Interview held in Lisbon, on July 1st, 2013, by Filipa Pinho.
Also available as PDF in the series OEm Conversations With.
Observatório da Emigração (OEm) - Eu sei, porque fomos colegas a tempo inteiro e agora somos a tempo parcial, mas para quem não sabe, como é que surgiu o teu interesse por trabalhar sobre emigração portuguesa?
Cláudia Pereira (CP) - Eu formei-me em antropologia no ISCTE-IUL, posteriormente participei em projectos de investigação numa área completamente diferente, o hinduísmo e o cristianismo em Goa. O doutoramento também foi nessa área, orientado pela Rosa Perez. Perto do final do doutoramento, houve a possibilidadede fazer parte do projecto do Observatório da Emigração. As migrações sempre foram uma área com interesse para mim, mas nunca tinha trabalhado nela. Na altura era precisa uma pessoa de antropologia para a equipa, além de um(a) sociólogo(a) e um(a) economista. O que mais gostei foi de ter acesso à informação sobre a emigração portuguesa em diversos países do mundo, e de poder contribuir para que o sítio electrónico, disponível para toda a gente, seja actualizado com regularidade.
OEm - Quando é que começaste a sentir interesse pelas migrações?
CP - Logo desde o terceiro ano da licenciatura. Até concebi, em 2000, com um colega meu, um projecto sobre os kosovares em Lisboa, que estava a pensar seguir. Mas também gostava muito da Índia e, então, fui trabalhar num projecto em Goa, e o outro ficou de lado.
OEm - Encontras alguma explicação para esse interesse?
CP - Nessa altura, estavam a entrar imigrantes em Portugal, com os europeus de Leste a terem muita visibilidade, e sempre tive muita curiosidade de perceber como é que pessoas de nacionalidades diferentes coabitam no mesmo espaço. Na zona onde vivo tenho pessoas do Bangladesh a viver ao meu lado, com práticas muito diferentes, e outras semelhantes, e tenho curiosidade em saber porque é que vieram para cá, de perceber como vivem, como é que exprimem a sua religião ou não, o que comem, o que falam, o que fazem, etc.
OEm - Então não tem que ver com a tua história pessoal e de tu própria teres nascido num país diferente, embora portuguesa e filha de pais portugueses? Pergunto isto, porque quase todos os investigadores que entrevistámos ao longo destes anos, referiram influências pessoais deste tipo.
CP - Não tinha noção disso, mas se calhar também terá. Os meus pais foram emigrantes na Alemanha, eu nasci lá e vim para cá com cinco anos. Tenho familiares na Alemanha, na Suíça, no Canadá, em Moçambique... Se calhar isso está por detrás deste gosto e eu própria não tinha muita consciência disso.
OEm - Estiveste no Observatório três anos e agora estou a entrevistar-te no espaço normalmente atribuído aos investigadores da emigração portuguesa para um determinado destino. Queres explicar porquê?
CP - Eu defendi o doutoramento no fim do primeiro ano de estar a trabalhar no Observatório e, perto do final do terceiro ano, também porque houve alguma alteração no financiamento do projecto, decidi concorrer a uma bolsa de pós-doutoramento, com o apoio e a experiência do projecto do Observatório da Emigração (e podendo contribuir para ele). Comecei por pensar nos países para onde os portugueses mais estavam a emigrar, na altura era essencialmente para Angola e Reino Unido, e decidi-me por fazer um projecto sobre os portugueses que estavam a emigrar para o Reino Unido, para perceber como estavam a ser os seus percursos, a partir da saída, e dos que já lá estavam. Fiz o projecto, supervisionado pelo coordenador científico do Observatório, depois tive a bolsa, e comecei o trabalho em 2012. No primeiro ano fiz pesquisa bibliográfica, depois comecei a entrevistar portugueses que ainda estavam em Portugal a organizar a ida, para perceber as suas motivações, expectativas, áreas de trabalho... Há uma grande actividade em grupos de Facebook e blogues, e comecei a acompanhar essa actividade, que facilita a mobilidade deles antes de irem para o Reino Unido, e também ajuda a sua integração. Esta é uma diferença em relação à migração anterior, em que as redes facilitavam a ida, mas já não eram necessárias quando já lá estavam. Comecei, através das minhas redes pessoais, a entrevistar os portugueses que estavam a ir para o Reino Unido. Havia muito mais do que eu tinha imaginado, e depois pedi a editores de blogues para divulgarem o projecto, para que assim eu pudesse ter contacto com potenciais entrevistados, tanto que ainda cá estivessem, como os que já lá estavam. E foi deste modo que comecei a entrevistar as pessoas. Depois estive durante cinco meses em Londres a fazer trabalho de campo, onde acompanhei os portugueses que tinha entrevistado antes de saírem de Portugal e outros já emigrados, procurando abranger as diferentes áreas profissionais representadas. A seguir saliento dois aspectos do meu projecto.
