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Crónica: Os portugueses no Luxemburgo, história e memória...
2010-03-20

Os Portugueses representam, hoje, a maior comunidade de estrangeiros residentes no Grão-Ducado.

Desde logo, falamos de Portugueses, não apenas de imigrantes portugueses, nem de comunidades portuguesas, por que os imigrantes portugueses fazem a sua entrada na história do Grão-Ducado somente a partir dos anos 1960; enquanto a existência de comunidades portuguesas é posterior a 1986, ano em que Portugal e Espanha aderem à CEE e para aqui se deslocam os primeiros funcionários portugueses das instituições europeias, com as suas famílias.

Quatro anos (2006-2010) tomaram esta investigação, cujos resultados apresentamos, em síntese. Para mais desenvolvimentos, convidamos o público leitor a assistir à conferência "Os Portugueses no Luxemburgo: história e memória - da Idade Moderna à Idade Contemporânea", promovida pelo CONTACTO, e que tem lugar este sábado, 20 de Março, às 15h30, no hall 1 da Luxexpo, em Kirchberg, no âmbito das festividades do 40° aniversário do jornal e integrado no 27° Festival das Migrações.

Portugal e Luxemburgo sob a mesma coroa

(1) Falamos de Grão-Ducado do Luxemburgo somente a partir de 1815, ano em que se realizou o Congresso de Viena e se configurou uma nova ordem geopolítica na Europa. Outra referência importante: os anos 1830, ano da formação e independência do Reino Belga, o ano 1839, separação do Grão-Ducado do Luxemburgo do Reino Belga, com o reconhecimento das suas actuais fronteiras e população, pelos tratados de Londres (1839 e 1867). Anteriormente a estas datas, existe o Ducado do Luxemburgo, governado por diferentes casas dinásticas europeias, entre as quais a dos Habsburgos espanhóis, de Carlos V aos Filipes, reis de Espanha e de Portugal, durante o período da União Ibérica (1580-1640), que governam os chamados Países Baixos espanhóis, incluindo o Ducado do Luxemburgo.

Portugueses no Ducado... em 1546

Esta perspectiva leva-nos a reflectir sobre (2) a presença de Portugueses no Luxemburgo. Um episódio histórico fala-nos de um incidente com mercadores e banqueiros judeus portugueses, provenientes de Antuérpia, na fronteira do Ducado do Luxemburgo, em 1546. O seu destino seria Colónia, na Alemanha. Estariam, portanto, em trânsito, visto que o imperador Carlos V, casado com D. Isabel de Portugal, Duque do Luxemburgo, pai e avô dos nossos reis Filipes, de Espanha e Portugal, interditou a permanência nos seus domínios de mercadores e banqueiros protestantes, mas condescendeu no livre-trânsito aos Portugueses, ainda que suspeitos de judaizarem, exercendo sobre eles medidas de controlo e tributação fiscal, para financiar a sua Corte e as campanhas militares em todo o seu Império.

Portanto, existe uma presença portuguesa nos Países Baixos, em meados de 1550, que é muito anterior ao fenómeno imigratório português dos anos 1960. Trata-se de uma elite de portugueses relacionados com a banca e o comércio das especiarias. Estabelecem uma rede global de trocas, através das suas empresas de tipo familiar e dos entrepostos ou principais praças financeiras, para a época. São mercadores e banqueiros judeus portugueses. Dão início à diáspora dos tempos modernos, não propriamente à imigração. São perseguidos por motivos religiosos e económicos. Pelo seu reduzido número, pelo seu estatuto e papel socioeconómico, distinguem-se da figura do imigrante português contemporâneo. São também os primeiros que por estas paragens circulam e exercem actividades.

Há representantes da nossa casa dinástica, os Habsburgos espanhóis, casados com princesas portuguesas, com descendência - os nossos reis Filipes, na governação dos Países Baixos, incluindo, o Ducado do Luxemburgo. Deste período histórico restam-nos vestígios na arquitectura do burgo, nas suas muralhas, com baluartes e guaritas [em lux.: "Spueneschen Tiermchen"], e nos seus principais palácios. Quanto aos nomes, apenas Spanier [espanhol] surge associado a alguns apelidos de família luxemburguesa.

Luxemburgueses no Brasil: Séc. XVII e XVIII

Outro momento histórico (3) diz respeito à parceria do Padre Jean Philipe Bettendorff (1625-98), autor da "Crónica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão" (ed. póstuma, 1910), com o Padre António Vieira (1608-97), ambos da Companhia de Jesus, nas missões da Amazónia, no período do Brasil colonial português.

Ainda, (4) a emigração de camponeses luxemburgueses, cerca de cinco mil pessoas, nos anos 1764 e 1786, para a colonização do Banat, província do Império Austro-Húngaro, envolvendo a mediação do Padre Antoine Vernel OFM, recolecto do Convento de Virton, em 1754, junto do Conde Sylva-Tarouca, aliás, Manuel Teles da Silva, diplomata português em Viena de Áustria, prestando serviço na chancelaria dos Habsburgos austríacos. Os colonos luxemburgueses estabeleceram-se em Triebswetter [actual Nagyosz, na Hungria] e em Temeswar [Timisoara, na actual Roménia]. Outros camponeses luxemburgueses terão sido levados para as colónias francesas na Louisiana, nos EUA, para Pondichéry, no Golfo de Bengala, na Índia francesa, para a Prússia, no reinado de Frederico II (1712-81), e para o Império Russo, no reinado da czarina Catarina II (1729-96).

