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Um modelo de “suización” da imigração portuguesa em Espanha
Lorenzo López Trigal
Lorenzo López Trigal é doutorado em Geografia pela Universidade Complutense de Madrid desde 1977. Atualmente é professor catedrático de Geografia Humana na Universidade de Leão onde coordena uma equipa de investigação. Foi um dos primeiros académicos espanhóis com produção académica sobre a imigração portuguesa em Espanha, com particular enfoque na região de Leão, onde desenvolve a sua atividade académica e de onde é natural. Os seus interesses e a sua produção científica vão desde a geografia urbana e geografia política ao ordenamento do território e planeamento regional.

 

Entrevista realizada por telefone, 25 de Fevereiro de 2010, por Filipa Pinho.

 

Observatório da Emigração (à frente OEm) - Começaríamos por lhe pedir que nos fizesse um resumo do que foi o seu percurso pessoal e académico que o levou ao estudo da imigração dos portugueses em Espanha...

Lorenzo López Trigal (à frente LLT) - O meu currículo académico começou nos anos 1970 pelo estudo das cidades, do território regional em distintas áreas de Espanha e, mais tarde, já no final dos anos 1980, o meu interesse recai especialmente no tema das migrações, particularmente nas migrações portuguesas em Espanha, começando pelas migrações em Leão. Leão porque é uma província onde resido e trabalho e onde se focaliza uma parte dos destinos migratórios da comunidade portuguesa em Espanha. É então precisamente em 1988 que começo o estudo da imigração estrangeira, neste caso portuguesa. Este percurso será acompanhado mais tarde, nos anos 1990, por equipas de investigação formadas por grupos de investigadores espanhóis e portugueses com experiência em comunidades estrangeiras de outras origens - mediterrânica, magrebina e, da minha parte, repito, exclusivamente portuguesa e também cabo-verdiana... Também cabo-verdiana porque há um outro foco de imigração em Espanha (Madrid e Leão). Posteriormente, até hoje, o meu interesse manteve-se, ainda que não da mesma forma intensiva no tempo e na temática. Agora, preocupo-me com a investigação não apenas sobre os imigrantes portugueses mas também sobre a imigração em geral, nomeadamente a abordagem dos destinos na Europa mediterrânica por parte das migrações internacionais (americana, africana, asiática, etc.). E é isto.

 

OEm - Ainda assim, mesmo tendo dito que em relação ao período mais recente não se debruça de forma tão específica sobre a imigração de portugueses [em Espanha], é possível distinguir diferentes fases dos fluxos de entrada de portugueses em Espanha? Há historicamente uma continuidade ou é possível destrinçar períodos com volume e características diversos?

LLT – Há pelo menos três fases da imigração portuguesa em Espanha, claramente. Há uma primeira fase, inicial, que decorre nos anos 1960-1970 e até meados dos anos 1980, pelo menos. No momento da grande emigração portuguesa com destino a vários países da Europa, alguns destes não vão chegar a esse destino e acabam por ficar em Espanha, por muitos motivos, sobretudo no caso da migração para as províncias limítrofes espanholas (Galiza, Castela e Leão). A segunda fase surge na sequência da integração na Europa de Portugal e Espanha, que facilitou claramente a mobilidade nos processos migratórios e, desta maneira, avançou a emigração para Espanha, podemos dizer, até final dos anos 1990. Na actualidade, creio que há uma terceira fase. Enquanto a imigração portuguesa em Espanha se consolidara e integrara muito bem até então, há mais ou menos dez anos, surge uma imigração nova, procedente do norte e centro de Portugal (como quase sempre), com destino a trabalhos operários na construção e obras públicas (estradas), de que se necessita no mercado laboral espanhol. São operários de cofragens, pedreiros... Estas pessoas têm uma residência muito volátil, muito móvel segundo a localização da oferta de trabalho, a obra. Isto é uma "suización", chamemos-lhe assim, da imigração portuguesa em Espanha. Isto é, o modelo assemelha-se ao da imigração na Suíça, quer dizer, trata-se de uma imigração praticamente temporária de ciclo curto, não estabilizada e é um movimento composto por muitos homens que têm por destino, em Espanha, trabalhos em obras, caminhos-de-ferro, estradas - grandes obras, grandes infra-estruturas. E isto mantém-se, de modo que mais de metade da população recém-chegada a Espanha, de origem portuguesa, dedica-se a estes trabalhos.