1. Escolhi Londres porque metade dos portugueses emigrados no Reino Unido é aí que vivem. Também entrevistei portugueses fora de Londres, como em Manchester, em Crawley - onde vivem muitos que trabalham no aeroporto de Gatwick - para fazer uma comparação, para ter uma visão um pouco mais abrangente.
2. Foquei-me na migração qualificada, porque a maior parte das pessoas que me contactaram eram qualificadas. Depois, percebi também que não havia pesquisas sobre os emigrados portugueses qualificados no Reino Unido.
Em 2002 e 2003, Portugal foi um dos 10 principais países de origem da imigração no Reino Unido. Em 2004, com a abertura da União Europeia à Europa de Leste, começaram a ir polacos, que foram ocupar postos de trabalho onde os portugueses tinham, até então, uma representação forte (cujas características já foram estudadas por José Carlos Almeida, na parte norte de Inglaterra e em Thetford, na indústria de processamento de carnes. Logo a seguir à crise do subprime, com a recessão começada em 2008, a emigração portuguesa decresceu ligeiramente, mas para o Reino Unido essa descida não se notou. Em Londres há mercado de trabalho para os qualificados. Então, comparei os padrões dos migrantes qualificados que foram depois de 2007-2008, com os que tinham ido nos anos 1990. Os migrantes dos anos 1990 foram, na sua maioria, para zonas rurais, para a agricultura e para a indústria de processamento de carnes. Mas também houve profissionais qualificados a emigrar, apesar de um predomínio de migração laboral. Por isso, entrevistei migrantes residentes em Londres desde antes dos anos 2000, para comparar os seus percursos, motivações e processo de integração com os que foram já no contexto de crise. Nos resultados encontrei muitas semelhanças. Uma diferença é que antes de 2000 eles encontravam facilmente trabalho para a sua profissão, e agora é mais difícil. Há três áreas profissionais em que os emigrantes encontram trabalho logo no primeiro mês, ou já vão contratados, no que respeita à mais recente emigração: enfermeiros, profissionais para a área financeira e para as tecnologias da informação. Os enfermeiros já emigram recrutados, através de agências de recrutamento de enfermeiros no Reino Unido, ou de uma portuguesa, no Norte, a Reach Health Recruitment. Neste momento há uma diminuição da oferta de trabalho para enfermeiros em Portugal. Na área financeira, os economistas, gestores, analistas de fundos financeiros, entre outros, normalmente encontram emprego no primeiro mês, mesmo que não seja nas suas sub-áreas específicas. Na engenharia informática e em tecnologias da informação, os migrantes normalmente encontram trabalho logo no primeiro mês.
OEm - Os enfermeiros geralmente já vão recrutados, os outros ainda vão à procura...
