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Embaixador de Portugal no Luxemburgo:"A comunidade portuguesa tem de ser mais ambiciosa"
2009-11-25
A criação de uma escola portuguesa no Luxemburgo assustou as autoridades luxemburguesas e o projecto do Grupo Lusófona ficou em águas de bacalhau. Quem o diz é o embaixador de Portugal no Grão-Ducado. Um ano depois de chegar ao Luxemburgo, José Pessanha Viegas tem outros problemas entre mãos. A crise deixou 10 % dos portugueses no desemprego, que representam 32% do total de desempregados no país, e há muitos em situação precária. A baixa qualificação dos portugueses é outra das dores de cabeça do diplomata, para quem a comunidade portuguesa tem de ser "mais ambiciosa".

CONTACTO: Um ano depois de ter chegado ao Luxemburgo, que retrato faz da comunidade portuguesa?

Embaixador de Portugal no Luxemburgo: O retrato é positivo, com algumas nuances. É uma comunidade que tem duas vagas sucessivas, uma nos anos sessenta, outra mais recente. Curiosamente, é a vaga mais antiga que me dá mais preocupações. Estive hoje [N.d.R: a entrevista ao CONTACTO foi na quinta-feira da semana passada] com o ministro do Emprego e da Imigração, Nicolas Schmit, e fiquei a saber que 32 por cento do total de desempregados são portugueses, o que representa 10 % da população activa portuguesa. São pessoas que ainda não têm idade para a reforma e que estão em situação precária. São empregados pouco qualificados, e a crise no sector da construção afectou-os particularmente. O problema é que não dominam o francês escrito e nem sequer passam nos testes de admissão para poderem receber formação. A comunidade portuguesa funciona ainda muito em circuito fechado, e o Português é a língua utilizada no trabalho e na família. Uma possibilidade que discuti com o ministro Nicolas Schmit seria fazer testes orais de admissão. A outra é dar formação em português, com a colaboração do instituto de formação profissional equivalente em Portugal.

CONTACTO: É um projecto que foi proposto pelo sindicato OGB-L há mais de um ano. O que é que falta para pôr esta ideia em prática?

Embaixador: O ministro do Emprego mostrou uma grande abertura para esta possibilidade. Há que desenvolver os contactos com o IEFP (Instituto de Emprego e de Formação Profissional). Mas deixe-me dizer-lhe, ainda sobre a comunidade portuguesa, que é uma comunidade muito trabalhadora e muito integrada, por quem tenho muito apreço, mas que ainda tem alguns problemas de integração, sobretudo no ensino, por causa da barreira da língua.

CONTACTO: Apesar de o Ministério da Educação luxemburguês defender o ensino integrado da língua materna, continua a haver problemas para organizar os cursos de Português. Em Medernach, onde os cursos integrados foram suprimidos arbitrariamente há alguns anos e substituídos por aulas de Alemão, ainda este ano a escola propôs que as aulas de Português fossem dadas na cantina. Não há aqui um abismo entre o discurso oficial e a prática?

Embaixador: Julgo que não há nenhuma má intenção por parte do Ministério da Educação. Como sabe, as autarquias gozam de grande autonomia no ensino primário em relação ao Ministério da Educação. Penso que há um problema de coordenação entre a administração central e a local. São situações que herdámos e que temos de resolver. Posso garantir-lhe que é uma situação que vamos discutir com a ministra da Educação, com quem temos uma reunião dia 7 de Dezembro.


ESCOLA PORTUGUESA "ASSUSTOU" AUTORIDADES

CONTACTO: Em que fase está a criação de uma escola portuguesa no Luxemburgo? Foi uma proposta do Grupo Lusófona feita há mais de um ano que nunca mais teve resposta.

Embaixador: Foi um dos temas abordados [com a ministra da Educação]. Disse-me que não tinham acolhido essa iniciativa com bons olhos. O próprio Grão-Duque falou-me nisso quando fui apresentar credenciais, há um ano. Veja que este assunto chegou ao mais alto nível. Eu penso que [o projecto não foi bem recebido] devido à própria dimensão da comunidade portuguesa e do esforço de integração desta comunidade no ensino oficial, e dou-lhes razão: a via para a integração da comunidade portuguesa passa pela língua, sem perder as suas raízes ou a sua cultura.

CONTACTO: Mas não há aí desde logo discriminação em relação a outras escolas privadas em língua estrangeira que já existem no Luxemburgo?

Embaixador: Há o Liceu Francês e a Escola Internacional, mas não se esqueça que o Francês é uma das línguas oficiais do país.

CONTACTO: Mas há também uma escola holandesa e até já houve um colégio japonês, ambos subsidiados pelo Estado luxemburguês. A lei prevê a criação e o apoio de escolas internacionais privadas, não é ilegal recusar uma escola portuguesa?

Embaixador: Penso que não houve abertura oficial das autoridades, porque a resposta foi negativa e porque se assustaram com a dimensão da comunidade portuguesa. É um problema de que nunca mais se voltou a falar. O próprio secretário de Estado das Comunidades Portuguesas não voltou a abordar o assunto, e estou em crer que a própria Lusófona desistiu da ideia - pelo menos nunca mais abordaram essa questão.

CONTACTO: O CONTACTO soube esta semana que o Ministério da Educação luxemburguês recusa dar equivalência aos estudos secundários efectuados em Portugal. O que é que a Embaixada de Portugal está a fazer para resolver este assunto?

