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"Um potencial que Portugal nunca explorou"
2010-12-27
Mais de quatro milhões de portugueses vivem no exterior, dos quais 200 mil na Suíça. Essa população contribui não apenas à economia dos países que os recebem, mas também à pátria distante.

Por Alexander Thoele, swissinfo.ch

Agora Portugal quer aproveitar mais a potencialidade das comunidades lusófonas espalhadas no mundo. swissinfo.ch entrevistou o Secretário de Estado responsável por elas.

 

António Fernandes da Silva Braga é um dos quatros membros da equipe governamental que dirige o Ministério dos Negócios Estrangeiros. O filósofo de formação e político é Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e, portanto, responsável por mais de quatro milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados por todos os continentes do globo.
 
Em seu escritório no imponente Palácio das Necessidades em Lisboa, Braga dá uma entrevista exclusiva à swissinfo.ch para falar de questões como a integração dos migrantes portugueses, programas de apoio para os migrantes que retornam, incluindo necessitados e os altamente qualificados, mas também de reforço dos contatos econômicos com a diáspora, incentivando investimentos em Portugal. 
 
swissinfo.ch: Cerca de 200 mil portugueses vivem hoje na Suíça. Na visão do governo português qual é o perfil desses imigrantes?
 
António Braga: Essa é uma questão relevante e que tentamos responder através de apoio científico. Por isso criamos o Observatório para Imigração em parceria com uma universidade em Lisboa: o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Ele não apenas irá caracterizar essas pessoas que emigram, no caso concreto à Suíça, mas também o conjunto de outros itens como suas ambições ou que as mobiliza a ir ao estrangeiro.
 
No caso da Suíça, os números estão corretos e ficam na casa das 200 mil pessoas. Mas há uma característica que também é muito acentuada: a Suíça é provavelmente dos países, aquele onde a permanência dos portugueses é das mais flutuantes. Ida e volta em épocas para o trabalho sazonal, por um lado, e por outro, com uma integração relativamente mais fácil na zona francófona do que na zona germânica.
 
As características são, no essencial, relacionadas às atividades na área de hotelaria, comércio, em si, do emprego menos qualificado. Mas felizmente, na segunda geração, já começamos a encontrar pessoas com origem na comunidade portuguesa que desempenham funções mais qualificadas. E também já existe, com um peso significativo, aqueles que têm atividade por conta própria no comércio, na indústria alimentar, hoteleira e de restauração, o que dá nota de uma integração gradual, mas sustentada, e de desenvolvimento na própria pirâmide social.  
 
swissinfo.ch: Em julho de 2010, o Depto. Federal de Migração da Suíça publicou um amplo estudo sobre portugueses no país. Nela fica caracterizada o problema do rendimento escolar dessa comunidade em relação a outras. Por quê?
 
A.B.: Isso já não é tanto assim, porque do nosso ponto de vista era mais uma razão administrativa do que uma razão substantiva. Eu tive ocasião de trabalhar com a senhora Isabelle Chassot (n.r.: presidente da Conferência Suíça de Responsáveis Cantonais de Educação), que mostrou sempre muita disponibilidade enquanto coordenadora da educação no país. Assim ficou demonstrado que o problema associado a esse desempenho no sistema educativo não eram as capacidades habilitantes para a aprendizagem mas, pelo contrário, as dificuldades no domínio da língua, nomeadamente a língua alemã e obviamente também a língua francesa.
 
Como caracterizamos, o grupo mais representativo da imigração portuguesa para a Suíça é aquele ocupado no trabalho sazonal. Isso significa que as crianças ficam ausentes do sistema educativo, porque regressam ou porque vão já um pouco tarde, com nove ou 10 anos de idade. E isso aumenta a dificuldade na dominação da língua do país para que elas possam progredir no sistema educativo. A dificuldade no domínio da língua - que é o instrumento com o qual se aprende toda a base curricular - é uma dificuldade acrescida e que tem de ser resolvida de outra forma, que não remetendo esses alunos que dominam menos a língua para uma espécie de ensino especial.
 