CP - Em termos gerais, sim. Em todas as outras áreas profissionais, normalmente as pessoas vão para lá, começam a trabalhar em trabalhos indiferenciados, como em restaurantes, cafés, ou em museus, teatros, etc., e vão sempre tentando exercer a sua profissão (por exemplo, nas artes ou no domínio das ciências da saúde, a nutrição, entre outras). Também ficam nessas áreas indiferenciadas enquanto tentam obter as equivalências académicas, processo que normalmente demora algum tempo. Alguns conseguem entrar nas suas áreas, outros não. Gostaria também de referir algumas características de imigrantes que não foram o foco da minha pesquisa, mas que residem em Londres e que eu também entrevistei: foram nos anos 1980 ou 1990, os seus filhos já nasceram lá, têm poucas qualificações e se concentram numa área geográfica do Sul de Londres, Lambeth. A maioria destes portugueses trabalha em limpezas, na construção civil ou em restaurantes e, em termos gerais, tem pouca mobilidade profissional. Concentram-se geograficamente nessa área, falam português no local de trabalho e em casa - alguns nem sequer sabem inglês - e convivem com outras pessoas portuguesas, tendo muito pouco contacto com outras nacionalidades. Os mais qualificados são pessoas que tendem a escolher o Norte de Londres para residir, mas com mais dispersão, sendo o critério predominante estarem perto do trabalho ou estarem numa área que não seja cara e que esteja próximo de algo a que dão importância. Convivem com outras nacionalidades, além de portugueses, até porque as suas relações profissionais são com outras nacionalidades/imigrantes. Estes dois grupos que pertencem a migrações diferentes, e que, se excluirmos estas linhas gerais de caracterização, são também de composição heterogénea, têm muito pouco contacto entre si. Podem encontrar-se em restaurantes portugueses do Sul de Londres, se por exemplo há algum jogo de futebol português, mas não há grande contacto.
OEm - Será pelas diferenças de experiências migratórias e de qualificações, que também estabelecem diferenças nas partilhas dos espaços sociais...
CP - Sim, sim. As pessoas falavam-me só de um destes tipos de migração, dependendo da sua própria pertença. O que está nos seus imaginários é apenas o grupo ao qual pertencem. E em ambos há casos de sucesso ou de pouco sucesso. Por exemplo, o presidente do segundo maior banco inglês, o Lloyds, é português, a primeira cantora lírica da Europa do Sul na Royal Opera House é portuguesa, mas há também casos de portugueses pouco qualificados que foram nos anos 1980 para trabalhar no atendimento às mesas em restaurantes e agora são chefes pasteleiros e outros que passaram a ter o seu próprio restaurante.
OEm - Agora no que diz respeito ao processo de mudança mesmo, já falaste no Facebook e nas redes sociais. Mas, então, desde que eles decidem ir, até irem, como é que se realiza o processo? Porque lembro-me que fazia parte do teu projecto acompanhares pessoas aquando da sua migração... Deixando os enfermeiros agora de parte, porque os seus processos têm alguma particularidade, como é com os outros que chegam lá e estão um mês à procura de trabalho? E qual é o papel das redes sociais e dos blogues nisso?
CP - O papel dos blogues e dos grupos de Facebook é extremamente importante, tal como o das mailing lists (listas de distribuição de e-mails). Há uma mailing list que é a Faina Londrina, onde quase todos os dias ou, no mínimo, semanalmente, há pessoas a pedir informações sobre quartos para alugar, empregos, e há sempre alguém desta rede - são cerca de 500, neste momento, e vivem em Londres - que dá alguma indicação. É um grupo de pessoas que, na maioria, não se conhece entre si, que recebem e-mails de todos os listados na sua caixa de e-mail. Esta mailing list é muito popular e é consultada por pessoas que estão em Portugal e pessoas que lá estão, e que enviam pedidos. Por exemplo, pessoas que estão em Londres e querem mudar de casa, ou querem mudar de emprego, ou querem um emprego na sua profissão, enviam e-mail e há sempre alguém a responder a dar algum tipo de apoio. Os grupos de Facebook incluem os mais genéricos, como de Portugueses em Londres (há vários), e os mais específicos, por área profissional, como de assistentes sociais em Londres, assistentes sociais UK, vários de enfermeiros, entre outros. Os grupos de Facebook também servem para esclarecer dúvidas sobre o sistema britânico de segurança social, as equivalências de diplomas universitários, as agências de recrutamento orientadas para as suas áreas profissionais, etc. Depois, as pessoas vão obtendo os contactos para procurarem emprego, quando é o caso e, quando chegam lá, dirigem-se aos locais. Há quem não tenha contactos, chega a Londres e começa a entregar currículos... Há uma agência de recrutamento de um português, a Neto's Agency, onde vão alguns portugueses, mas há também outras especializadas por profissões, onde vão entregar currículos e conseguem emprego passado algum tempo. Como também há outros portugueses que, passados meses, não conseguem emprego e voltam para Portugal.
