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"O Luxemburgo já não precisa de trabalhadores", diz Rogério Oliveira, presidente da ACBL
2010-03-20
Os portugueses chegaram ao Luxemburgo nos anos 60, mas uma das constantes da comunidade é o seu número que cresce em permanência. O CONTACTO falou com três dirigentes associativos sobre a nova vaga de imigração e os problemas actuais da comunidade.

"Há cada vez mais emigração e isso vem-se tornando um problema", diz Rogério Oliveira, que preside à Associação Cultural da Bairrada no Luxemburgo (ACBL), com sede em Strassen.

"Nos últimos cinco anos, têm chegado muitos portugueses ao Luxemburgo; mas o país já não tem necessidade de trabalhadores, como era o caso nos anos 70".

Uma vez que deixaram Portugal, os portugueses "têm dificuldade em voltar", considera Rogério Oliveira. E não é apenas por falta de alternativas em Portugal. É, muitas vezes, pelo medo de assumir que a experiência de emigração não correu bem. Em certos casos, é "pela vergonha do contraste com épocas de vacas mais gordas, quando se voltava nas férias ostentando, podendo ou não, carro de luxo e carteira recheada". O resultado dessas atitudes é que "há quem continue a deixar Portugal com expectativas irrealistas, porque os portugueses gostam de se armar, em vez de dizer a verdade".

"As autoridades em Portugal, por seu lado, não parecem conseguir clarificar a situação e evitar que os portugueses venham ao engano, pensando que a situação está melhor do que está. Efectivamente, não vai haver trabalho para todos; e a primeira necessidade para a integração é obter um emprego...", lamenta Rogério.

A comunidade portuguesa há muito que sente dificuldades em promover a integração e o apoio aos que já cá estão, "mesmo se se foram formando muitas associações, nunca se conseguiu criar um centro social, para um primeiro acolhimento e para apoio dos mais desafortunados".

No início da década de 1990, um empresário português do ramo da distribuição "chegou a alugar um espaço na rue de Hollerich, na capital, pensando-se que ali se poderiam acolher o Instituto Camões, uma livraria, uma creche, um restaurante, um conjunto de serviços de e para portugueses" mas o projecto acabou por não se concretizar. Mesmo a Embaixada, "para um número tão grande de portugueses, tem apenas um funcionário a trabalhar na área social...longe vão os tempos em que os portugueses organizavam festas no edifício Pôle Nord", ponto de encontro dos habitantes da capital luxemburguesa, na avenue Marie Thérèse, durante mais de um século; demolido há cinco anos, é hoje local da sede de um banco internacional.

As primeiras ideias sobre como coordenar o associativismo português no Luxemburgo nasceram do reconhecimento daquela proliferação de grupos. "Não havia semana que não nascesse mais um clube de futebol e, com cada qual a criar a sua capelinha, tudo se complica... todos começam a pintar o moliceiro mas ninguém o acaba", diz Rogério. Nestas condições, "mesmo os portugueses de gravata, que falam com os ministros, não os conseguem convencer a apoiar as associações portuguesas em pé de igualdade com as restantes", opina Rogério.

"O ano de 2010 pode trazer novidades nesta área porque está em preparação uma nova lei que obrigará as associações sem fins lucrativos a ter contabilidade mais organizada e transparente", avisa (ler artigo na pág. 7 desta edição). O que vai afectar muitos pequenos grupos portugueses que se registaram como asbl (association sans but lucratif, associação sem fins lucrativos) - e por isso pagam menos impostos - mas que, "para além de gerir um café, não têm actividade associativa de relevo", alerta o dirigente.

As associações portuguesas beneficiariam se fizessem prova de maior abertura porque a integração deve ser "uma actividade com dois sentidos". E Rogério dá o exemplo, é membro activo e conhecido da sua comunidade, participa em várias associações luxemburguesas e já foi diversas vezes candidato político local. Mas "os luxemburgueses", lamenta", raramente participam nas actividades das associações portuguesas, por mais que os convidemos".

