores portugueses continuavam sem conhecer o idioma. Muitas senhoras foram então trabalhar em limpezas e viram-se forçadas a aprender o "básico". As dificuldades foram ainda maiores para aqueles que nunca haviam estudado em Portugal ou que tinham um nível escolar muito baixo e pouca apetência para aprender o inglês. Para estes, o CAI - que entre 2010 e Junho de 2011 atendeu sete mil pessoas, na maior parte portugueses, mas também oriundos de Cabo Verde e da comunidade hispânica - oferece aulas de inglês, todos os dias, de segunda a sábado.

Os filhos já escaparam a essa realidade? 

Infelizmente, na adolescência, muitas raparigas eram retiradas da escola pelos pais, para irem trabalhar para as fábricas e ajudar economicamente a família. Foi um «crime», por isso temos ainda muitos na comunidade que não concluíram a escolaridade. Grande parte dos portugueses deportados dos Estados Unidos, são originários de famílias onde o trabalho era um elemento mais importante de que a escolar. Acho que 98% dos deportados não terminaram o liceu e muitas trabalhavam nos setores da construção, das pescas e em jardinagem.

É possível traçar um perfil?

São pessoas que vieram ainda crianças para os Estados Unidos, não terminaram o liceu, aos 15/16 anos começaram a ter problemas de comportamento. Muitos não souberam escolher as amizades. É importante também referir que muitos viveram num ambiente de violência doméstica e alcoolismo, em casa. A grande maioria é oriunda das ilhas açorianas de São Miguel e da Terceira, mas também tivemos casos, poucos, de pessoas de Lisboa e do Porto. As principais causas de deportação são o tráfico de drogas, a violência doméstica e os assaltos, sendo que a violência doméstica está muito ligada às drogas.

Quando é que este problema se tornou mais visível?
Até 1986, não tínhamos informações de casos de deportação. Mas intensificaram-se a partir de 1996, quando a lei da Imigração foi alterada. Até essa altura, o imigrante teria que ter cometido um crime grave, ter estado preso entre 3 e 5 anos para ser expulso. E mesmo assim, se provasse que tinha as suas raízes nos Estados Unidos, poderia ficar. Quando a lei foi alterada, ficou mais «dura e passou a ser retroativa. 
Ou seja, um imigrante que fosse detido em 1997 e se verificasse que havia tido um problema legal, por exemplo, em 1980, e tivesse cumprido uma pena que perfizesse um ano de cadeia, seria deportado. Grande parte dos casos atuais de deportação, atingem pessoas que tiveram problemas legais antes de 1996. Nesse ano começamos a receber telefonemas de mães de candidatos à deportação. Ao falar com eles percebi que eram residentes há muito tempo e na maioria não falavam português. Percebemos o pesadelo...

De que forma o CAI os apoia?
Temos um funcionário que visita os candidatos a deportados na prisão de Bristol County, quatro vezes por semana. O apoio do Centro vai no sentido de organizar um processo sobre cada uma dessas pessoas com dados como o tempo de cadeia, a razão da deportação, a escolaridade, a profissão, situação familiar, se são usuários de drogas ou álcool, se tomam alguma medicação, etc. Caso não tenham nenhum advogado, fornecemos um.

Esta informação é enviada para Portugal?
Sim, fruto de uma parceria com a Direção Regional das Comunidades Açorianas. É importante recolher essa informação o mais cedo possível, para que a possamos enviar às associações no Açores - a Arrisca e a Novo Dia. Porque muitos desses portugueses são enviados de Bristol County para outras prisões fora desta região e deixamos de ter acesso a eles. 

As famílias são o outro lado do problema...
As famílias perdem tudo, em todos os aspetos, incluindo o financeiro, porque os deportados, na sua maioria, trabalhavam. Mas o drama maior são os filhos, que ficam com um sentimento de abandono e precisam de apoio psicológico. Muitos têm que passar a viver com familiares, as mães têm que pedir apoios públicos para pagar a renda da casa e a alimentação. Há casos de filhos de deportados que mudaram o comportamento e abandonaram a escola. Quando os pais estão em processo de deportação, uma das coisas que nos pedem é que demos apoio os filhos. 

Têm tido resultados positivos?
Infelizmente, há uma parte dessas crianças e jovens que seguem o caminho dos pais, em relação ao uso de drogas. As mulheres da comunidade que são deportadas, são na maioria por causa das drogas. Quando têm filhos, ficam quase sempre com os avós que de repente, recebem netos adolescentes em casa. Houve o caso de uma portuguesa, dos Açores, mãe de cinco filhos adolescentes, que foi deportada. Os filhos ficaram a cargo dos avós, e têm todos problemas de uso de drogas.

O que é necessário para mudar esta realidade?
A deportação é um dos maiores pesadelos da comunidade portuguesa nos Estados Unidos. Há um sentimento de vergonha, mas a deportação é vivida por todos os grupos étnicos estrangeiros. Entre outros aspetos, é importante educar os emigrantes portugueses para a cidadania americana, uma campanha que deve incluir os filhos. Porque a grande confusão dos pais é acharem que ter o Green Card (visto permanente de residência) é o equivalente a ser cidadão americano.

Muitos dos deportados vivem na esperança de regressar. É uma utopia?
É uma ilusão pensar que podem voltar para aos Estados Unidos, tal não é possível. Quando são deportados perdem todos os direitos até então adquiridos, inclusive em relação ao tempo de trabalho para reforma. Se tiverem bom comportamento, podem vir de férias visitar a família, uma benesse que conquistaram há quatro anos. E por isso, vivem com a esperança de voltar a residir cá. Mas isso só acontecerá se a atual lei da Imigração mudar, o que tão cedo não deverá acontecer. Neste momento nos Estados Unidos há uma atmosfera anti-imigrantes.
Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org

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