OEm - Portanto, as pessoas enviam e-mails para a Faina Londrina e outras, recebem respostas, começam a organizar a viagem. Desde que começam com intenções de ir, até irem, encontraste algum tempo standard...?
CP - Normalmente, menos de seis meses. Alguns, até três meses.
OEm - Compram a viagem, vão...
CP - Sim. Compram a viagem, vão...
OEm - Viver sozinhos...?
CP - O alojamento em Londres é muito caro e, portanto, normalmente vão viver para um quarto num apartamento. Ou conseguem ir com outros portugueses e ficam num apartamento todos juntos, ou vão para um quarto numa casa onde já há outras pessoas, de várias nacionalidades. Isto é geral, a larga maioria dos portugueses, mesmo os que têm ordenados acima da média, como os que trabalham na banca, continuam a começar assim. Depois, dependendo de onde é o local de trabalho, e do ordenado, mudam de alojamento. Isso é uma mudança relativamente à vida de cá, a adaptação a um novo padrão: alguns tinham casa cá comprada, e nunca tinham pensado fazer em Portugal o que fazem lá, como alugar uma casa e partilhá-la com outras pessoas. Em Portugal era importante a perspectiva de comprar uma casa, em Londres as casas são extremamente caras e a maioria prefere viver em casas alugadas partilhadas para passar a ter dinheiro para viajar para outros países, para quase todas as pessoas que entrevistei é muito importante viajar. A maioria viajava pouco antes de ir para Londres, os consumos alteram-se e o poder viajar e as viagens são algo que passa a fazer parte dos discursos.
OEm - Logo assim que chegam?
CP - Não logo assim que chegam, mas assim que podem, entre seis meses a um ano. E, se não for para países longínquos, pelo menos para próximos, como o País de Gales. Organizam também viagens entre portugueses que não se conhecem, através destas mailing lists e blogues. Viajar e usufruir da oferta cultural de Londres é importante para os portugueses qualificados.
OEm - Portanto, não vão com a perspectiva que se associa aos migrantes mais tradicionais, de poupar dinheiro e de enviar para pagar casas cá, por exemplo...
CP - São poucos os que vão com essa perspectiva. Primeiro vão com a perspectiva de ir ganhar mais dinheiro e ir trabalhar na sua profissão. Aliás, de todas as entrevistas que eu fiz, foram muito poucos os que me disseram que passaram a ganhar muito mais dinheiro. A maioria não considera que tenha ficado a lucrar em termos económicos.
OEm - Eram pessoas com trabalho cá...?
CP - Passaram a exercer a sua profissão e a ganhar mais dinheiro, mas também passaram a ter mais gastos. Porque a relação entre o que se ganha e o que se gasta em Londres também é diferente.
OEm - O que é que faziam cá? Eram desempregados(as)? Primeiro emprego? Um pouco de tudo?
CP - Havia de tudo, sim. Houve os que não estavam a exercer a sua profissão e tinham esse objectivo quando foram para Londres, porque sentiam que cá não conseguiam. Outros estavam a exercer a sua profissão, mas não progrediam e Londres permitiu-lhes essa mobilidade que valorizavam. Mas a parte de virem a ganhar muito mais é visível em poucos casos. Houve outros que foram à procura do primeiro emprego e também os que estavam desempregados em Portugal.
