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A participação dos emigrantes portugueses nas eleições
Joana Azevedo
Joana Azevedo é investigadora do Centro de Investigação e Estudos Sociais (CIES-Iscte), do Iscte, Instituto Universitário de Lisboa, e doutorada em ciências sociais pela Università Degli Studi di Roma 'La Sapienza'. Os seus atuais interesses de investigação passam pelas minorias étnicas e religiosas, emigração portuguesa, migrações altamente qualificadas, participação política dos emigrantes. A entrevista incidiu sobre o projeto “Votar no estrangeiro. Participação política e cidadania dos emigrantes portugueses (2009-2010)”.

 

Entrevista realizada em Lisboa, 16 de Abril de 2010, por Filipa Pinho.

 

Observatório da Emigração (à frente OEm) - Começaríamos por perguntar como surgiu a ideia do estudo "Votar no estrangeiro"...

Joana Azevedo (à frente JAz) - A ideia deste estudo nasceu mais ou menos no início de 2009. Eu comecei a acompanhar na comunicação social o debate em torno da reforma da lei eleitoral e comecei a perceber que havia algumas associações de emigrantes a pronunciarem-se sobre a questão da reforma da lei eleitoral e achei interessante porque não era usual o tema da emigração vir a público e haver notícias nos média que dessem a conhecer a posição dos emigrantes sobre questões eleitorais. Ao mesmo tempo iam realizar-se três actos eleitorais. Troquei ideias sobre este tema com o Fernando Luís Machado e mais tarde com o Rui Pena Pires e achámos que podia ser interessante tratar o tema da participação política, aproveitando que era um ano onde iam acontecer pelo menos dois actos eleitorais onde era possível os emigrantes votarem. E foi assim que nasceu a ideia, estava em debate uma reforma da lei eleitoral que tinha implicações em termos da modalidade de voto - na altura discutia-se se a legislação devia prever o voto presencial ou o voto por correspondência - e, portanto, houve um conjunto de actores a vir a público debater o tema e achámos que podia ser interessante estudá-lo, porque também se sabia realmente pouco.          

OEm - A Joana já vinha da área das migrações...

JAz – A trabalhar sobre a emigração portuguesa estou há muito pouco tempo, só há cerca de um ano e meio. Começou com o meu regresso a Portugal e com a candidatura a um pós-doutoramento. No âmbito dessa candidatura pareceu-me que podia ser interessante fazer um estudo sobre a emigração qualificada. E, portanto, é a partir desse momento, em que decidi pensar num projecto de pós-doutoramento, que fiquei mais alerta para a emigração. Antes disso, o trabalho que eu tinha vindo a fazer em Itália era essencialmente sobre comunidades imigrantes. Eu estava a acompanhar um mestrado sobre imigrantes e refugiados em Itália e, no âmbito desse mestrado, tinha seguido todo o debate italiano sobre a questão da imigração, que é muito importante neste momento, e participei nalguns projectos: sobre a mudança social e imigração nos bairros da periferia de Roma, outro sobre as migrações latino-americanas em Itália. E foi aí que comecei a trabalhar mais na área da imigração. E depois, quando fiz o regresso a Portugal, e no âmbito do pós-doutoramento, interessei-me pelo estudo da emigração.

 

OEm - Depois, então, da ideia e da conversa, como é que o projecto prosseguiu?

JAz – A primeira etapa foi fazer uma recolha de imprensa e ver o que é que havia escrito e o que é que tinha sido tratado sobre isto. E depois comecei a pensar na formação da equipa. E, desde essa altura estamos     a trabalhar com uma equipa formada pela Ana Belchior, do CIES, que tem um trabalho centrado sobretudo na área da ciência política; com o Marco Lisi, que também trabalha na área da ciência política, mas no ICS; e com o Manuel Abrantes, que foi o investigador que, no CIES, deu apoio a todo o projecto. Estes diferentes interesses e sensibilidades que se cruzam na equipa têm sido muito importantes para dinamizar o projecto. Formámos a equipa e desde o início todo o trabalho que temos feito no projecto é feito com o apoio do Observatório da Emigração e com as trocas de ideias que temos tido com o Fernando Luís Machado, o Rui Pena Pires e com a equipa do Observatório. Desde o início que pensámos o projecto como uma primeira etapa que pudesse depois evoluir no tempo e tornar-se continuado. O nosso objectivo é, por um lado, fazer uma análise descritiva longitudinal daquilo que tem sido o comportamento do voto dos portugueses no estrangeiro desde as eleições democráticas, desde 1976, até 2009. Depois, uma outra linha de investigação do nosso projecto é compreender todo o processo de alargamento dos direitos eleitorais, compreender como é que, desde 1976 e até hoje, se foram alargando esses direitos, quem foram os actores envolvidos nesse processo e em que contexto surgiu e evoluiu o alargamento de direito de voto dos portugueses no estrangeiro.

