Entrevista realizada em Lisboa, 27 de Julho de 2012, por Filipa Pinho.
Observatório da Emigração (à frente OEm) - A pergunta com que geralmente iniciamos sempre estas entrevistas é sobre o percurso de investigação deste tema: o que é que o levou a estudar a emigração portuguesa e, neste caso concreto, para Lyon?
Helder Diogo (à frente HD) - É muito simples. Eu fui emigrante, fiz a escolaridade em França... Vivi a infância em Portugal ainda, fiz uma parte da escola primária e depois fui para França, onde fiz todo o meu percurso académico. Em 1995 concluí a Maitrise em Geografia na Universidade de Lyon II, tendo frequentado o último ano na Faculdade de Letras da Universidade do Porto através do programa ERASMUS, e regressei a Portugal. Apaixonei-me pelo país, que praticamente não conhecia, e quis ficar por aqui. Tive equivalências à licenciatura, comecei a trabalhar no ensino e posteriormente, em 1999, quis ir mais além da licenciatura e foi aí que me inscrevi no mestrado em Relações Interculturais na delegação do Porto da Universidade Aberta. O mestrado em Relações Interculturais abordava diferentes perspetivas sobre a temática, destacando-se um seminário sobre Diásporas da Profª Conceição Ramos da Faculdade de Economia do Porto. Este lançou as bases da tese sobre a comunidade portuguesa na Região Rhône-Alpes em França. Em 2002, colaborei num trabalho para a Universidade Paris 13, no âmbito de um projecto de investigação que abordava a questão da imigração/emigração em Portugal. Em 2007 surgiu a oportunidade de fazer o doutoramento com o enfoque mais específico, do ponto de vista espacial e cultural, na comunidade portuguesa de Lyon. E assim aconteceu.
OEm - E a escolha de Lyon surge porque...?
HD - Eu tinha ligação com a comunidade porque tinha vivido lá e era mais fácil a aproximação para realizar os inquéritos e todo o trabalho de campo. Decidi também por se tratar da segunda comunidade portuguesa de França. Até então, poucos geógrafos portugueses, tinham trabalhado sobre a comunidade portuguesa em França, não existindo sequer uma tese de doutoramento dedicada a essa comunidade. Claro que em psicologia, sociologia, economia, outros já o tinham feito, mas em geografia havia, e continua a haver muito trabalho a fazer. Em França apenas dois geógrafos, Michel Poinard e Nathalie Kotlok-Piot, centraram o seu estudo de doutoramento sobre os portugueses.
OEm - Esta ligação entre o ser/ter sido emigrante e estudar a emigração é muito interessante (e tem sido algo recorrente). Portanto, foi daqui de Portugal com os seus pais?
HD - A forma como a geografia entrou na minha vida foi muito interessante. Vivi a minha infância numa aldeia em Trás-os-Montes, concelho de Vila Flor, no início dos anos 1970 numa época em que os meus pais já residiam em Lyon. Durante as férias já tinha esse primeiro contacto com a França porque ia lá regularmente. Quando fui viver definitivamente para Lyon, as vindas a Portugal e os "vaivéns" anuais marcaram-me muito, viajar era uma sensação extraordinária. E, tal como era comum com os filhos da primeira geração de imigrantes, estava-me destinado ingressar rapidamente na vida activa, mas não era isso que eu queria; eu gostava de estudar e queria prosseguir os estudos para depois frequentar o ensino superior...
OEm - E foi conseguindo, ou ia saíndo e entrando...?
HD - Até aos 18 anos tive a sorte de frequentar a escola francesa paralelamente com a escola portuguesa num colégio privado português em Lyon. Como já referi, os meus pais queriam que ingressasse rapidamente na vida ativa daí também ter frequentado dois cursos de âmbito profissional... A frequência das aulas do Centre International d´Etudes Françaises da Universidade Lumière Lyon II em 1989 também contribuiu para a prossecução dos estudos no curso de geografia da mesma Universidade. Ingressei em 1991 na universidade Lumière Lyon II no curso de geografia. Foram anos muito enriquecedores em termos de aprendizagem, que culminaram no ano letivo de 1994/95 com um ano de Erasmus em Portugal. Tratou-se então de uma oportunidade de contactar com a geografia portuguesa e de lançar bases profissionais.