OEm - No caso dos enfermeiros, como se processam estas migrações? Sei, por notícias que nos chegam, que esta emigração é muito baseada em recrutamento...
CP - Desde que comecei nesta pesquisa, uma das coisas que eu fiz foi criar alertas no Google para todos os anúncios de recrutamento para o Reino Unido, em sites de emprego. Logo pelos anúncios de recrutamento comecei a perceber quais as áreas em que havia mais procura de profissionais, a maioria era para enfermeiros, também alguns médicos, engenharia informática, profissionais ligados à banca e às finanças.
OEm - E eram anúncios dirigidos especificamente a portugueses?
CP - Não. No caso dos enfermeiros, todas as semanas chegam anúncios a Portugal, seja através do Fórum Enfermagem – que tem uma grande actividade, onde há informações sobre como emigrar – ou de alertas, ou de pesquisa em sites de emprego. Mesmo não sendo específicos para portugueses, eles podem candidatar-se. Ou seja, as agências de recrutamento da Irlanda ou de Inglaterra e uma portuguesa, do Porto, seleccionam as candidaturas e marcam entrevistas, que são feitas presencialmente (em Portugal, ou chamando os candidatos lá) ou por Skype. Há também empresas que anunciam em diversos espaços na Internet (grupos de Facebook, sites) e vêm cá fazer recrutamento em dias agendados. Não conheci enfermeiros que tenham ido para o Reino Unido à procura de trabalho, todos eles já foram recrutados.
OEm - E conseguiste perceber porque é que há tanta procura de enfermeiros em Londres (ou Reino Unido em geral)?
CP - O meu supervisor, o Rui Pena Pires, tinha-me alertado para o facto de a definição de acto médico ser diferente no Reino Unido, por comparação com Portugal. Ou seja, o acto médico no Reino Unido é muito mais restrito, o que leva a que os enfermeiros, no Reino Unido, estejam habilitados para mais funções do que em Portugal, onde o acto médico é muito mais abrangente. Ou seja, muitas das funções que em Portugal têm de ser desempenhadas por médicos, no Reino Unido podem ser feitas por enfermeiros. Este é um dos factores que explica a procura de enfermeiros, mas há mais.
OEm - Mas é uma coisa recente, ou eles precisam sempre?
CP - Só tenho a informação de procura sobre os últimos anos, é algo que tenho de aprofundar. Uma outra questão é que o serviço nacional de saúde é uma questão política importante em Inglaterra, os governos dedicam-lhe atenção. Um terceiro factor é que enfermagem não é dos cursos mais atractivos para os ingleses, cultiva-se mais seguir cursos de "business" (gestão, banca, economia) e os de profissões muito lucrativas. Portanto, não há muita mão-de-obra inglesa nestes (e com estes) cursos. E, depois, os que têm preferem ir trabalhar para fora de Londres porque o alojamento é menos caro e porque consideram que têm mais qualidade de vida fora desta cidade para constituir família, preferindo cidades mais pequenas. E, portanto, tudo isso se conjuga para que haja uma grande oferta de trabalho para enfermeiros, e de outras origens. Também entrevistei recrutadores de hospitais (incluindo o hospital de Londres onde parece haver mais enfermeiros portugueses), para perceber a perspectiva de quem selecciona portugueses para o serviço de enfermagem
OEm - A proporção de portugueses é elevada?