 

OEm - Porque no início era restrito, é isso?

JAz – Sim. Desde o início houve a possibilidade de voto para as legislativas, é um direito garantido desde 1976 e depois a possibilidade de participação nos outros tipos de eleições só surgiu mais tarde. Para as eleições europeias os eleitores podem votar desde 1987 e, para as presidenciais, desde 1997. Permanece a impossibilidade de voto nas eleições autárquicas e nos referendos que não recaiam sobre matéria que diga respeito à emigração.

 

OEm - Para as europeias nem fazia sentido antes, não é? Assim que entrámos na CEE eles passaram a ter direito...

JAz – Exactamente. Tiveram direito, embora esse direito fosse circunscrito aos portugueses que residiam no espaço europeu. Só desde as eleições de 2009 é que é permitido a todos os portugueses residentes fora da Europa votar nas eleições europeias. Portanto, nestas eleições europeias de 2009 é possível, pela primeira vez, perceber como é que todos os portugueses residentes no estrangeiro pensam as eleições europeias.

 

OEm - Atrás referiu a fase em que viram os jornais. Quais foram as etapas a partir daí? Quais eram os vossos objectivos mais específicos e como é que os encaminharam?

JAz – Nós temos estado a trabalhar em três linhas desde o início. A primeira linha é esta da compreensão de todo o processo de alargamento de direitos eleitorais e o debate em torno da reforma da lei eleitoral. Portanto, analisar do ponto de vista da legislação, a forma como estas questões foram surgindo e foram sendo tratadas, a compreensão dos direitos de voto dos portugueses no estrangeiro, comparativamente aos outros países onde este direito existe. Neste momento são cerca de 110 países que permitem o voto dos seus emigrantes e nós estamos a fazer uma análise comparativa que pretende olhar para o caso português, mas também compará-lo com os outros países que dão possibilidade de votar aos seus emigrantes, tentando perceber onde é que está a especificidade do caso português e as diferenças em relação a outros sistemas.

 

OEm - É difícil, não é? Com tantos países...

JAz – É difícil, essencialmente, o estudo pretende olhar o caso português comparativamente a outros países com uma experiência relevante em termos de emigração. Interessa-nos países com forte emigração, e países mais próximos da nossa situação, como por exemplo a Itália, a Espanha, portanto países que no espaço europeu tenham tido experiências migratórias análogas. Outra linha de trabalho é esta descritiva, longitudinal, de análise do comportamento de voto e do sentido de voto. Ou seja, como tem sido a participação, como é que tem sido a abstenção e em que sentido é o voto, em que partidos têm votado os eleitores no estrangeiro e como é que isso se distribui pelos dois círculos existentes, o círculo da Europa e o círculo fora da Europa. Uma terceira linha de trabalho olha em profundidade para o caso das eleições legislativas de 2009. Tentamos perceber todo o contexto, como é que os actores participaram, como é que a emigração foi tratada nos programas dos partidos, quem são os deputados candidatos, quem são os deputados eleitos e, sobretudo, como é que o tema surgiu durante a campanha, como é que os resultados eleitorais foram tratados depois da campanha e depois das eleições e, portanto, quais foram as estratégias dos partidos no campo da emigração. Neste momento, estamos a concluir as entrevistas aos grupos parlamentares, dentro de cada grupo parlamentar estamos a entrevistar os deputados eleitos pela emigração, no caso dos partidos que elegem deputados, o PS e o PSD. No caso dos partidos que não elegem, estamos a entrevistar os deputados que têm responsabilidade sobre este tema. O nosso objectivo a seguir é fazer entrevistas às associações de emigrantes e ao Conselho das Comunidades Portuguesas, para conhecer a posição dos emigrantes sobre o tema da participação política; e também às instituições que estão envolvidas no recenseamento e processo eleitoral, como é o caso da Administração Eleitoral, dentro da Direcção-Geral de Administração Interna, ou a Comissão Nacional de Eleições. Fazemos as entrevistas para tentar perceber como os diferentes actores vêem estes processos. Temos o apoio do Observatório da Emigração, não temos outro financiamento. Estabelecemos, desde há uns meses, uma colaboração com a Administração Eleitoral, dentro da Direcção-Geral da Administração Interna, e também com a Comissão Nacional de Eleições, que têm apoiado o projecto disponibilizando informações e dados fundamentais para o projecto. Portanto, temos uma colaboração com estas duas instituições no sentido de facilitar o acesso aos dados e de podermos fazer um tratamento de dados que antes não tinham sido tratados. Por exemplo, vamos fazer uma análise do processo de recrutamento dos candidatos pelos círculos da emigração, do seu perfil, dos critérios dos partidos para a sua selecção...