 

OEm - Utilizou o termos "suización" [para caracterizar a fase mais recente da emigração portuguesa para Espanha]...

LLT – O termo "suización" seria para estabelecer um paralelo com o modelo suíço em que (os portugueses sabem-no bem) a emigração se processa mediante um contrato a termo por uns meses, nunca um contrato indefinido. De alguma maneira, há algo de isto. Não quero dizer que seja uma tradução à letra...

 

OEm - Pode dizer-se então que a imigração portuguesa nos últimos dez anos tem paralelo com o grande surto de imigração que houve em Espanha com a expansão económica espanhola?

LLT – Sim, sim. E, por certo, a imigração portuguesa em Espanha é uma imigração económica, de trabalhadores, basicamente. Maioritariamente, tratava-se de uma imigração que veio trabalhar nas minas, nos serviços domésticos, em serviços comerciais e turísticos. Isto alterou-se um pouco com a expansão da economia nacional espanhola. Até há cerca de dois anos, o grande boom da oferta de trabalho, particularmente de trabalhos muito especializados na construção, requereu mão-de-obra muito especializada que chegou de Portugal e também de Marrocos. Neste sentido, esta é a última fase expansiva até agora, até aos últimos momentos. Posso dizer que talvez estejamos à porta de uma quarta fase, a seguir à crise económica.

 

OEm - Como acha que vai ser essa nova fase?

LLT – A verdade é que ainda estamos na terceira fase, em que o mercado tem uma grande repercussão nas ofertas laborais que até agora eram abundantes, como no turismo, na construção, basicamente, e agora muito mais reduzidas... ou mais especializadas. De momento, pelas sondagens que fiz, sei que os trabalhadores portugueses continuam a ser necessários porque não há trabalhadores espanhóis ou de outras procedências nestes trabalhos especializados na construção e obras públicas. Mas certamente há empresas e projectos que vão reduzir-se em número, o que poderá afectar os contratos futuros, já nos próximos meses, de trabalhadores de origem portuguesa.

 

OEm - Embora nas respostas anteriores já tenha abordado esta questão de forma dispersa, como caracterizaria os imigrantes portugueses? Pode dizer-se que não houve grandes alterações no perfil dos imigrantes portugueses em Espanha nesta última fase, ou essa ideia não é exacta? Referimo-nos a qualificações, idades, inserção profissional...

LLT – Bem, em termos de números totais de imigrantes, a estimativa segundo o Padrón Municipal espanhol é de cerca de 140 mil imigrantes portugueses. Este é um número que duplicou o que havia há cerca de 10-15 anos. O dobro! Isto quer dizer que esta última fase é a maior. Permanece aqui [em Espanha] a maioria dos portugueses que cá estavam nos anos 1970, 80 e 90 - hoje já com uma segunda e uma terceira gerações. Mas entretanto chegou uma última geração que é aquela a cuja chegada vimos assistindo nos últimos anos - imigrantes homens que vêm para exercer trabalhos especializados. Estes são os últimos candidatos que calculo que sejam uns 50 mil. Estes 50 mil estão nos últimos dez anos mais ou menos instalados mas sem integração familiar - porque regressam habitualmente, de quinze em quinze dias a Portugal, às suas casas. Esta é uma imigração que vai e vem, que pode retornar facilmente a Portugal. Por outro lado, a imigração está muito integrada na sociedade espanhola, diria extremamente bem integrada. Não há alteração nestes projectos pessoais e familiares. Há muitos matrimónios mistos - sobretudo portugueses com espanholas, menos portuguesas com espanhóis. Há muitas propriedades no campo e na cidade na posse de famílias portuguesas ou "meio" portuguesas. Os filhos escolarizaram-se, alguns (muito poucos) chegaram à universidade. Desta forma, integrou-se a geração dos anos 1970, 80 e 90. No entanto, ainda é uma imigração jovem. Este é um dado que devo destacar: exactamente 10% dos imigrantes portugueses tem mais de 55 anos. No cômputo nacional espanhol, de toda a imigração estrangeira -  5,6 milhões neste momento - há também 10,8% de imigrantes com idade superior a 55 anos. A emigração portuguesa está praticamente na média do que podemos chamar taxa de envelhecimento da imigração em Espanha. Um pouco menos até, 10,3%. Portanto, é uma imigração ainda jovem que pode aspirar a uma reintegração familiar que certamente não completou. E porquê? Porque os imigrantes portugueses não concretizaram, por exemplo, a vinda dos avós ou de pessoas mais velhas. Esses ficaram em Portugal. Os pais dos imigrantes, a maioria deles, ficaram em Portugal. Não é o caso dos imigrantes que vêm de Marrocos ou da América Latina ou de outras partes do mundo que se integraram, muitos deles, com as suas famílias e parentes mais velhos. Este é um dado importante para compreender a imigração portuguesa que tem este traço de população ainda relativamente jovem, apesar da antiguidade de 30-40 anos deste processo.