A língua, enquanto obstáculo à integração pensa ser "uma desculpa gasta: se fosse o caso de todos falarmos a mesma língua, inventavam outro mecanismo de defesa qualquer". Os luxemburgueses "são poucos e cada vez menos e, afinal, apenas uma percentagem minoritária da população activa fala luxemburguês: dois terços são francófonos!". Realisticamente, o luxemburguês "não é a língua necessária para integrar o mercado de trabalho [excepção feita à Função Pública]: alguém se lembraria de exigir a um funcionáriao bancário que fale luxemburguês?", lança. Como os portugueses não têm, muitas vezes, as mesmas qualificações que os quadros bancários, "têm de se submeter ao que lhes dão; e, mesmo assim, o dinheiro nem sempre chega ao fim do mês". Restam os biscates: "o trabalho a negro é como a mais antiga profissão do mundo". Alterar este quadro terá que passar pela educação, diz Rogério, pelo que importa continuar a alertar os pais "que, lá porque têm muito trabalho ou por outras razões, deviam apoiar mais os filhos nos estudos". Com maiores ou menores dificuldades, os portugueses conseguem aprender (em) alemão na Alemanha, (em) francês na França, (em) inglês nos EUA, (em) espanhol na Venezuela. Por isso, "não se justifica que não consigam ter sucesso no sistema educativo luxemburguês". O problema começa, diz Rogério, nas próprias autoridades: "Há responsáveis que acreditam que, como os emigrantes têm poucas qualificações, não se pode esperar que os filhos sejam diferentes. Como se a educação fosse uma questão de genética e não de escola!".

A realidade é que o sistema de ensino não está adaptado à demografia real ou ao mercado de trabalho do país e impõe o alemão que quase não é usado no quotidiano: "Os próprios luxemburgueses de meios menos favorecidos acabam por sair da escola a saber falar mal o francês... no final, todos se queixam", aponta. "Porque não usar o francês como primeira língua na escola? Iria melhorar o desempenho de todos, sem prejudicar o mercado de trabalho". Rogério pensa que assim se poderia melhorar a vida de todos, no país que considera a sua "segunda pátria". "Comecei do nada e foram luxemburgueses quem me ajudou quando cheguei; foi este país que me proporcionou uma vida melhor".

"Tudo é possível aos portugueses. Teoricamente.", diz Guy Reger da Amizade Portugal-Luxemburgo

Os portugueses podem hoje ter sucesso em qualquer área da vida profissional e política do Luxemburgo: "tudo lhes é possível. Teoricamente", afirma Guy Reger, presidente da Amizade Portugal-Luxemburgo (APL). Mas, acrescenta, a verdade é que "há ainda preconceitos sobre as suas capacidades, nomeadamente a de percorrer com sucesso o sistema escolar" e de provar que podem ser outra coisa "para além de trabalhador das obras ou empregada doméstica...".

Nas instalações que o arcebispado do Luxemburgo cede à Associação de Amizade Portugal-Luxemburgo (APL), Guy Reger, seu presidente e conhecedor de Portugal e dos portugueses, falou com o CONTACTO sobre integração e associativismo.

"Os portugueses podem hoje ter sucesso em qualquer área da vida profissional e política do Luxemburgo mas têm um problema de imagem e a própria APL debate-se com o ser considerada a associação de apoio aos portugueses, ao invés de uma instituição em que há igualdade, partilha e benefício mútuo entre luxemburgueses e portugueses, como o nome e estatutos querem indicar", diz Guy Reger.

A empregabilidade e educação são os maiores problemas que afectam a comunidade portuguesa: "o desemprego entre os portugueses é superior à média e há entre eles grande falta de qualificações formais", explica. Hoje, a economia luxemburguesa é "uma economia de serviços, e a oferta de empregos na camionagem ou construção reduz-se cada vez mais; para além disso, os países de Leste e da ex-Jugoslávia podem fornecer trabalhadores com maior formação de base". São sinais de alerta para os portugueses e, sobretudo, para os filhos dos portugueses, "aqueles que já deveriam há muito ter procurado mais formação", acrescenta.

O trabalho ilegal não é, tão pouco, solução. A exploração dos portugueses pelos portugueses, como acontece demasiadas vezes com os "cafés" [oferta de trabalho e alojamento em condições ilegais] é "um triste reflexo da natureza humana", que ganha livre rédea quando há clandestinidade ("o 'trabalho ao negro' deve abranger pelo menos 10 000 pessoas, entre restauração, jardinagem e agricultura"). "Os portugueses exploram os portugueses, tal como os ex-jugoslavos exploram os ex-jugoslavos; são normalmente os próprios compatriotas quem melhor conhece os membros mais frágeis da comunidade, e melhor sabem como os explorar".