 

OEm - E, sobre os países de estudo, seleccionaram alguns sobre os quais vão incidir?

JAz – Sim. Dado que a dispersão dos portugueses no mundo é muito grande, nós procurámos definir um critério de selecção que permitisse, por um lado, representar os locais onde se concentram maior número de emigrantes potenciais eleitores e, por outro, abranger um conjunto de países que, na sua totalidade, representasse mais de 90% dos votos. Assim, temos uma selecção de 17 países que representam mais de 90% dos votos totais dos círculos da emigração. Os restantes são países onde essa participação é tão fraca que não ia permitir uma análise do ponto de vista estatístico. Aí, trataremos os restantes países de uma forma qualitativa. Portanto, a ideia não é negligenciar a participação nesses países, mas é tratá-los de outra forma.

 

OEm - No início disse que o estudo foi pensado para ter continuidade... A ideia é repetir de cada vez que houver eleições? É isso?

JAz – Não excluímos a hipótese de continuar a estudar a participação dos emigrantes em actos eleitorais futuros como, por exemplo, as próximas eleições Presidenciais, em 2011. Mas a 2ª etapa do projecto seria principalmente para abordar a perspectiva dos próprios emigrantes. Nós começámos por olhar para o comportamento de voto e procurar compreender quais são as oportunidades de representação institucional e de participação activa dos emigrantes nos processos de eleição e decisão política, mas estamos a projectar uma segunda etapa, de carácter mais compreensivo visando conhecer as representações e aspirações dos próprios emigrantes nesta matéria. Queremos conhecer os factores que explicam o comportamento de voto dos emigrantes, a partir da sua perspectiva, conhecer as suas posições, as suas representações, a ideia que têm sobre o sistema eleitoral português. Portanto, estamos a pensar realizar um estudo de caso num dos países com maior participação eleitoral, através, por exemplo, de um questionário ao emigrantes e um trabalho de campo junto das associações de emigrantes nesse país. Portanto, a nossa ideia é completar toda a análise que temos feito do comportamento de voto, com os factores que explicam esse comportamento e essa participação. A próxima etapa seria conhecer as posições dos emigrantes em relação ao sistema eleitoral português e àquilo que é a realidade política do país. Temos a intenção de procurar financiamento e também de encontrar sinergias com instituições que já trabalhem no território: consulados, Instituto Camões, associações de emigrantes, Igreja, bem como os próprios núcleos locais dos diversos partidos. Através dos professores, conseguir chegar à segunda ou à terceira geração de emigrantes, aplicar um questionário nas escolas, por exemplo. Gostaríamos ainda de ter a colaboração da imprensa para a emigração, e eventualmente da rádio, para conseguir chegar aos emigrantes.

 

OEm - Sobre as associações de emigrantes, qual é o critério de contacto?

JAz – Neste momento ainda não contactámos as associações de emigrantes, vai ser em breve quando concluirmos as entrevistas aos grupos parlamentares. Mas o primeiro critério é entrevistar as associações que se pronunciaram desde que começou o debate sobre a reforma da lei eleitoral em finais de 2008 e ao longo de 2009, as que vieram posicionar-se publicamente sobre a temática. A partir dessas, depois podemos tentar perceber se existem outras associações que seja interessante entrevistar no âmbito do projecto. Esperamos que a própria divulgação do projecto leve as associações interessadas a contactar-nos, isso seria um grande contributo para o nosso trabalho.

 

OEm - Já descreveu o projecto em termos de objectivos e fases... Há resultados que possam ser partilhados?