OEm - Dizia há pouco que Lyon é a 2ª cidade onde há mais portugueses...
HD - Sim, a cidade de Lyon é a segunda maior cidade de França também. É uma cidade muito industrializada, sendo também o 2º foco económico no país. Trabalhei com dados estatísticos de 1962 a 2008 a várias escalas. Em 2008 o INSEE (Institut nacional de la statistique et des études économiques) considerava que haveria 14 mil portugueses no "département" do Rhône. Todavia, os censos não têm em conta os indivíduos com dupla nacionalidade e, por isso, os números estão muito áquem da realidade. Estima-se que na área metropolitana de Lyon devem viver cerca de 30 a 40 mil portugueses (entre imigrantes e luso-descendentes), pelo menos.
OEm - Voltando um pouco atrás, eu tinha precisamente pensado em pedir-lhe um comentário sobre a tendência que diz haver para os filhos dos emigrantes realizarem preferencialmente estudos de "curta duração"...
HD - As coisas estão a mudar, já não é bem assim, mas nas primeiras gerações havia a preocupação de que os seus filhos arranjassem rapidamente trabalho e ingressassem rapidamente na vida ativa, e isso pressupunha aprender uma profissão.
OEm - Por razões que se prendem com dificuldades económicas?
HD - Por uma questão de mentalidade, sobretudo, uma questão cultural e, claro, económica. Porque , quanto mais depressa ingressassem no mercado de trabalho, mais depressa começavam a ganhar. E quanto mais depressa começassem a ganhar, mais depressa conseguiam uma estabilidade na vida. Obviamente que as coisas mudaram muito, mas a minha geração ainda viveu muito isso, de os pais ainda imporem essas limitações em termos de estudo. Hoje em dia as coisas estão muito mais fáceis. Os luso-descendentes já estão maioritariamente no sector dos serviços. Foi o que constatei no meu estudo, o grupo dos indivíduos que nasceram em França ou que têm nacionalidade francesa são os que têm mais diplomados do ensino superior, destacam-se claramente.
OEm - Agora podemos entrar mesmo no seu trabalho. Quais eram os seus objectivos principais e quais as conclusões a que chegou?
HD - Um dos objectivos era o de analisar a mobilidade (social e geográfica).
Eu considerei os grupos que já estão implantados há mais tempo, tomei como base 30 e mais anos, depois os que chegaram a França nos últimos 10 anos e, por último, o grupo dos luso-descendentes que nasceram em França ou que adquiriram nacionalidade francesa. Seguidamente, efectuei uma análise de diversas variáveis para cada um dos grupos.
Nestes grupos há sempre aspetos a salientar, de acordo com os resultados do inquérito e das entrevistas.
Os luso-descendentes estão numa fase muito mais avançada, em termos de mobilidade social, do que as outras gerações. As gerações mais antigas e os indivíduos que chegaram há menos de 10 anos continuam a trabalhar, maioritariamente, já não tanto na indústria - porque a França sofreu um processo de desindustrialização - mas ainda essencialmente na construção civil e outros serviços domésticos (como as limpezas). Contudo, convém referir que existe uma abertura crescente para os serviços (existe uma percentagem significativa nesse sentido) e aqui a questão das redes comunitárias é muito importante porque continuam a apoiar de forma intensa os novos imigrantes. Ressalve-se, porém, que cerca de 20% dos novos imigrantes, os que chegaram a França nos últimos 10 anos, são aventureiros, ou seja, estão desligados dessas redes...
OEm - Então, foi continuando sempre a haver emigração para França...