CP - Nesse hospital, são a nacionalidade mais representada a seguir aos ingleses. No país, os portugueses vêm em segundo lugar, a seguir aos enfermeiros espanhóis e antes dos romenos. Este hospital e outros, tal como as agências de recrutamento, começaram a recrutar em Portugal sensivelmente em 2008/2009. O curso de enfermagem em Portugal é mais abrangente que o de Inglaterra, os estudantes aqui começam logo no primeiro ano por ter um estágio, o que lhes dá logo experiência profissional e algumas qualificações em áreas de especialização, ficando habilitados a trabalhar em mais funções. Em Inglaterra o curso é mais focado e só depois do curso se frequentam especializações. Portanto, os ingleses quando terminam os cursos ainda não têm as especializações, ao contrário do que acontece com os enfermeiros portugueses. Um estudante de enfermagem em Portugal pode estagiar em cirurgia, ou em outras áreas, quando acaba já tem experiência e prática profissional e isso é muito valorizado no Reino Unido. Logo nas entrevistas eles sabem falar sobre estas práticas e isto coloca-os à frente de outros candidatos. Outros recrutadores também me confirmaram o que os enfermeiros me tinham dito, que os portugueses são preferidos pela forma como acolhem os doentes, a afabilidade com que o fazem. Também a facilidade de adaptação à nova cultura e às diferentes exigências E isso dá um bom ambiente de trabalho e é favorável para a instituição. Alguns recrutadores dizem que alguns enfermeiros portugueses têm de melhorar o inglês, nomeadamente o vocabulário técnico de enfermagem, e isso levou a que a própria Ordem dos Enfermeiros de Portugal tenha promovido cursos que depois são divulgados no Fórum de Enfermagem, por exemplo. Portanto, essa dificuldade já está a ser corrigida. Um último factor é que o Reino Unido está a dificultar a entrada a imigrantes de países terceiros, como os filipinos, que anteriormente representavam a segunda maior nacionalidade estrangeira de enfermeiros, o que abre mais possibilidades para os enfermeiros portugueses.
OEm - De que números se trata, quando nos referimos a uma emigração de enfermeiros portugueses para o Reino Unido? Isto sabe-se? Como é que se consegue saber?
CP - Através das Ordens dos Enfermeiros em Portugal e no Reino Unido é possível ter uma ideia. Um enfermeiro que termine cá o curso, e que queira ir trabalhar para o Reino Unido, estando ou não a ser recrutado, precisa de ir à Ordem dos Enfermeiros pedir uma declaração em como preenche os critérios das directivas comunitárias que o habilitam a exercer a profissão de enfermeiro num país da União Europeia. A Ordem dos Enfermeiros em Portugal não tem, neste momento, indicadores precisos sobre os países para onde os enfermeiros estão a emigrar, porque quando estes vão lá pedir os documentos, por vezes pensam ir para um país e depois até podem mudar. Mas têm um questionário que aplicam a todos os que se lhes dirigem, perguntando para onde têm intenção de emigrar. Em 2009, cerca de 600 e tal enfermeiros foram pedir esses documentos e em 2012 foram quase 2.900.
OEm - Pois, de facto é uma subida muito grande.
CP - Isto não nos diz para que países foram e, portanto, pedi à congénere da Ordem dos Enfermeiros no Reino Unido, a Nursing and Midwifery Council, que me fornecesse as estatísticas que tem. Porque depois do pedido deste documento em Portugal, os enfermeiros têm de contactar esta entidade, pedindo que aceite o documento e que passe uma autorização, obrigatória se forem trabalhar no país, em hospitais ou lares. Ou seja, esta entidade sabe exactamente quantos são e quando chegaram. As estatísticas deles têm as variáveis do país de nacionalidade e do país de formação, sendo que esta última dá uma ideia muito precisa. Não encontrei um único enfermeiro português que tenha ido antes de 2000 e nessa altura os portugueses não eram, sequer, das 10 primeiras nacionalidades a trabalhar como enfermeiros no Reino Unido. Em 2012 entraram cerca de 800 enfermeiros portugueses para trabalhar no Reino Unido, de acordo com os dados da Nursing and Midwifery Council.
OEm - Achas que a emigração portuguesa para o Reino Unido vai continuar?
CP - Acho que sim.
OEm - A de enfermeiros em particular, ou todos os que referiste?
CP - Acho que vai continuar a de qualificados.
OEm - Continua a haver oportunidades de trabalho?