JAz – Isto é um work in progress, ainda está numa fase de trabalho intenso, mas concluímos essencialmente a fase de análise do comportamento de voto, portanto a linha de investigação relativa à análise longitudinal do comportamento e do sentido de voto. Procurámos perceber quais eram as diferenças de comportamento de voto a nível nacional em relação aos eleitores no estrangeiro e essa diferença é significativa. Com excepção das eleições de 1976, onde a participação dos residentes no estrangeiro é maior do que no território nacional, o nível de abstenção registado nos círculos da emigração é sempre consideravelmente superior à taxa de abstenção "interna". Embora a taxa de participação no estrangeiro siga o mesmo padrão de declínio da participação interna, a diminuição da participação dos emigrantes observa-se muito mais rapidamente, e em 2009 essa diferença regista o seu valor máximo: a diferença entre participação interna e externa é de cerca de 45 pontos percentuais. Não há diferenças significativas em termos de círculos mas nos círculos europeus o nível de participação é sempre ligeiramente superior.

Esta situação verifica-se no caso das eleições legislativas, que são as eleições que mobilizam mais eleitores no estrangeiro e permitem eleger deputados representantes dos emigrantes.

 

OEm - Portanto, a percentagem é entre os inscritos nos consulados?

JAz – É entre os votantes. À diferença do recenseamento dos residentes no território, o recenseamento dos emigrantes é voluntário. De entre a totalidade da população que poderia votar, só os recenseados é que têm efectivamente o direito de o fazer. Destes só uma percentagem que se situa entre os 2, 6% (nas Europeias) e os 15, 5% (nas Legislativas) é que, de facto, vota. Portanto, temos o conjunto dos potenciais eleitores, aqueles que se inscrevem e aqueles que de facto votam. Trabalhamos com estes três níveis de análise.

 

OEm - E os 15% reportam-se aos inscritos...

JAz – Sim, nas últimas legislativas apenas 15, 5% dos inscritos é que votaram, pouco mais de 25000 eleitores.

Nesta análise longitudinal fomos também comparar se, no âmbito da nossa emigração, as comunidades mais significativas em termos numéricos também são aquelas que mais pesam no conjunto dos votos, ou seja, fomos ver qual o peso relativo de cada país na eleição dos seus representantes políticos. E é interessante porque nem sempre há correspondência. Por exemplo, no caso europeu temos a Suíça, que embora seja o segundo país mais significativo em termos da presença portuguesa, não é tão expressivo no conjunto dos votos do círculo da Europa.

 

OEm - E em França há correspondência?

JAz – Em França confirma-se essa correspondência. Em relação ao número de inscritos no círculo da Europa, os inscritos em França correspondiam em 2008 a cerca de 30% do total 2008 e, nas eleições Legislativas de 2009, representaram cerca de 35 % do total de votos. Portanto há uma correspondência entre o peso da França face ao total de emigrantes portugueses na Europa e o seu peso na eleição dos deputados pelo círculo da Europa. Fizemos este tipo de análise para o conjunto de países que era possível, dado que a informação disponível até ao momento nas fontes oficiais não é desagregada por país de forma constante ao longo dos anos.

 

OEm - Qual é o país onde há mais participação eleitoral?

JAz – No círculo da Europa, os dois países com maior número de votos têm sido a França e a Alemanha. Os votos em França representam aproximadamente 50% de todo o círculo, enquanto os votos na Alemanha vieram a decrescer de importância, de 39% em 1983 para 19% em 2009. No círculo de Fora da Europa, em termos de peso relativo, os países com maior peso são o Brasil, os Estados Unidos e o Canadá. O peso destes três países tem vindo a aumentar de forma constante, os três juntos representavam cerca de 55% dos votos neste círculo em 1983 e em 2009 representam mais de 70%.

 

OEm - E qual é o sentido do voto?

JAz – Relativamente ao sentido do voto, nas Legislativas há uma grande aproximação entre aquilo que é o sentido de voto a nível nacional e aquilo que se verifica em termos dos ciclos da emigração, as preferências eleitorais dos residentes no estrangeiro não se diferenciam de forma significativa do voto expresso pelos eleitores no território nacional. Os dois principais partidos de governo, PS e PSD, conseguem mobilizar a maioria dos votos. A maior fragmentação regista-se nas eleições de 1983 e de 1985, com o aumento na concentração no período seguinte. Nas Presidenciais tem havido uma preponderância do PSD no círculo fora da Europa e do PS no círculo europeu. Já nas europeias de 2009, face a 2004, observa-se um aumento dos votos para o PSD, a diminuição do PS, e um aumento dos votos para o CDS, Bloco de Esquerda e CDU, mais uma vez em correspondência com o observado no território nacional. 