HD - Sempre. Cerca de 18% dos inquiridos chegaram nos últimos cinco anos a Lyon. Os dados consulares também demonstram isso, sabemos que entre 2005 e 2010 houve um acréscimento de 100 mil registos nas delegações consulares em França. Sabemos que estes números ficam provavelmente muito aquém porque os registos consulares não são obrigatórios. Significa que podemos ter talvez 150 mil ou até mais portugueses que chegaram a França nos últimos anos. É de salientar aqui a questão da circulação migratória. E porquê? Porque muitos destes novos emigrantes, 1/3 mais precisamente (de acordo com os resultados do meu trabalho), já tiveram percursos migratórios noutros países, nomeadamente em Espanha e na Suíça. Por causa da crise económica que abalou completamente Espanha desde há 4 anos para cá, sobretudo no setor da construção civil, estes portugueses "fugiram" para França, porque ainda se estava numa fase de grande dinâmica ao nível da construção civil, encontrando-se facilmente trabalho no país. A fixação de imigrantes lusos em Lyon provenientes da Suíça não se deve ao facto de o país estar em crise do ponto de vista económico, mas porque a cidade se encontra apenas a 180 quilómetros de Genebra permitindo que muitos lusos contactem dos dois lados da fronteira e isso faz com que haja casamentos e aproximações. Tal explicação está na origem da mudança de um país para o outro por parte de numerosos imigrantes e tem causas distintas das económicas.
Continuando na questão da circulação e das viagens, as pessoas que lá estão há mais tempo dizem que viajam mais do que antigamente para Portugal, entre 37% e 55% (consoante os grupos) afirmaram-no. Fazem estas idas e voltas, estes vaivéns entre os dois países. Mesmo os indivíduos que têm nacionalidade francesa, cerca de 43%, também responderam que efectivamente viajam mais. Ora, isto relaciona-se com a revolução dos transportes aéreos, nomeadamente a existência das companhias aéreas low cost. A região de Lyon acabou por ser favorecida porque tem dois aeroportos relativamente perto (um a 30 km e outro a 70 km) que têm voos low cost com ligação a Portugal (Porto e Lisboa).
OEm - E vêm com que regularidade, assim?
HD - Permitem-se vir ao país em fins-de semana, por vezes prolongados, com a mesma facilidade se andassem de autocarro dentro da cidade. Em termos dos motivos que os levam a deslocar-se a Portugal, fazem-no para férias, mas também para visitarem familiares, por razões de negócios (em menor dimensão) e há novas tendências, como por exemplo para assistirem a um jogo de futebol: há cerca de 7% dos homens, na amostra, que disseram que se deslocam com esse objectivo.
OEm - E perguntou alguma coisa sobre o envio de dinheiro, as remessas?
HD - Sobre as remessas, os emigrantes que chegaram há menos tempo são aqueles que mais enviam dinheiro para Portugal, 70% dos que estão lá há menos de 10 anos enviam remessas com alguma regularidade. Mais de metade dos que vivem há mais tempo não enviam, porque já fizeram o seu projeto de vida, já construíram casa... Dos que têm a nacionalidade francesa, a maioria não envia remessas. Quanto ao destino das remessas, o que predomina em todos os grupos é "para passar férias"; ou "para ajudar a família", (27% dos que chegaram há menos de 10 anos). Nesta última vaga, cerca de 17% dos indivíduos envia dinheiro para regularizar dívidas. Para comprar ou pagar casa são 30%.
As pessoas que chegaram há menos tempo também são aquelas que desejam regressar mais rapidamente ao país, contrariamente aos outros dois grupos que estão claramente numa situação de dupla residência, ao preferirem viver entre os dois países. Os números demonstram mesmo isso, porque quer as gerações mais antigas, quer os que têm nacionalidade francesa, gostariam de viver nos dois países (1/3 neste último grupo). Os que tencionam regressar não estão à espera da reforma para o fazer, dizem "um dia". E esse dia poderá acontecer em menos de 10 anos, ou seja, quando a situação económica deles melhorar. Portanto, entre os imigrantes houve um aumento da mobilidade e uma diversificação em termos do objectivo dessa mobilidade.
OEm - Que mais quer salientar sobre o seu estudo?