CP - Sim, continua a haver oportunidades no mercado de trabalho, mas é extremamente competitivo. Há mais postos numas áreas do que noutras. Um dos portugueses que entrevistei trabalha na banca, como analista de fundos de investimento alternativos, e o dia em que ele começou a trabalhar foi quando se deu a crise do Banco Lehman Brothers. No mês a seguir, dois departamentos muito importantes da empresa em que trabalhava tinham sido despedidos. E isso aconteceu em muitas outras empresas do sector. Mas essas pessoas também começaram logo a procurar alternativas e a economia reestruturou-se muito rapidamente. Pode não ser nas mesmas áreas, pode haver reestruturações, mas continuará a haver emigração de qualificados para o Reino Unido. Através dos blogues e dos grupos de Facebook eu continuo a assistir a contactos de emigrantes qualificados que continuam a ir para Londres e a pedir informações...
OEm - Já recrutados?
CP - A maioria não é recrutada, vão à procura.
OEm - Podem voltar, não é?
CP - Sim, podem voltar. Alguns começam logo a trabalhar em cafés, mas investem na casa, no quarto... E estão a ir, todas as semanas.
OEm - Para além da inscrição na segurança social, não é preciso mais nenhum tipo de burocracia?
CP - Não, nada, apenas a inscrição no Department for Work and Pensions, o equivalente ao cartão de cidadão (o National Insurance Number), para a qual é precisa uma morada (que pode ser a do amigo onde se fica provisoriamente). E a equivalência de diplomas, quando for o caso.
OEm - É preciso esse número para trabalhar, mas para estudar ou para uma temporada, não; tu inscreveste-te?
CP - Eu não me inscrevi. É a única situação em que as pessoas não se inscrevem: os estudantes e investigadores bolseiros.
OEm - Uma vez comentaste que havia muitos portugueses a ir sem dinheiro. E continuam a surgir notícias nesse sentido...
CP - Sim, eu já tinha lido numas notícias e foi muito diferente presenciar: falava-se de pessoas sem dinheiro para comer ou para dormir e que permaneciam sem-abrigo. Depois de lá estar, soube de alguns casos assim. Lembro-me de um caso de um português que chegou ao aeroporto, um amigo iria arranjar-lhe trabalho na construção civil e tinha um quarto para ele. Essa pessoa tinha ido para Londres com menos de 100 euros. O amigo dele que disse que tinha trabalho, afinal não tinha... Esse amigo deixou-o dormir no quarto, mas o senhorio descobriu e pediu-lhe para sair - e isso foi logo na primeira noite. A pessoa ficou só com esse dinheiro. E com os custos de transporte, alojamento e alimentação, esse dinheiro quase não dá para uma noite... Portanto, ficou sem dinheiro.
OEm - E sem dinheiro para voltar...
CP - Quem o ajudou, foi um senhor que tem ajudado muitos portugueses, que agora até recebeu a medalha de Comenda de Mérito, o conselheiro das comunidades madeirenses no Reino Unido e Ilhas do Canal, o comendador João Carlos Freitas, que foi tentar arranjar trabalho para ele, através da agência de recrutamento de um português, a Neto's. Esse trabalho demorou alguns dias a encontrar porque ele não falava inglês - os polacos vieram ocupar estes trabalhos precisamente por dominarem melhor a língua - e durante esse tempo foi o senhor que pagou o alojamento e a alimentação da pessoa em causa. Depois ele foi para o trabalho, não se adaptou, queria voltar para Portugal e trabalhou o número de dias necessários para pagar o bilhete. Isto aconteceu logo ao princípio da minha estadia, e eu depois fui sabendo de mais casos de pessoas que foram ajudadas por outras e que voltaram para Portugal. Já não existem oportunidades de trabalho para pessoas com poucas qualificações e que não falam inglês.
Cite as Pinho, Filipa (2013), "Imigrantes qualificados portugueses em Londres: entrevista a Cláudia Pereira", Observatório da Emigração, 1 de Julho de 2013. http://observatorioemigracao.pt/np4EN/4716.html