(5) A emigração de camponeses e artesãos luxemburgueses decorre durante todo o séc. XIX e a primeira metade do séc. XX, coincidente com a industrialização e a imigração de Alemães e Italianos para o Grão-Ducado. Faz-se com destino às Américas, para países e mercados onde a presença imigratória portuguesa também acontece, por ex., no Brasil, nos anos 1820-1940; nos EUA, pradarias do Midwest, anos 1830-1940; na Argentina, nos anos 1850-1900. Outros destinos da emigração luxemburguesa, no séc. XIX, são a região de Paris, da Lorena e de Bruxelas. Regiões estas que um século depois atraem também imigrantes portugueses.

Coroa luxemburguesa e sangue português

(6) De permeio, temos dois períodos históricos contemporâneos da maior importância: os anos 1920, depois da I Guerra Mundial (1914-18); os anos 1930 e 1940, caracterizados pela Guerra Civil de Espanha (1936-39) e a II Guerra Mundial (1939-45). O Grão-Ducado é ocupado militarmente pelas tropas do II e do III Reich. Nos anos 1920, a casa grão-ducal reinante é a dos Nassau-Weiburg-Bragança, na pessoa de Maria Ana de Bragança (1861-1942), regente de 1908-12; das suas filhas, Maria Adelaide de Bragança (1894-1924), grã-duquesa de 1912-19, e Carlota de Bragança (1899-1985), grã-duquesa de 1919-64. Nos anos 1940, a grã-duquesa Carlota é forçada ao exílio, com a sua família, alguns membros do seu Governo, e centenas de Luxemburgueses de confissão mosaica, ou seja, judeus. Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), à revelia das instruções do MNE e da PVDE, sob Governo de António de Oliveira Salazar (1899-1970), emite-lhes vistos de trânsito, salvando mais de 30 mil pessoas da deportação e morte. A grã-duquesa Carlota consegue entrar em Portugal em 1943, de onde partiu para o exílio, nos EUA e Canadá, antes de regressar a Inglaterra, nesse mesmo ano, e ao Grão-Ducado, depois da libertação militar, em 1944.

Depois de 1960

(7) A imigração portuguesa para o Grão-Ducado faz-se, ‘a salto', nos anos 1960, no contexto da emigração clandestina para França. Apresenta características específicas, que temos vindo a analisar nesta rubrica do CONTACTO. Ocupa-se nas obras, nas limpezas e nos serviços HORECA. Segundo dados do STATEC para 2008, excede as 80 mil pessoas.

Os imigrantes portugueses constituem outro elo na cadeia descontínua de pedreiros que construíram o Luxemburgo, no seguimento dos pedreiros, artífices, mercadores e banqueiros italianos das regiões dos Alpes, de Sabóia, do Tirol e de Grisões, que imigraram para o Luxemburgo durante o séc. XVII, e dos camponeses italianos do Piemonte, Friuli e Abruzzi, nos anos 1870 a 1950, tornando-se mineiros e operários fabris, pedreiros, nos estaleiros de obras, com quem muitos dos imigrantes portugueses da primeira geração aprenderam o falar e a arte.

Conclusão. Os Luxemburgueses, que desde os anos 1870, com a industrialização e as minas, e a seguir à crise da OPEP, em meados dos anos 1970, que está na origem da economia de serviços (banca, finanças, bolsa, seguros), acolhem os seus imigrantes e outros estrangeiros, por motivos económicos e demográficos, também conheceram ao longo de gerações o fenómeno da emigração através dos portos fluviais no Mosela, de Bremen e de Antuérpia, e encontraram na emigração respostas para a sua situação de pobreza, contribuindo, a seu modo e em número, para a economia das Nações. Conheceram, também, o exílio e buscaram refúgio em Portugal. Afinal, por outros caminhos, marcamos encontro com a História, o mesmo é dizer, connosco.

António de Vasconcelos Nogueira
(O autor tem um doutoramento em Filosofia e um pós-doutoramento em História Económica pela Universidade de Aveiro; é especializado na vertente de Estudos Judaicos, diáspora e migração portuguesa)
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CONTACTO promove conferência sobre a história da imigração portuguesa


" Os Portugueses no Luxemburgo: história e memória - da Idade Moderna à Idade Contemporânea" é o tema da conferência de António de Vasconcelos Nogueira, investigador-estagiário na associação Amizade Portugal-Luxemburgo (APL) e cronista do CONTACTO, a apresentar no Festival das Migrações, no Kirchberg, este sábado, dia 20, às 15h30, no Hall 1, da Luxexpo, em Kirchberg, na cidade do Luxemburgo. A conferência tem lugar a convite do CONTACTO, no âmbito do seu 40° aniversário (1970-2010).

Contacto, aqui.

Observatório da Emigração Centro de Investigação e Estudos de Sociologia
Instituto Universitário de Lisboa

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1649-026 Lisboa, Portugal

T. (+351) 210 464 322

F. (+351) 217 940 074

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