 

OEm - E em termos de distribuição geográfica, onde se concentram os imigrantes portugueses? Há diferenças entre os portugueses que se fixam numa ou noutra região de Espanha?

LLT – Bem, isto variou bastante com o tempo. Quando estudava há 20 anos pela primeira vez a imigração portuguesa e cabo-verdiana, a resposta era fácil. A distribuição concentrava-se em Madrid e no Noroeste de Espanha (regiões de Leão e Galiza). Aí estava a maior parte da imigração portuguesa e inclusive a cabo-verdiana, de igual modo. Hoje, isto mudou. Mudou porque a imigração se difundiu mais por todo o território espanhol. Há imigração não só em Madrid e no Noroeste (Leão e Galiza) como em Barcelona, Baleares, Valência e Sevilha e inclusive nas Canárias. Agora, o foco principal é Madrid. Ainda que em relação a este tema da distribuição espacial há que ter em conta essa imigração tão importante na última fase que está onde estão as obras. Este ano estão em Granada, no próximo ano em Sevilha e no ano seguinte no País Basco. Tudo muda muito de dia para dia.

 

OEm- Quando os imigrantes vão para essas zonas [onde há obras], ficam aí a residir e são registados pelo Padrón Municipal nessas zonas?

LLT – Em boa medida sim porque essas pessoas que vão e vêm residem geralmente em cidades próximas de onde têm o seu posto de trabalho - a actividade de construção de infra-estruturas (caminho-de-ferro, estrada). Aí residem e se registam com o fim de terem garantias de cuidados de saúde e outros. Esta é uma situação generalizada dentro da imigração. Hoje calcula-se que entre 85% e 90% da população esteja "empadronada", mas a imigração portuguesa, em geral, está toda "empadronada". Ainda que seja certo que, se a mobilidade destes trabalhadores for muito grande, certamente alguns terão dificuldade em "empadronar-se" num sítio determinado. Pode ser que haja um número de trabalhadores portugueses não "empadronados" mas - e isto é uma estimativa e não um dado - creio que a maioria dos jovens trabalhadores portugueses o estão.

 

OEm - Voltando um bocadinho atrás, continua a existir mão-de-obra portuguesa naqueles sectores mais tradicionais que chamaram portugueses noutras fases, por exemplo na agricultura ou nas minas (na região de Leão)?

LLT – Continua efectivamente. Há 20 anos, parte da imigração era composta de jornaleiros no campo. Continua ainda a haver um fluxo de imigrantes do sul de Portugal dirigido ao campo do sul espanhol (Estremadura, Andaluzia), mas muito minoritário. Em relação às minas, houve praticamente um processo de esgotamento, de desaparecimento. Mas surgiu uma nova exploração mineira - da qual talvez se conheça pouco em Portugal - que é a exploração do xisto. Esta exploração é importante em Leão e em Orense (Galiza), de maneira que muitos dos trabalhadores das minas leonesas estão agora nas explorações de xisto que hoje oferecem cerca de 3.000, 4.000 empregos, muitos dos quais a portugueses, em Leão e Orense. Esta é uma forma de relocalização. Mas em geral o trabalho mineiro desapareceu, tanto para espanhóis como para estrangeiros. Entre os outros destinos tradicionais, o serviço doméstico também tem vindo a desaparecer. O serviço doméstico, em geral - em Madrid e outros locais - já se oferece a estrangeiros americanos, sobretudo de língua espanhola. Por último, os serviços turísticos... Aí sim, há trabalhadores portugueses nas Canárias, Baleares e no mediterrâneo espanhol.

