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Importância económica da emigração é sete vezes superior ao valor das remessas
2010-10-11
De vez em quando discutem-se as remessas dos emigrantes. Ora sobem ora baixam e lá surgem as inevitáveis análises, observações e comentários sobre a importância actual das remessas dos emigrantes para o país. Mas quando se discutir o assunto é bom que se tenha em atenção que as remessas são um simples indicador porque o “peso económico” destes portugueses é muito maior do que aquilo que se pensa. Alguns especialistas afirmam mesmo que o valor económico vale sete vezes mais do que os montantes registados como remessas. Vejamos porquê…

Portugal tem sido ao longo de quase dois séculos um país de emigrantes: desde os fenómenos de expansão do próprio império e respectiva colonização, passando pelo povoamento das Ilhas Atlânticas, e pela colonização do Brasil. Já em pleno século XIX assume especial importância a emigração económica para o Brasil, bem como, para outras regiões das Américas (Estados Unidos, Canadá, Caraíbas, Havai).
A emigração económica a partir de 1960, essencialmente para os países desenvolvidos da Europa Ocidental (França, Alemanha, Suíça), a emigração madeirense para a África do Sul e Venezuela e açoriana para os Estados Unidos e Canadá, completam um quadro que conduziu à existência de imensas comunidades portuguesas fora de Portugal. É claro que, com o passar dos tempos e sobretudo de gerações, aqueles que inicialmente eram apenas portugueses emigrados deixam de o ser totalmente, passando a ser também estado-unidenses, brasileiros, sul-africanos, venezuelanos, franceses, canadianos etc, mas sempre com uma ligação muito especial a Portugal.

EMIGRAÇÃO HISTÓRICA

Em todo este processo os números são impressionantes. Entre 1958 e 1974 abandonaram Portugal cerca de 1,5 milhões de indivíduos. Só no ano de 1973 foram cerca de 123 mil e no ano seguinte, apesar de todas as restrições entretanto criadas na Europa à emigração, saíram do país mais de 70 mil pessoas, num movimento que mudou a face da sociedade portuguesa e que inclusivamente levou à criação do EMIGRANTE/MUNDO PORTUGUÊS um jornal expressamente dedicado ao fenómeno.
Nos anos 60, em grande parte devido às enormes dificuldades por causa da guerra colonial, assistiu-se a mais uma grande vaga de emigração e de novo para a Europa que desta vez abriu as suas fronteiras, porque o crescimento económico a deixava naturalmente com uma enorme necessidade de mão de obra.

EMIGRAÇÃO ACTUAL

A crise internacional e obviamente a sua repercussão em Portugal, levou a que se registasse actualmente uma nova vaga de emigração nomeadamente para países como a Suíça, o Reino Unido, Espanha, Angola etc.
Aquilo que leva os portugueses a emigrar hoje, embora seja diferente estruturalmente, não o é do ponto de vista conjuntural. Se nos anos 60 se emigrava para mudar de vida, para ganhar o direito a uma vida melhor, a emigração hoje está a fazer-se exactamente pelas mesmas razões embora não numa perspectiva de longo prazo. Emigra-se para pagar uma casa, resolver pontualmente um desemprego inesperado, reequilibrar um orçamento familiar por causa de uma doença, entrar no mundo do trabalho etc...  Numa sociedade que não tem apetência ou possibilidade de investir na poupança, emigrar surge assim como um fundo financeiro a que se recorre quando as coisas ficam piores ou mais descontroladas, usufruindo de um quadro político especial onde a mobilidade é factor preponderante e facilitador do próprio movimento de emigração

O VALOR DAS REMESSAS

No meio de todo este quadro, as remessas dos emigrantes sempre tiveram e continuam a ter uma importância capital para o equilíbrio das nossas finanças, independentemente do que se diga. Recorde-se por exemplo que, até Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro chegou a desvalorizar a importância deste fluxo de capitais, embevecidos que andávamos com os Fundos Europeus, e por se achar chegado o momento em que Portugal iria deixar de ser um país de emigração para se tornar um país de acolhimento. Nada mais errado. Curiosamente foi também Cavaco Silva o primeiro a emendar a mão quando percebeu que a emigração portuguesa se mantinha e nalguns casos crescia até. A este respeito ainda recentemente afirmou que "quanto menores forem as remessas de emigrantes para Portugal, e quanto menor for o seu investimento no país, menos crédito terão os bancos para conceder às pessoas".
Desta forma o presidente da república e economista Cavaco Silva ligou muito fortemente as remessas dos emigrantes ao crédito que os bancos terão para conceder à empresas e aos particulares, mas foi mais longe ao afirmar para além das remessas, também o "investimento dos emigrantes" no país. E esta é uma questão primordial na análise da importância dos portugueses no estrangeiro na nossa economia.