Embaixador: Não é só no ensino secundário, há também problemas de reconhecimento de equivalências no ensino superior. É uma das questões que vai ser discutida com a ministra da Educação luxemburguesa no dia 7 de Dezembro. Posso admitir que haja diferenças entre os sistemas de ensino dos dois países, mas não percebo que haja dificuldades de equivalência. Mas devo dizer que o relacionamento com a ministra da Educação é muito bom. Estou em crer que há aí um problema de interpretação de documentos que temos de ver se esclarecemos.


"O LUXEMBURGO FUNCIONA BEM DEMAIS"

CONTACTO: Portugal e o Luxemburgo dizem sempre ter óptimas relações, juram amor eterno, mas depois há barreiras enormes à integração dos imigrantes portugueses.

Embaixador: Amor há, não é é eterno [risos]. O problema no Luxemburgo é que é um país que funciona muito bem, funciona até bem demais. Há muitas regras: o Luxemburgo tem uma organização impecável, é extremamente bem organizado, mas talvez essas regras sejam excessivamente rígidas, e essa rigidez pode dificultar a resolução dos problemas. Mas a nível superior encontrei a maior abertura por parte dos responsáveis e dos ministros. Sobre o problema do desemprego dos portugueses, já falei com o ministro das Finanças, Luc Frieden, com o ministro Claude Wiseler, ministro do Ordenamento do Território - que é casado com Isabel Wiseler, de origem portuguesa -, e hoje com o ministro do Emprego, Nicolas Schmit, e encontrei sempre a maior abertura. Evidentemente que é um país com uma mentalidade diferente, porque há regras e elas têm de ser respeitadas. Mas a comunidade portuguesa também tem de se ajudar a si própria. Não é normal que uma comunidade que representa sensivelmente 16 % da população tenha tão poucos quadros, tão poucos médicos e tão poucos políticos: só há um deputado luso-descendente, o Félix Braz. A comunidade portuguesa tem de ser mais ambiciosa, mas é um passo que só pode ser dado pela segunda geração, que já fala as línguas do país.

CONTACTO: Um ano depois de ter chegado ao Luxemburgo, uma das críticas que lhe fazem é a falta de visibilidade. Não o vemos.

Embaixador: Acho que as pessoas fazem confusão com as funções de um embaixador. Que me perdoem se não vou aos bailaricos, mas a função do embaixador é zelar pelos interesses da comunidade junto das autoridades, e representar as autoridades portuguesas no Luxemburgo. Posso assegurar-lhe que estou a trabalhar.

CONTACTO: Os imigrantes portugueses sentem-se o parente pobre em Portugal e no estrangeiro: há vários problemas que nunca chegam a ser resolvidos.

Embaixador: As várias comunidades têm sempre a ideia de que são um parente pobre. Já em Toronto, onde fui cônsul, e onde há uma comunidade portuguesa muito maior, queixavam-se do mesmo. Mas posso garantir-lhe que as autoridades portuguesas acompanham os problemas da comunidade portuguesa no Luxemburgo e que Lisboa está ao corrente de tudo o que se passa. A comunidade portuguesa no Luxemburgo é uma das comunidades de eleição do secretário de Estado das Comunidades. No 10 de Junho, na impossibilidade de vir cá o secretário de Estado do Comércio, o secretário de Estado das Comunidades decidiu vir ele próprio pelo apreço que tem pela comunidade. E considero até que a comunidade portuguesa no Luxemburgo está beneficiada: tem um Serviço de Ensino, um Centro Cultural, uma Embaixada, um Consulado.

CONTACTO: Que está sem cônsul desde Agosto e que tem problemas de pessoal.

Embaixador: O novo cônsul chega na sexta-feira e está a decorrer um concurso para recrutamento de pessoal. O Consulado Geral foi muito bem montado pela Dra. Cristina Almeida, mas não é fácil atender 200 pessoas por dia.

NOVAS INSTALAÇÕES DO INSTITUTO CAMÕES À ESPERA DE DINHEIRO

CONTACTO: Uma das críticas feitas ao Instituto Camões é a falta de visibilidade. Há um ano, foi anunciado que o Estado português pensava arrendar o espaço no rés-do-chão do prédio onde está. O contrato já foi assinado?

Embaixador: O problema são as dificuldades financeiras e orçamentais. O ministro dos Negócios Estrangeiros está muito interessado nisso, mas estamos dependentes do orçamento do próprio Instituto Camões, e como sabe, Portugal debate-se com alguns problemas orçamentais. Mas de acordo com as intenções do Ministério dos Negócios Estrangeiros, queremos reforçar a presença cultural de Portugal no Luxemburgo, e dar também um salto qualitativo no sentido de se fazerem menos iniciativas mas com mais impacto, mais visibilidade. Já tenho luz verde para organizar um festival de cinema português, em princípio em Março do próximo ano, no cinema Utopia. Já há festivais de cinema espanhol, italiano, não percebo porque é que nunca se fez um festival português.

CONTACTO: Disse na segunda-feira passada, durante uma visita à associação Amizade Portugal-Luxemburgo, que a comunidade portuguesa está numa encruzilhada. O que é que falta para conseguir a integração plena desta comunidade?

Embaixador: Falta formação escolar, ousadia e ambição. Os portugueses que cá estão têm de acreditar neles próprios, acreditar que podem ocupar mais cargos importantes, tanto profissionais como políticos. E isso passa por uma maior integração, sem perder as raízes. Uma forma de o alcançar é a dupla nacionalidade. É de todo o interesse dos portugueses adquirirem a dupla nacionalidade, porque lhes dá acesso desde logo à Função Pública.

Paula Telo Alves

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