 

OEm - Que outros resultados ou outra informação considera relevante salientar?

JAz – O estudo coloca em evidência o fenómeno da abstenção eleitoral, e permite avaliar em diferentes actos eleitorais e momentos no tempo a relação entre participação eleitoral e abstenção eleitoral. O ano de 2009 foi o ano onde se verificou a diminuição mais acentuada da participação eleitoral dos eleitores do estrangeiro, tanto para as eleições europeias como para as eleições legislativas. Interessa-nos continuar a explorar esta problemática, nomeadamente na segunda etapa, procurando identificar os factores que determinam uma desafeição política e uma abstenção eleitoral tão acentuada nos círculos da emigração. Até para tentar esclarecer, porque frequentemente na opinião pública as análises que são feitas não têm depois uma confirmação empírica, quer dizer, nós podemos pensar que os eleitores votam pouco porque se interessam pouco pelo país, também há partidos políticos que consideram que a modalidade de voto não é adequada, pode haver dificuldades administrativas... Contudo, não só os factores de natureza administrativa ou institucional não são os únicos a contribuir para a explicação  da participação eleitoral, como podem nem ser os mais importantes. Quer dizer, há um conjunto de factores macro, que são os que estamos a analisar, de tipo político, administrativo, institucional, e há ainda outras razões de natureza micro, relacionadas com as características socioeconómicas, políticas e demográficas dos próprios eleitores que é preciso ter em consideração. É sobre este aspecto que nos debruçaremos na próxima fase do projecto. Será que os emigrantes portugueses se sentem suficientemente representados nos programas partidários? Por isso, nesta primeira etapa, fazemos uma análise de conteúdo aos programas de partido. Será que existe uma estratégia de trabalho no âmbito da emigração, por parte dos partidos, que está a ter impacto na emigração? Ou não?

 

OEm - Não vou pedir que explique, porque também seria prematuro, mas está a encontrar pistas nas entrevistas aos membros dos grupos parlamentares? Já encontraram alguma resposta para essas questões?

JAz – O trabalho que estamos a fazer junto dos grupos parlamentares tem como objectivo perceber quais são as estratégias dos partidos em relação à emigração portuguesa, quais são os temas chave de cada partido, em que temáticas é que cada partido se centra quando trabalha no sector da emigração e onde é que existem diferenças entre os partidos, quais são as suas posições em termos da concepção de quais devem ser os direitos de participação e as modalidades de participação dos emigrantes. Eu não queria, para já, avançar mais, porque ainda não concluímos as entrevistas a todos os partidos com assento parlamentar.

 

OEm - Sobre que outros aspectos vão querer fazer incidir o projecto daqui para a frente?

JAz – Nesta primeira fase, completar o estudo dos direitos de voto e da reforma da lei eleitoral, simultaneamente fazer a análise do caso das Legislativas de 2009. Na segunda, queremos aprofundar a perspectiva dos emigrantes. Coexistem na emigração diferentes perfis e gerações de emigrantes, seria interessante compreender se a diferentes perfis correspondem formas de participação política diferenciadas, ou se pelo contrário, as dinâmicas de participação política, das filiações, das preferências de voto permanecem sensivelmente as mesmas. Gostávamos de perceber se existem diferenças em termos de participação, ou em termos de relação com a realidade política do país, entre os emigrantes recém-chegados àquele país, aqueles que lá estão há mais tempo e os que já nasceram lá e que ainda têm o direito de voto, mas constituem as segundas gerações e que não sabemos se participam ou não, porque esse dado neste momento não existe. Na Europa, pensamos que um potencial país para desenvolver este estudo de caso seria a França. Fora da Europa seriam os Estados Unidos da América, que nos permitem ter um olhar diferenciado, quer em número de votantes, quer em termos de longevidade da emigração e de experiência migratória.

 

OEm - As bases de dados dos registos poderão ter algum tipo de desactualização?

JAz – Algumas instituições e deputados que entrevistámos apontaram problemas relativos à actualização dos cadernos eleitorais, este é um aspecto que também pretendemos aprofundar no trabalho.

 

OEm - Há penalizações por não se votar...