HD - A frequência de locais étnicos, por exemplo. Uma parte dos questionários foi preenchida no Consulado de Portugal em Lyon, e uma outra parte nos cafés e associações, e daí que possa haver algum enviesamento dos resultados. Mas, mesmo assim, apercebemo-nos que na frequentação dos locais étnicos se destacam as mercearias, as associações, os restaurantes, os cafés...
OEm - E há muitos restaurantes?
HD - Existem vários restaurantes e cafés na área de Lyon. Associações são à volta de 30 na área metropolitana, 120 na área consular. Os cafés eram os locais onde os homens iam tomar um copo, jogar umas cartas, e a mesma coisa nas associações. As coisas mudaram, temos hoje em dia muita juventude e uma forte representação de mulheres a frequentar os cafés. Tal facto também demonstra uma abertura em termos de mentalidades.
OEm - Sobre as associações, há algumas que são cafés...
HD - As associações acabam por ser cafés, sobrevivem graças às atividades do serviço de bar. Há poucas associações no centro da cidade, existem mais nas periferias onde se concentram mais portugueses. E isto porque as associações se confrontam com a falta de espaço, metade não tem local próprio e contam com a benevolência das autarquias locais que disponibilizam locais que visam deste modo futuros votos da comunidade para as eleições locais. A comunidade portuguesa ainda não se apercebeu do potencial político que na realidade detém. As associações também se debatem com o envelhecimento dos dirigentes associativos. Estamos a passar por uma fase de transição e muitos dirigentes associativos estão a chegar à idade da reforma e têm de angariar pessoas mais jovens; algumas conseguem, outras nem tanto, os projectos também são distintos. As associações acabam por ter uma imagem pouco favorecida junto da comunidade porque muitas vezes estão conotadas com a cultura "do copo e das cartas". Essa cultura "do copo e das cartas" não tem de ser forçosamente criticada; o que se pode acrescentar é que deve haver uma maior abertura aos projectos dos jovens e incentivá-los a terem novas ideias para articular com as autoridades francesas e com as câmaras municipais, no sentido de divulgar o país (ao realizarem exposições, por exemplo). Algumas associações já o fazem, mas a maioria ainda não o consegue. Por isso, há um certo confronto entre as gerações mais recentes e as mais antigas. Foi-me dito em algumas associações que existe um horário para os pais, com uma música mais tradicional e popular portuguesa. Depois de uma certa hora é a vez dos filhos, com música techno e dance. A maioria das associações é dirigida por homens, excetuando-se duas ou três daquelas 30 da área de Lyon que têm um corpo dirigente feminino. Trata-se de pessoas mais novas a querer dar continuidade e que demonstram, até, uma certa abertura cultural. Mas é verdade que seria desejável que as mulheres ocupassem lugares de chefia e que deveriam estar mais representadas nos orgãos de direcção, dado que são muito activas nas associações, fazem convívios gastronómicos, são elas que regularmente fazem os preparativos em termos dos almoços e outros convívios gastronómicos, entre outras atividades.
OEm - Já falou das profissões dos novos chegados. E em termos das qualificações escolares, o que pode dizer-nos?
HD - Os níveis de qualificação profissional e de escolaridade aumentaram, é verdade, mas eu gostaria de assinalar que se tem dado muita ênfase, na minha opinião, ao facto de a emigração se compor de população qualificada e de gente com ensino superior. A imprensa valoriza muito este aspecto, mas não é bem verdade. Para os que chegaram nos últimos dez anos, o meu inquérito demonstrou que cerca de 20% dos indivíduos têm o ensino secundário ou o ensino superior. A mão-de-obra que é despedida do sector têxtil, da construção civil, entre outros sectores, dos arredores do Porto, da zona do Minho, etc., constitui o principal contingente que deixa o país. E temos freguesias rurais ainda com mão-de-obra jovem, mas de um modo geral saem de zonas mais urbanas. Entre os novos emigrantes, em termos de escolaridade, cerca de 41% têm o nível de ensino básico, 14% o ensino secundário, 5,3% o nível superior, mas 16% ainda têm o primeiro ciclo. Temos aqui tendências extremas...