MAIS DO QUE REMESSAS IMPORTA O MERCADO

Volta e meia discutem-se as remessas que ora baixam, ora sobem e vêem as inevitáveis análises económicas e sociológicas sobre o facto. Mais importante do que uma análise estanque ao valor das remessas, importa analisar o mercado dos portugueses que residem no estrangeiro e na mais valia que representam nas diversas formas de interagir com o país independentemente da análise estatística sempre sujeita a regras muito próprias. Por exemplo quando as remessas "caíram" quase 25 por cento em 2002 isso ficou a dever-se não a menor poupança dos emigrantes e muito menos que se tenham "zangado" com o país, apenas nesse ano houve uma reestruturação de contas, por ter entrado em vigor a nova directiva da poupança que veio alterar significativamente a forma de organizar os números e de classificação das remessas.
Efectivamente segundo João Cadete de Matos, director do Departamento de Estatística do Banco de Portugal "as remessas dos emigrantes são apenas uma das componentes das transferências", ou seja trata-se da classificação de um determinado tipo de envio dos emigrantes e que de forma alguma corresponde ao "valor económico" dessas comunidades para Portugal. Para serem classificadas de remessas têm de provir de alguém que já esteja pelo menos há um ano em território estrangeiro e que esteja a enviar dinheiro para a família, por outro lado tem de ter um valor mínimo de 50.000 euros para merecer essa classificação de remessa.
Ora actualmente e ainda segundo aquele especialista "os emigrantes continuam a transferir dinheiro para Portugal, mas numa óptica de investimento que inclui compra de acções, imóveis, consumo variado etc, o que não é classificado como remessa embora tenha um indesmentível valor económico".
Igualmente um emigrante que pretenda retornar a Portugal e como tal proceda à transferência das suas economias também não as verá classificadas como remessas porque esses valores são contabilizados  na balança de capitais. Da mesma forma todo o dinheiro que for aplicado em compras de turismo, desde pacotes de férias, viagens a Portugal, programas, hotéis, etc, já que os emigrantes são recebidos como turistas como qualquer estrangeiro ou até mesmo para pagamento da prestação da casa se estiver emigrado há menos de um ano ou não esteja registado como emigrante no consulado respectivo.
Por tudo isto, quando se fala da importância deste mercado dos portugueses residentes no estrangeiro tem de ser ver mais além do que a simples análise das remessas que peca claramente por insuficiente, principalmente se tivermos em linha de conta o fenómeno "offshore" para onde é possível transferir dinheiro com o objectivo de pagar menos imposto do que no país de origem. As formas são várias com especial incidência nos países onde as transferências não são permitidas. Nestes casos não há, por isso mesmo, qualquer forma de avaliar as "remessas" vindas desses países que acabam por entrar em Portugal como produtos bancários estruturados. Veja-se por exemplo o caso de África e da América Latina onde vive mais de 50 por cento da emigração portuguesa mais rica e com maior nível de vida, mas permanentemente sujeita a uma enorme e constante instabilidade financeira, económica e política e que por isso mesmo enviaram ao longo de décadas milhões de contos (antigamente) e mais recentemente euros, mas que por via dessas limitações nunca foram contabilizadas como remessas.
E não é fácil perceber como esses capitais acabam por entrar em Portugal de diversas formas ou de alguma forma "entrar" na economia portuguesa, até para os próprios especialistas não é fácil fazer essa análise. Muitos apontam para o facto de Portugal estar a exportar cada vez mais serviços para o estrangeiro, evidenciando aqui o facto de muitos desses serviços estarem a ser prestados aos portugueses não residentes que cada vez mais, consomem "português" e em Portugal. Muitas das vezes esses serviços estão a remunerar auxílio a amigos e famílias que vem dos emigrantes, desde a Universidade e a formação dos filhos que estudam em Portugal, um fenómeno cada vez mais comum, até aos lares e casas de saúde para pais e familiares. Daí que se questionarmos sobre o que valem efectivamente as remessas dos emigrantes, alguns especialistas da área apontam para um número sete vezes superior à estatística oficial. E os números comprovam-no, basta analisar o quadro "Outras Transferências Correntes Privadas" elaborado pelo Departamento de Estatística do Banco de Portugal, que inclui pensões de reforma e outros benefícios sociais recebidos por emigrantes nos seus países de acolhimento e pagos por instituições desses países. Nesse quadro verifica-se que em 1997 o valor recebido pouco passava os 300 milhões de euros, para em 2009 ter ultrapassado os 1.500 milhões.
Francisco Passadouro é exemplo da importância económica deste mercado muito para além das remessas. Trata-se de um jovem luso-descendente, (ver foto) que se dedica em França à construção civil e que esteve recentemente em Portugal num encontro de jovens tendo declarado ao jornal O EMIGRANTE/MUNDO PORTUGUÊS que "todos os materiais que preciso para as minhas construções compro-as em Portugal na região de Leiria, de onde a minha família é natural e onde tenho os meus amigos". Provavelmente o Francisco Passadouro nunca fez nenhuma remessa, classificada como tal pelo Banco de Portugal, mas é inquestionável a importância das suas transferências para a economia nacional.

