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Geração P: os novos talentos portugueses em Londres
2009-12-23
Durante o século XX, diferentes factores atraíram imigrantes portugueses ao Reino Unido: uns vieram procurando trabalho, outros para fugir da ditadura fascista de António Salazar. Mas com a chegada dos novos tempos, hoje Londres é o lar de uma nova geração de portugueses, que vieram não buscando dinheiro ou refúgio, mas para trabalhar com diversas manifestações de arte em uma das cidades mais culturalmente vibrantes do mundo.

Texto: Ana Naomi

Daqueles que entrevistamos, um veio para cá sem falar uma palavra de inglês e começou a vida em Londres abastecendo prateleiras em um supermercado; uma veio por amor; outro já esqueceu quase completamente como falar português, e a maioria diz não se identificar com a antiga comunidade portuguesa em Londres. Este mês, a Jungle confere o que trouxe esta nova geração de portugueses a Londres, por que eles ainda estão aqui, e como eles lidam com as saudades de casa.

Nuno Silva

Dançarino, coreógrafo e cantor de fado
Estrelando o espetáculo de dança God's Garden em fevereiro - veja danceast.co.uk 


Eu vim para Londres para fazer o curso de Performing Arts no London Studio Centre. Depois de três anos entrei na Companhia de Dança Contemporânea do Henri Oguike. Foi ótimo; viajamos o mundo inteiro. Eu adoro viajar, conhecer lugares novos. Depois de sete anos eu resolvi sair da companhia para ter mais tempo de fazer outras coisas - isso foi há dois anos atrás. 

Também sou cantor de fado, comecei a cantar aqui em Londres. Quando eu vim para cá como o típico imigrante, eu vim com um cachecol do Benfica, um álbum-duplo da Amalia Rodrigues [uma cantora de fado famosa], e muita saudade. Então, eu chegava em casa após as aulas e dormia com o meu walkman ouvindo o som da Amalia. 

Mas não tinha tempo para cantar fado. Agora, passo bastante tempo pesquisando fado e descobrindo coisas sozinho. Nunca houve cantores de fado que também dançassem - mas agora há: eu! Escolho os fados que gosto de ouvir e que me sinto bem cantando. Me agrada cantar os fados mais alegres e rápidos, mas também gosto muito dos tristes, eles tem uma beleza peculiar. 

Já morei em todos as partes de Londres, mas acabei por Brixton, onde está a comunidade portuguesa. Vou muito ao café Sintra, sempre que o Benfica joga. É engraçado, no início os caras estranhavam: "Você não bebe café? Não toma cerveja?" Mas quando descobrem que sou bailarino e cantor eles aceitam. 

Eu amo Londres - amo a vida que tenho aqui: as galerias, os parques, a cultura disponível. Há tudo aqui. Criei um nicho aqui. Para tudo o que eu quero fazer tenho que estar em Londres - por agora. 
Sinto-me bem aqui; e me sinto bem também em Lisboa, com as casas de fado e a comida. A qualidade de vida em Portugal é invejável, mas aqui tenho teatros, shows e estúdios. São dois estilos de vida completamente diferentes. 

Ana Vicente - Artist & Teacher
anavicente.co.uk 


Eu vim para cá há 10 anos, pois meu namorado estava aqui. Sou artista plástica, professora e faço encadernação artesenal. No momento, estou com uma exposição na Biblioteca Nacional de Lisboa. Já fiz várias exposições no Reino Unido, no ICA e na Conway Hall por exemplo, e em Nova Iorque e Europa. 
Eu gosto da ideia de trabalhar sem fronteiras. Uma pessoa vive aqui mas pode trabalhar em todos os lugares - em Lisboa, por exemplo. Hoje em dia, é mais fácil cruzar as fronteiras para trabalhar com galerias e colaborar com outros artistas, independetemente de onde a pessoa vive. 