Foi esse fator é que deu uma entorse negativa na amostragem, mas que foi corrigida através de instruções remetidas às escolas já no ano passado. Elas determinam que os alunos que têm dificuldades na aprendizagem por causa do domínio da língua não sejam considerados, para efeitos informativos estatísticos, como de baixo sucesso educacional. 
 
swissinfo.ch: Mas o estudo indica que a maior parte dos portugueses na Suíça mantém o plano de retornar. Isso não tira o incentivo dos pais de se esforçar mais para seu sucesso escolar e, finalmente, pela integração dos seus filhos no país?
 
A.B.: É verdade para os pais, que emigram no sentido de poder melhorar sua condição econômica ou realizar experiências de trabalho e que, depois, querem regressar o mais rapidamente possível. Mas isso já não é verdade para os filhos. Reconhecidamente sabe-se que seus pais querem para eles o melhor futuro.
 
Hoje é preciso ler essa circunstância à luz do que se passa em Portugal. Hoje nosso país oferece a quase 100% da população a pré-escola. O ensino é obrigatório até uma faixa muito elevada da aprendizagem. Portanto, há uma visão de cultura e de importância das aprendizagens que o sistema educativo permite, quer para o desempenho de uma profissão no futuro, quer de realização pessoal, num sentido mais completo.
 
Por isso sublinho que essa lógica, que é remetida à família, não é repetível às crianças. Por quê? Pois nota-se um grande esforço para que os alunos freqüentem as escolas. Repara que Portugal dá um grande tributo, uma vez que coloca lá professores juntos dessas comunidades, para garantir que eles não percam os vínculos de ligação à cultura e língua portuguesa. Isso significa que, ao mesmo tempo em que freqüentam o sistema educativo suíço, as crianças se0 beneficiam dessas outras aprendizagens. 
 
swissinfo.ch: Segundo o estudo do Depto. Federal de Migração, a migração portuguesa à Suíça é negativa, ou seja, mais pessoas retornam do que vêem ao país. A crise financeira atual em Portugal poderá reverter esses números?
 
A.B.: Embora a Suíça não pertença à União Européia, há acordos que facilitam a circulação dos portugueses para a Suíça. E nessa matéria, nós caracterizamos mais esses movimentos como sendo uma mobilidade no contexto do emprego na Europa do que propriamente a tradicional imigração, que se passava quando havia todo um conjunto de dificuldades transfronteiriças e outras barreiras. Hoje, como se sabe, é muito fácil se deslocar para a Suíça e vice-versa. Portanto, assistimos mais um caráter de mobilidade.
 
Por outro lado, é evidente que a crise atravessada pela Europa provoque cortes de empregos. Infelizmente essa situação é bastante marcante em Portugal. Assim é natural que esse movimento possa aumentar na procura de outras condições, ou seja, na procura de emprego. Não temos ainda dados que possam nos sustentar no rigor que isso esteja a acontecer, mas em uma abordagem à situação na União Européia e Europa, o que assistimos é um movimento acelerado dessa mobilidade.
 
Mas também existe a mobilidade negativa. No caso da vizinha Espanha, os dados mostram que houve um regresso muito superior à saída de trabalhadores portugueses em direção ao país. Antes da crise mais de 120 mil trabalhadores portugueses trabalhavam de forma regular na Espanha. Hoje a crise e o desemprego fizeram com que muitas dessas pessoas retornassem à Portugal.
 
swissinfo.ch: Porém sabe-se que países em crise como Itália, Grécia, Espanha e Portugal vivem um problema sério de evasão de cérebros, jovens acadêmicos que vão procurar sua sorte no exterior.
 
A.B.: Isso é verdade. Hoje há uma saída de jovens muito qualificados. A Inglaterra tem sido, aliás, um caso recorrentemente citado, onde temos desde jovens quadros formados em universidades portuguesas até outros com experiência de trabalho, e que deslocam à procura de oportunidades de trabalho. Temos até professores portugueses trabalhando no sistema educativo inglês.
 