A IMPORTÂNCIA DAS CAMPANHAS

É aqui que, como sustenta Cavaco Silva, a banca pode ter um papel fundamental e ainda com muito espaço para crescer. Ao longo de décadas os bancos comportaram-se perante este mercado como "entidades de serviço público" operando apenas o mercado das remessas, ou seja, aguardando "pacientemente" que os clientes entrassem pela porta com o dinheiro na mão para enviar para Portugal.
A banca terá assim de olhar para este mercado como uma nova oportunidade, até porque o acordo de «Basileia III» está à porta com as inevitáveis mudanças das regras de capital em que os bancos terão apenas oito anos para se adaptar às novas garantias exigidas para poderem continuar a conceder financiamento no decurso de uma crise. São novas regras que vêem alterar significativamente o quadro de operações da banca.
Hoje tudo mudou e nada é mais possível como dantes. Os bancos portugueses para se financiarem terão de voltar a este mercado com muita agressividade e mostrar a sua capacidade de sedução aos clientes, que embora portugueses e sempre ligados ao seu país, são constantemente aliciados por propostas muito aliciantes e sofisticadas por parte da banca estrangeira.
Ainda recentemente um banco de direito francês criou uma campanha especialmente dirigida à comunidade portuguesa. Montou um plano de comunicação bem apoiado, segundo o qual pagaria a plantação de uma árvore em Portugal por cada cliente conseguido na campanha. No final os resultados superaram cerca de cinco vezes os resultados inicialmente esperados. É o exemplo de um Banco que em vez de esperar comodamente pela vontade dos clientes, jogou na antecipação, criou um produto, publicitou-o com o apoio da comunicação social e acabou por colher os louros bem para além do inicialmente esperado.
Este banco percebeu a "mensagem" do presidente da república quando diz que: "quanto menos os emigrantes investirem no país, menos crédito terão os bancos para conceder". E um banco que não concede crédito não tem lucros nem gera lucros na economia.

VALOR DAS REMESSAS AUMENTA


Apesar de tudo as remessas, classificadas como tal, estão a aumentar segundo o boletim estatístico do Banco de Portugal, publicado em Agosto. No primeiro semestre deste ano cresceram 5,2 por cento face a igual período do ano passado. Dito de outra forma até Junho entraram 1080 milhões de euros de remessas de emigrantes, contra 1025 no período homólogo. Embora se trate de uma subida ligeira, é claramente a inversão de uma tendência que se vinha observando.
A França continua a ser o país de onde são enviados os montantes mais elevados, embora não seja a comunidade maior. Essa reside nos Estados Unidos e que é apenas a terceira em volume de remessas, atrás respectivamente da França e da Suíça.
Os portugueses dos Estados Unidos (mais ou menos 1,1 milhões) enviaram para Portugal 68,6 milhões de euros no primeiro semestre do ano que representa um aumento superior a 6 por cento relativamente ao ano passado. Mas os campeões das remessas continuam a ser os 160.000 portugueses da Suíça, que enviaram 268 milhões de euros neste período representando um crescimento de 20 por cento face ao mesmo semestre do ano passado.
José Manuel Duarte
jduarte@mundoportugues.org

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