No que toca à integração, nota que "a construção e defesa da nacionalidade luxemburguesa tem estado muito centrada na apologia da língua". O que se traduz, "perversamente, por uma elevação do risco de isolamento, de acantonamento dos próprios luxemburgueses". Os políticos do Grão-Ducado "têm-se mostrado mais e mais paladinos da língua, por obrigações eleitorais; mesmo se, na prática, não se vive num país com exclusividade linguística" [excepção feita do acesso aos empregos na função pública].

A administração está, aliás, raramente preparada para responder a solicitações em português e, "em certas áreas, isso poderia ser importante, como na ADEM" [administração do desemprego]. Também haverá portugueses nos serviços que optam por "esconder que sabem a língua, para evitar lidar com ou ser associados aos problemas dos seus conterrâneos...".

Neste particular, a APL vem promovendo a ideia de que "a construção da identidade nacional passa pela integração e a integração deve ser um encontro mútuo e não uma assimilação". As "duas comunidades, portugueses e luxemburgueses, têm estado demasiado imóveis... é preciso mais acção". O associativismo português no Luxemburgo deve hoje focar-se na "participação na vida cultural de todas as comunidades, sem se acantonar na portuguesa", disse. Fazer o oposto, que tem sido "a opção tradicional, é um grande risco: pode criar-se uma mascarada, um folclore, e não um verdadeiro caminho de integração". Para muitas pessoas, "especialmente da primeira geração de emigrantes, esta lógica de abertura nem sempre é bem recebida".

As associações foram criadas pelos emigrantes que foram chegando ao país a partir dos anos 60 e têm estado essencialmente direccionadas para a gestão da ligação à terra natal: "preocuparam-se com as festas populares e com a abertura de um café ou bar, consequência dos limites do seu financiamento" mas também causa do afunilar e "limitar dos seus horizontes". O associativismo ainda hoje se centra na resolução de "problemas pontuais ou em capelinhas individuais, sem ter verdadeira capacidade de intervenção profissional ou de diálogo com as contrapartes luxemburguesas e portuguesas".

Em certos casos, parecem ter surgido querelas entre associações, "como entre a CCPL (Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo) e o CASA (Centro de Apoio Associativo e Social), cuja origem e razões se perderam já no tempo". [Logo em Outubro de 1968, na primeira edição de "A Voz do Emigrante" (antecedente do Contacto), se considerou importante colocar por escrito que a finalidade do jornal "não será, logicamente, servir os interesses particulares deste ou daquele, ou a defesa desta ou daquela facção, mas simplesmente um meio posto à disposição de todos e para o bem comum"].

Os políticos também não estão isentos de responsabilidades. A participação da Embaixada em actividades cívicas e políticas do Luxemburgo, como convidada ou de sua iniciativa, "tem sido inconsistente, demasiado dependente de pessoas e circunstâncias". O governo luxemburguês tem ("correctamente") orientado o seu apoio apenas para associações ou projectos que juntem várias comunidades residentes, "o que já chocou com as orientações das autoridades portuguesas", mais reticentes em usar recursos escassos em públicos que não apenas o seu.

Os projectos futuros da APL deverão dirigir-se para a população mais idosa, "uma actual lacuna", e para o projecto da Maison des Associations. Este procurará revitalizar a cooperação entre os representantes de várias comunidades residentes no Luxemburgo (juntando as associações espanholas, cabo-verdianas e portuguesas, a APL e a CCPL), algo que "ainda não se fez com verdadeiro sucesso".

Poderá ainda dar-se o caso da APL vir a mudar de nome: "a associação quer trabalhar para a integração e para tal há que reconhecer e trabalhar com os restantes 60% de emigrantes que não são de origem portuguesa".

Depois de 17 anos na APL, é com agrado que Guy Reger constata que é hoje "o seu membro mais velho" porque "felizmente a associação conta com muitos jovens capazes de realizar projectos válidos para benefício de todas as suas comunidades".

E deixa uma provocação: porque é que o CONTACTO não volta a incluir artigos em francês, para ajudar a construir essas pontes?". Porquoi pas?