Evidentemente isso é uma preocupação, mas também um enriquecimento. Há um período na vida desses jovens em que eles vão conhecer outras realidades e sociedades e, provavelmente, enriquecer seus currículos com essas oportunidades. Com isso, no regresso que se prevê a prazo, o país também pode se beneficiar.
 
Quando esse fenômeno ocorre, há sempre uma parte que é perda, pois são quadros qualificados. Mas no contexto da Europa isso não é novidade, pois as fronteiras foram abolidas e criadas condições à livre-circulação de pessoas e bens, acreditando que isso seria benéfico para o conjunto.
 
swissinfo.ch: Há pouco, um grupo de migrantes criou o Observatório dos Luso-descendentes. Seu objetivo é associar portugueses no mundo inteiro. A seu ver, o que significam essas iniciativas?
 
A.B.: Essa é, sobretudo, a iniciativa de uma associação de jovens que regressaram a Portugal. Com esse instrumento, esse regresso poderá ser monitorizado, sobretudo num componente muito relevante: eles querem saber até que ponto seu regresso significou uma integração de novo na sociedade que um dia viu partir seus pais ou avós. O observatório também quer acompanhar um pouco, do ponto de vista informativo, como o enriquecimento dessa cultura tem a ver com o retorno da diáspora, o que isso pode significar.
 
Por um lado, sabemos através de estudos já realizados anteriormente, que quando regressam as famílias da diáspora, cerca de 90% o fazem-no para o lugar de onde partiram, seja no conselho ou até para freguesia. Isso fez com que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lançasse um programa de parceria com as autarquias locais em Portugal, no sentido de criar gabinetes de apoio nessas circunstâncias. Esses gabinetes também se potenciam a servir como portas facilitadoras no do investimento nesses conselhos por parte daqueles que um dia partiram.
 
Portanto, considero o Observatório dos Luso-descendentes um trabalho muito relevante para melhor identificar essa transumância, que é realizada também por via dos jovens, e não apenas dos que decidiram regressar à Portugal para procurar uma oportunidade de emprego ou realizar algo nas suas vidas.
 
Mas deixe-me sublinhar outro aspecto importante: nesse regresso - estamos falando também em uma terceira e quarta geração - o fenômeno que é muito interessante de poder acompanhar, é que nunca foram quebrados os vínculos de pertença cultural e lingüística com Portugal. Isso se traduz como uma marca distintiva dos portugueses que vivem e exercem suas ações enquanto profissionais, com essa permanente ligação à cidadania e cultura portuguesa.
 
swissinfo.ch: Qual a importância econômica e política da comunidade portuguesa no exterior? Quantos portugueses e descendentes vivem hoje no exterior?
 
A.B.: Hoje falamos não apenas daqueles que mantém a cidadania portuguesa, mas também dos luso-descendentes. Se abordarmos o Brasil, por exemplo, relacionando sua história passada até o presente, poderíamos dizer que o grosso da população é de origem portuguesa - apesar de no país coexistirem comunidades de origem alemã, italiana, espanhola e outras. Assim, teríamos provavelmente 200 milhões de luso-descendentes. Isso nos levaria para uma especulação que foge bastante do rigor científico.
 
Quanto à estimativa populacional, na comparação com os indicadores oficiais de cada país, o número rondaria a marca de quatro milhões e meio de pessoas que, de um modo ou de outro, mantém a cidadania portuguesa e os que são diretamente descendentes em até terceira, quarta ou até quinta geração de portugueses.
 
Mas tudo depende de como cada país trabalha esses dados populacionais. Os Estados Unidos, por exemplo, fazem depender seus censos de uma informação em que a pessoa diz se considera descendente de. Se a pessoa no inquérito diz que é descendente de portugueses, então já temos um milhão e 300 mil identificados. Na Austrália já é completamente diferente: a pessoa de origem portuguesa sai das referências estatísticas, pois não se questiona sua vinculação cultural anterior. Nossas indicações mostram que no país vivem 50 mil portugueses e luso-descendentes, mas os censos australianos só contam 14 mil. Portanto há aqui uma abordagem muito díspar desses números. 
 
swissinfo.ch: Qual a relevância do fator econômico das comunidades portuguesas no exterior para Portugal?
 