JAz – O que acontece é que nas eleições em que se vota por correspondência, que é a modalidade de voto actualmente aplicada apenas nas Eleições Legislativas, caso haja dois actos eleitorais consecutivos em que o boletim de voto vem devolvido, essa pessoa é excluída dos cadernos eleitorais. Ou seja, não é penalizada por não votar, mas sim por não ter a morada actualizada no consulado. No fundo é um mecanismo para tentar manter os cadernos eleitorais no estrangeiro mais ou menos actualizados. A questão que se coloca é que o número de boletins devolvidos é muito significativo, sobretudo no círculo Fora da Europa. Nas legislativas de 2005 foram devolvidos cerca de 40000 boletins de voto, cerca de metade dos quais pela segunda vez. 

Relativamente à fraca participação eleitoral é preciso considerar que existem como referi diversos factores que podem influenciar os baixos níveis de participação, que podem ser políticos, administrativos, institucionais ou financeiros. Os requisitos para o recenseamento eleitoral são igualmente fundamentais, dado que este é o primeiro passo da participação. E dependendo de como, quando e onde a campanha eleitoral é organizada, os eleitores podem sentir-se mais ou menos motivados para votar. A campanha eleitoral, considerado um instrumento importante de mobilização eleitoral, ocorre após o período limite para o recenseamento dos eleitores no estrangeiro. Portanto, quando a campanha eleitoral em Portugal está na sua dinâmica máxima, já é tarde para os eleitores no estrangeiro se inscreverem, já não é possível. Num contexto tão grande de abstenção eleitoral, a não coincidência entre a campanha eleitoral e o período permitido para fazer uma inscrição para votar, pode ser outra barreira à participação. Neste trabalho faz-se uma análise das diferentes modalidades de voto e, embora para cada acto eleitoral a modalidade de voto ao longo do tempo tenha sido sempre a mesma, não é possível perceber se as diferenças de voto têm a ver com a modalidade de voto, ou não. Ou seja, como para as eleições legislativas sempre se votou por correspondência, não é possível avaliar, por exemplo, a modalidade de voto presencial está associada ao aumento ou à diminuição da participação eleitoral.

 

OEm - E há diferenças entre eleições?

JAz – A comparação apresenta dificuldades, desde logo porque para cada tipo de eleição a modalidade de voto tem sido sempre a mesma. As presidenciais são por voto presencial e as legislativas são por correspondência e seria forçado estabelecer causalidades com a modalidade, porque são tipos de eleições diferentes. Embora fosse interessante para nós comparar se modalidades diferentes de voto estão associadas a uma maior ou menor participação. Não podemos fazer essa análise porque a modalidade de voto tem sempre sido a mesma em cada tipo de eleição, excepto nas europeias, que mudou recentemente (antes o voto era por correspondência e agora é presencial), mas neste caso ainda só temos um acto eleitoral para avaliar.

 

OEm - E nesse caso o que aconteceu?

JAz – De facto, verificou-se uma diminuição da participação, que atingiu o valor mais baixo de sempre, abaixo dos 3%, para o qual pode ter contribuído a passagem ao voto presencial. No entanto a diminuição da afluência às urnas observou-se também nas legislativas. Dentro da modalidade do voto de correspondência, há um aspecto que nós queremos também tratar no trabalho e que é o elevado número de votos nulos nas eleições por correspondência. Do conjunto de votos que chegam às mesas de contagem há um conjunto muito significativo, que se situa neste momento na ordem dos 15%, de votos nulos. E que determina, também, que essa participação ainda seja inferior àquela que já é. O elevado número de votos nulos pode constituir um indicador importante, por exemplo, pode ser expressão do mau funcionamento e da baixa eficácia do sistema eleitoral, em particular das modalidades de votação. Esta questão das diferentes modalidades de votação a adoptar para o voto dos emigrantes ainda permanece na agenda política e está longe de encontrar um consenso dentro das forças políticas. A participação política dos emigrantes e o seu sentido de voto podem afectar, potencialmente, o resultado eleitoral nacional. É este conjunto de questões que continuaremos a aprofundar no nosso trabalho...

 

Como citar   Pinho, Filipa (2010), "A participação dos emigrantes portugueses nas eleições. Entrevista a Joana Azevedo", Observatório da Emigração, 16 de Abril de 2010.  http://observatorioemigracao.pt/np4/4709.html

 

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