Miséria, exploração e engano ainda afectam portugueses - Coimbra de Matos da CCPL

"Enquanto, no Luxemburgo, os portugueses continuarem apenas a ser mão-de-obra não qualificada, não poderão ganhar acesso a uma cidadania plena: não serão reconhecidos, nem se reconhecerão como cidadãos de primeira categoria, e não se sentirão nem verdadeiros portugueses, nem luxemburgueses", diz José Coimbra de Matos, presidente da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo (CCPL).

"E enquanto assim for, as autoridades luxemburguesas podem continuar a argumentar que os portugueses não cuidam de si mesmos", continua Coimbra de Matos. Até porque, "por detrás dos discursos oficiais sobre integração, que soam sempre bem, há muitas dificuldades no dia-a-dia, seja para aceder à dupla nacionalidade, seja para obter o reconhecimento de um diploma: o Luxemburgo é especialista em pequenos entraves administrativos".

Para o líder associativo que dirige a CCPL desde 1999, uma das áreas-chave para promover a qualificação e a cidadania é a educação e seria essencial que se melhorasse o sistema educativo, sobretudo a separação entre os liceus clássico e técnico.

"Aos 10 ou 11 anos é pedido a uma criança que decida que carreira vai escolher. É demasiado cedo, em especial se tivermos em conta que a questão linguística prejudica necessariamente os não nativos", considera Coimbra de Matos. Muitos professores luxemburgueses ainda pensam que "para a filha de uma mulher-a-dias, ser secretária num escritório já não é mau", insurge-se.

"Mesmo entre os portugueses, essa separação social está lá, somos uma sociedade muito clivada: basta lembrar como os funcionários das instituições europeias não querem ser confundidos com os emigrantes que são pedreiros...", lamenta.

São assim vários os factores que contribuem para que se reproduzam modelos, papéis e hierarquia sociais, impedindo a mobilidade social, desde a atitude dos professores até às conversas da família ao jantar: "Há pais, mesmo que uma minoria, que não 'empurram' suficientemente os filhos para estudar. É o que se passa em Portugal e é o que se vê aqui também".

Mas ressalva, não se pode culpar em demasia a geração que chegou ao Luxemburgo nos anos 60 e 70, afinal, "para a maioria, não foram precisos grandes estudos para melhorar significativamente a vida, comparando com o nível de partida; chegaram a chefes de equipa na construção civil, compraram casa e Mercedes, as mulheres podiam ir a Portugal nas férias e ser senhoras por um mês". O problema é que "hoje o mundo é diferente, nada disso vai funcionar para a geração dos filhos; estes não só precisam de mais educação como terão ainda de lutar contra a ideia tão generalizada de que os portugueses só são bons para assentar tijolo". "Felizmente, nada disto está escrito para sempre, nos genes ou no fado: tudo se pode mudar", nota em tom positivo.

Há dez anos que a CCPL procura obter junto do Ministério do Trabalho luxemburguês um acordo para que se avance com acções de formação profissional em português ou, pelo menos em francês, como "primeiro passo para atrair esta massa de trabalhadores desqualificados para a aprendizagem ao longo da vida: antes de começar a correr, é preciso aprender a andar", explica. Até porque, à medida que se forem agravando "os efeitos desta crise ou de uma qualquer outra no futuro, esses trabalhadores, depois de 20 ou 30 anos de trabalho, não vão ter outra solução que não seja entrar nos esquemas de apoio social. E, então, será para não mais sair".

É verdade que "hoje já não vemos a cama dos três turnos mas, à parte isso, a miséria, a exploração e o engano continuam: ver alguém em dificuldades, mais frágil, desperta infelizmente o pior de algumas pessoas". Nos cafés de portugueses, por exemplo, "uma morada, um endereço para burocracias, pode custar 250 euros por mês".

Quanto às associações portuguesas "nascidas do futebol e dos jogos da sueca", têm-se mantido muito desunidas. O associativismo, "quando é bem feito, é uma escola de democracia e de transparência; mas também há quem só pense em eternizar-se nos cargos", considera. O futuro deveria passar pelo estabelecimento de uma "estrutura comum, profissional, capaz de avançar com projectos de fundo que apoiem a construção da cidadania. Isto pode acontecer em torno da CCPL ou de qualquer outra organização. O importante é que funcione".

Artur Novais

Fotos: M. Dias/G. Jallay

 

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