A.B.: O que pudemos apurar do ponto de vista estatístico, são as remessas feitas pelos portugueses para Portugal. Até junho de 2010 esse valor seria de um bilhão de euros. Isso significa 0,65% do PIB. Já foi mais no passado, quando esse valor rondou o 1,5% do PIB, o que é muito relevante. Estamos falando aqui de remessas líquidas. Mas temos de levar em conta outros tipos de regressos em valores que não são contabilizados em dinheiros. São negócios, parcerias na área de internacionalização da própria economia, acordos e parcerias com empresas nacionais, importação ou exportação, etc. O seu peso é sempre muito positivo, mas achamos que poderia ser muito mais.
 
De fato, essa diáspora tem uma dimensão e, sobretudo, uma diversificação planetária - ou seja, ela está presente em todas as partes do mundo. Por exemplo: identificamos 120 mil empresas no estrangeiro que são de propriedade, ou maioria de propriedade e capital de portugueses que estão no estrangeiro; delas, 20 mil são muito grandes empresas. Esse é um potencial que Portugal nunca explorou - talvez por preconceito interno frente ao afastamento dos portugueses que estão lá fora - e que, em minha opinião, está sendo muito mal aproveitado. Esse potencial da comunidade portuguesa no exterior pode e deve ajudar mais economia nacional.
 
Se essas pessoas insistem em continuar a crescer portugueses, elas estarão disponíveis - com programas apropriados - a poderem investir em Portugal. Isso não significa desinvestir dos projetos que têm lá fora, mas sim incluir Portugal na rota desses investimentos e dessas oportunidades para facilitar a internacionalização da própria economia e das empresas portuguesas.
 
Por esse preconceito ser real, nunca houve uma política pública dirigida para esse setor. Este governo criou um programa chamado Netinvest, que procura responder as questões que levantei agora. Com isso criamos uma espécie de via verde para favorecer o investimento em Portugal, informando sobre as facilidades, oportunidades e estímulos para ele. Criamos também condições para que empresas portuguesas possam conhecer as empresas desses outros portugueses que estão lá fora, e com isso, eventualmente, beneficiar-se de uma plataforma para chegar melhor a este ou aquele continente já tendo um interlocutor que fale a sua língua.
 
swissinfo.ch: Muitos portugueses chegam à terceira idade quando estão como imigrantes em outros países. Encontrei em Trás-os-Montes até um asilo para ex-migrantes em Luxemburgo. E como ficam os que se encontram em dificuldade?
 
A.B.: Temos programas para ajudar portugueses que estão no estrangeiro e que, por qualquer razão, tenham sido abandonados ou estão em dificuldades de sobrevivência a partir dos 65 anos. Há países onde o sistema de segurança social, e até de saúde, são muito débeis ou inexistentes - alguns países na África e na América Latina, mas não é o caso da Europa. Também há casos em que não há reciprocidade entre Portugal e esses sistemas, pois não havendo sistemas, não é possível oferecer reciprocidade. Temos um programa, em que apoiamos diretamente essas pessoas, onde gastamos cerca de seis milhões de euros por ano. É um apoio para pessoas que não têm mais nada para sobreviver.
 
Essas experiências de regresso, sobretudo com os sistemas muito garantistas (sic) na área da segurança social como é o caso de Luxemburgo, são experiências novas. Nós iremos acompanhá-las para acompanhar o impacto que isso pode trazer. Numa primeira leitura isso parece bom, pois os antigos migrantes portugueses ficam mais próximos das suas famílias e estão de regresso ao país que lhes viu nascer, mas isso não pode significar um alijar das responsabilidades dos sistemas dos países onde essas pessoas trabalharam, seja qual for as circunstâncias. Portanto esse acompanhamento precisa ser monitorizado para perceber até que ponto isso pode ou não corresponder ao alijamento dessas responsabilidades. Porque os direitos no contexto da União Européia estão garantidos, sobretudo na questão da reforma.

 

Alexander Thoele, swissinfo.ch, aqui.
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