OEm - No que se refere à integração dos emigrantes, novos ou antigos, o que pode dizer-nos?
HD - Em termos de integração, de um modo geral, todos os grupos se sentem bem integrados. Obviamente com uma pequena distinção em relação aos que chegaram há menos de 10 anos, apesar de também se sentirem bem integrados (só 2% não se sentem integrados). E os que se sentem pouco integrados são, geralmente, pessoas que emigraram sozinhas e não se encontram muito no âmbito das relações familiares e das redes comunitárias.
A identificação em relação à nacionalidade: cerca de metade dos que vivem em França há mais tempo sente-se tanto portugueses, como franceses, mesmo aqueles que têm a nacionalidade francesa. Existe uma partilha entre as duas culturas, mesmo para aqueles que estão lá há mais tempo, a cultura portuguesa está sempre presente, a francesa também . Com certeza que para os que têm nacionalidade francesa, também o é. Porque mesmo que tenham a nacionalidade francesa não significa que se virem necessariamente apenas para a cultura de acolhimento. Dos que chegaram mais recentemente, 77% sentem-se mais portugueses. Cerca de 20% diz sentir-se tanto português como francês, provavelmente aqueles que estão lá há mais anos, como sete ou oito anos.
No que diz respeito à questão da habitação, é muito importante porque o facto de comprarmos, de sermos proprietários, é um índice de integração económica. O inquérito vai ao encontro dos números nacionais, em que temos aproximadamente 40% que são proprietários, sobretudo os que estão lá há mais tempo e os que têm a nacionalidade francesa. Os que chegaram mais recentemente vivem em apartamentos. A promoção socioeconómica nos imigrantes das primeiras gerações e nos luso-descendentes com nacionalidade francesa leva a que muitos deles vivam já numa vivenda. Esse acesso à propriedade é facilitado pelas redes, que têm um papel fundamental porque existe esse espírito de solidariedade que leve a que as famílias se entreajudem na questão económica.
Outro aspecto importante é a questão do transnacionalismo, já não só ao nível das remessas, mas ao nível dos produtos culturais. No inquérito sobressaem os produtos gastronómicos como o vinho, o azeite, as lembranças, os enchidos e até o bacalhau. Alguns entrevistados até afirmaram ser melhor do que aquele que compram em França. Isso demonstra também que comer e beber são elementos de qualquer cultura e que nós, geógrafos também temos privilegiado isso nos últimos anos. A aquisição desse tipo de produtos confirma que a cultura portuguesa está bastante viva. Em todos os grupos notamos isso, embora em menor proporção naqueles que têm nacionalidade francesa.
OEm - E como é a comunicação com Portugal (além do que já nos disse sobre o "vaivém")?
HD – Existem novos meios de comunicação como a Internet. Não é um meio como a televisão, permite comunicar, é interactivo. E isso está bastante patente, ou seja, todos os grupos, mesmo os mais antigos que não dominam estas ferramentas digitais, estão a aprender e têm os netos que ajudam quando eles não entendem. Uma grande percentagem de emigrantes, que varia entre os 72% e os 87%, têm Internet em casa. Comunicam regularmente com Portugal pela Internet, de vários modos, 56% dos que estão há mais de 30 anos, 76% dos que estão há menos de 10 anos e 68% dos que têm a nacionalidade francesa.
Sobre a comunicação pela Internet, utilizei o conceito de transvirtualismo ou transvirtualidade, que é o facto de estes emigrantes comunicarem regularmente utilizando suportes virtuais com Portugal. Este conceito remete para a ideia de transposição de fronteiras, permitindo de facto uma aproximação com o país de origem. Porque é que isto é importante? Porque mais do que nunca a comunidade portuguesa tem instrumentos, tantos meios ao seu alcance, para se ligar ao país de origem. E isto é fundamental. E portanto é muito mais fácil a mobilidade geográfica. A questão da ligação a Portugal através das novas ferramentas e das novas tecnologias da informação e comunicação traz a tal transvirtualidade. E depois, a ligação à cultura portuguesa ainda se faz mais localmente além desta mobilidade física e da mobilidade virtual, com a frequência dos locais étnicos, como as merceariais, restaurantes, cafés... Portanto, a comunidade portuguesa está, mais do que nunca, ligada a Portugal. E penso que a ligação provavelmente vai continuar a intensificar-se, a portugalidade rodeia-nos onde quer que estejamos.