 

OEm - Tem-se falado ultimamente em Portugal com alguma insistência da saída de pessoas qualificadas. Tem ideia de algum fluxo recente de portugueses qualificados  com destino a Espanha?

LLT – Não tenho dados. Conheço, como é lógico, a importância deste tipo de imigração em Madrid... talvez também mais em Barcelona. Mas é uma imigração muito localizada de trabalhadores altamente qualificados, tecnocratas, técnicos de empresas multinacionais que vão e vêm, por vezes semana após semana, de avião. Este é um fluxo que estimo que possa variar entre 2.000 a 3.000 pessoas trabalhando neste tipo de serviços qualificados em Madrid. E em alguma medida, alguns mais (mas não muitos) em Barcelona e outras cidades. É certamente um fluxo que foi significativo nos anos 1980 e 1990, mas creio que agora se moderou e não tem a importância relativa que teve num momento anterior.

 

OEm - Em parte já foi respondendo a esta questão, mas isto significa que a integração dos portugueses nesta última fase é uma integração menos forte?

LLT – Sim, é uma integração menos desenvolvida, menos completa porque realmente o projecto do emigrante é estar com um pé em Espanha e outro em Portugal, de maneira que nunca estão instalados, são sempre estrangeiros onde quer que estejam... Estrangeiros entre aspas, porque um português em Espanha normalmente não se sente estrangeiro. E estas pessoas não atingem uma integração porque também não a necessitam. Sabem que durante parte do ano vivem em Portugal, têm a sua família em Portugal, vão e vêm... É uma imigração quase pendular, bi-semanal ou mesmo semanal naqueles que vivem mais próximo da fronteira. De modo que não há uma integração que ultrapasse o mínimo. Em contrapartida, repito, a imigração tradicional integrou-se de facto, os trabalhadores homens sindicalizaram-se, associaram-se com os seus vizinhos, integraram-se nos interesses da cidade, da localidade ou povoação, são proprietários, são cidadãos tais como outros quaisquer, inclusive têm famílias comuns, etc. Foi uma integração muito fácil, deste ponto de vista, mas não tanto nos últimos recém-chegados.

 

OEm - Isso significa que não podemos propriamente falar em regressos? Tem a ideia se houve algum movimento de regresso ou de partida para outros destinos, por exemplo na sequência da crise que a Espanha, tal como Portugal, vive?

LLT – É possível que entremos numa fase de reconversão geral dos destinos migratórios em Espanha que vai afectar, já o estamos a ver, as chegadas de origens mais distantes (americanos, africanos e asiáticos), que têm vindo a recuar. No caso desta migração de europeus em Espanha, particularmente de portugueses, ela vai ser provavelmente afectada em menor medida por esta crise, porque os portugueses se sentem mais solidários com o contexto laboral e económico espanhol. Mas de alguma maneira, se um imigrante português ficar sem trabalho, desempregado, tem duas opções: manter-se em Espanha, como se fosse mais um nacional ou regressar ao seu país... Ou ainda, terceira alternativa, seguir para outro destino. É possível que, caso a recuperação económica se atrase, como parece que acontecerá em Espanha - a crise vai ser longa -, se possa pensar que o projecto migratório volte a começar. Cada imigrante terá de adoptar, no caso de ter problemas de emprego, uma decisão de retorno ou de permanência. É possível. De todo o modo, creio que durante este ano ainda seja demasiado cedo e arriscado retirar conclusões sem aceder a números. Teremos de esperar mais um ou dois anos para ver os movimentos que vão acontecer.    

 

Como citar  Pinho, Filipa (2010), "Um modelo de “suización” da imigração portuguesa em Espanha. Entrevista a Lorenzo López Trigal", Observatório da Emigração, 25 de Fevereiro de 2010. http://www.observatorioemigracao.pt/np4/4710.html

 

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