Daniel Cerejo - Musician
peyoti.com


Saí de casa, no Alantejo, com 15 anos, quando fui estudar numa escola de música em Evora. Nesta época só se estudava música clássica em Portugal. Então um curso de jazz abriu no Porto. Então pensei: se vou ter que me mudar para viver e trabalhar, é melhor me mudar logo para Londres. No dia 6 de setembro de 2004 meu irmão e eu colocamos tudo que tínhamos no carro e dirigimos para a Inglaterra. Lembro-me de pegar a balsa de Calais para Dover, são lembranças que terei para o resto da vida. 

Quando cheguei praticamente não falava inglês. Não estava preparado: eu e meu irmão começamos a trabalhar reabastecendo prateleiras no Safeways, além de tocar em um restaurante português e em estações do metrô. Trabalhei com um grupo chamado Yorubeat. Eu era o diretor musical e desenvolvi os arranjos para o naipe de metais. Nós tocamos no Royal Festival Hall, Jazz Café e outros locais grandes. Foi ótimo, mas não era o que eu queria de verdade. 

Um dia fui a uma festa e conheci um músico espanhol chamado Nordin. Começamos a trabalhar juntos e através dele eu conheci o Pietro do Peyoti for President, que me convidou para ensaiar com ele. A banda toda amou a fusão e o que eu trouxe para o grupo. E depois de algum tempo eu deixei de seu o "cara novo". 

Quando vim para Lodres, o plano era ficar para sempre, mas agora penso que esta não é uma cidade para se ficar por muito tempo. Acho que cabe a nós da nova geração - as pessoas que deixaram Portugal - voltar e levar de volta as novas experiências. Ai está a minha nostalgia, na ideia de voltar ao meu pais depois desses anos para tocar com o meu projeto.

Uma das coisas que gostaria de fazer é organizar um evento com tudo aquilo do meu país que não existe aqui. Mas não quero levantar bandeiras, somos todos cidadãos do mundo. Às vezes me sinto estranho por o meu país não ser representado bem como os outros. Temos tantas coisas boas! A maioria das pessoas não sabe onde Portugal fica no mapa, eles nunca experimentaram comida portuguesa, não sabem que temos bons vinhos e não conhecem o som da nossa música. 

Vhils - Street Artist
alexandrefarto.com 


Vim para Londres há três anos, para estudar artes plásticas na escola Central Saint Martins, terminei o curso este ano, em agosto. Tenho 22 anos e já trabalho com artes há bastante tempo. Comecei fazendo graffiti com amigos, em Lisboa - só pintando as paredes, sem motivos. Mas depois que todos pararam de fazer isso, comecei a perceber que as pessoas gostavam do que eu fazia e passei a me dedicar à arte. 

Em Lisboa, há muita publicidade ilegal, as pessoas vão colando pôsters um em cima do outro e, como ninguém limpa, eles ficam até o fim do ano. Para não ser apanhada, pintava os pôsters de branco e depois brincava com camadas de cores. Depois comecei a experimentar com diferentes materiais e técnicas. Percebi que aquilo tinha um conceito envolvido; ninguém pensava em prestar atenção no que estava atrás do muro, é quase como a arqueologia - você trabalha com camadas de tempo na cidade. 
Há sempre rostos no meu trabalho; eles servem para humanizar os locais onde trabalho, para dar uma cara à cidade. A ideia é que eles sejam pessoas normais, pessoas que vivem na cidade como quaisquer outras. 

To trabalhando em duas obras em Londres. Às vezes tenho problemas porque faço bastante barulho quando trabalho! Mas costumo só colocar um casaco fluorescente e as pessoas acham que sou um funcionário fazendo obras! Penso em ficar em Londres nos próximos anos, mas eu gostaria de ir a outros lugares também. Faço bastante trabalho social em Portugal, dou workshops lá, e viajo bastante em geral. 

Gosto de Londres, porque é possível conhecer pessoas de todo o mundo. Tenho muitos amigos portugueses aqui, mas acho mesmo que Londres tem isso - pequenas comunidades com pessoas do mundo todo. Às vezes vou a cafés portugueses, mas eu vivo em Brixton [um bairro com muitos portugueses]. Londres é uma cidade que não é polida, não é toda arrumadinha... Não é como Miami ou outras em que tudo é baseado em linhas retas, certinhas. Londres é o que é e não tem problema com isso. 

Rui Faria - Fashion editor
volt-mag.com 


Quando tinha 15 anos fui para Nova Iorque visitar um parente e decidi ficar lá e terminar o ensino médio Por conta própria, decidi não falar português por bastante tempo para aprender inglês. Acho que este é meu único arrependimento: perder meu português. 

Um dia, fui assistir a um filme chamado Os Olhos de Laura Mars. Em uma parte apareciam fotografias incríveis e eu pensei "meu Deus, isso é tão lindo. é isso que quero fazer". Foi assim que me tornei um fotógrafo, por acidente. Quando eu pego uma revista de moda não me interessa o que uma celebridade comeu no jantar: eu quero saber sobre moda, o que considero importante. Então decidi desenvolver algo sem toda essa porcaria, só incorporando lindas imagens e criei a revista Volt. 

Eu amo Portugal, amo a comida, amo as pessoas -mas não acho que poderia viver lá. Me deixaria maluco! Lá ainda é muito comum esta cultura de deixar tudo para amanhã. De vez em quando tenho desejo de comer bacalhau, aí é hora de ir a Stockwell! Há uma loja chamada Sintra, onde compro pastéis de bacalhau, jornais e azeite. Londres é o melhor lugar para mim, considerando o que faço. Eu definitivamente me sinto mais europeu do que americano. 

Miguel Santos - Musical Curator
redorange.org.uk


Vim para Londres há 13 anos para fazer um mestrado em gerenciamento de artes. Eu costumava organizar o Festival de Música Portuguesa em Londres, o Atlantic Waves, e agora eu organizo o Festival Internacional de Música Experimental (LIFEM). Tenho minha própria empresa, a Red Orange, e também dois programas de rádio semanais na Resonance FM, onde toco música ambiental e world music.

Vou bastante a Portugal porque trabalho com vários artistas portugueses. Acho que Portugal tem muito a oferecer em termos de música e artes em geral. Não vou muito a lugares portugueses em Londres - me considero mais parte de uma comunidade internacional. 

É claro, há coisas que não gosto em Londres, como o clima! Mas Londres tem várias coisas boas; como dizem, se você está cansado de Londres, está cansado da vida! 

Nuno Santos - Dance photographer
nunosantos.co.uk


Eu vim para Londres há quatro anos e meio por causa do meu trabalho em uma agência de publicidade - eu cuido do lado comercial das coisas na Europa.Eu comecei com a fotografia faz muito tempo, quando eu tinha mais ou menos 16 anos. Eu consegui juntar dinheiro para comprar uma Nikon F601 e, desde então, virou uma paixão. Eu fiz muitos cursos e tive alguns trabalhos publicados, mas quando comecei a minha carreira em Lisboa, parei de tirar fotos e não retomei até vir para Londres. Quando eu me mudei para cá, pensei ‘cidade nova, vida nova' e decidi dedicar mais tempo à fotografia de novo.A partir daí, isso passou a ser uma parte imensa de minha vida pessoal e profissional.

Meu interesse pela dança começou mais ou menos na mesma época que o interesse pela fotografia, quando eu era adolescente. Eu fiz dança na escola e tinha muitos amigos que eram dançarinos. Ainda que eu não tenha seguido com a dança, fisicamente falando, ela sempre me fascinou. É difícil explicar - há algo extraordinário em traduzir uma ideia ou uma mensagem para um movimento. É uma inguagem ainda mais universal que a música. A chave para fotografar a dança é capturar este movimento e isolá-lo.

O meu pub local é o ‘Kick Bar' em Exmouth Market (cujo dono é português) e de vez em quando eu vou ao ‘Sintra' em Brixton para assistir futebol e comer comida portuguesa. Mas eu realmente sinto falta do mar. Me dói, assim que eu chego em Lisboa - o cheiro do sal no ar. 


Jungle, aqui.

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