OEm - De quanto era a amostra?
HD - Era de 509 indivíduos, metade mulheres e metade homens, a partir dos 18 anos.
OEm - E como era a distribuição pelos grupos de que tem estado a falar?
HD - Praticamente equitativa.
OEm - Pretende salientar mais alguma coisa em relação ao seu estudo?
HD - A questão do empreendedorismo local, que nunca tinha sido estudada até a essa data. Para o efeito utilizei os dados que estão disponíveis no site da Câmara de Comércio e Indústria de Lyon e fui procurar os empresários com nome português, o que aparentava ser português. Obviamente que poderemos ter brasileiros ou cabo-verdianos, mas creio que são casos mais específicos e muito pontuais. O próprio consulado não tem os dados de quantos luso-descendentes ou portugueses têm empresas de construção civil ou no ramo de restauração em Lyon, e etc. Então, fiz essa investigação, e com esses dados foi possível criar quadros ilustrativos dessa mesma realidade. Consegui reunir uma lista com aproximadamente 600 empresas, essencialmente dentro do ramo da construção civil (mais de 1/3), mas também dentro do ramo da restauração, do comércio e de todo o tipo de serviços (cabeleireiros, mecânicos...). Apesar de não ter obtido dados completos, convém referir que 55% destas empresas representam um volume de negócios de cerca de 300 milhões de euros. São fundamentalmente pequenas e micro empresas, maioritariamente com menos de 10 trabalhadores.
OEm - Isso só em Lyon?
HD - Só na zona de Lyon. A maior parte foi constituída nos últimos 10 anos e pode sublinhar-se que em período de crise os portugueses também se adaptam ao facto de perderem um emprego - apesar de as taxas de desemprego serem relativamente baixas entre os portugueses, por comparação com outros estrangeiros. Continua a haver alguma absorção no mercado de trabalho, embora haja o problema da construção civil que se está a verificar também em França. A questão é como é que se vai continuar a absorver gente que continua a emigrar para a região, eu tenho algumas dúvidas de que o mercado consiga absorver continuamente. Se fizéssemos uma previsão para a totalidade destas empresas, se tivéssemos 600 milhões de euros, isso é efectivamente um pequeno mercado para as nossas exportações também. Constatei que 20% dos inquiridos recorrem a práticas transnacionais de aquisição de materiais para habitação como granitos, madeiras, caixilharias, azulejos, mas também para apetrechar a habitação, como móveis, etc. Um dos grandes desafios que se coloca às empresas em Portugal para aumentarem as suas exportações e implantarem-se/desenvolverem-se no mercado francês consiste justamente em aproveitar as potencialidades e o empreendedorismo desta comunidade. Eis sem dúvida um grande desafio que se coloca aos nossos empresários e parece-me que poucos ainda o entenderam.
OEm - A informação sobre esses aspectos não está incluída na tese, ou está?
HD - Também está. Essa opção que eu dizia é económica porque esses materiais ficam mais baratos aqui. Há também uma questão cultural que não podemos pôr de lado porque a região de Lyon não utiliza granitos e mármores na construção, saem muito caros. E, portanto, os portugueses a enviarem granitos e mármores estão a reproduzir um pouco as práticas cá de Portugal. Ou seja, vão ao encontro de algo que é cultural, que faz parte do seu património arquitectónico. Há empresas que já estão a trabalhar a partir de Portugal para a emigração.
Por fim, queria dizer que me apraz, como geógrafo português, ter trabalhado concretamente sobre a comunidade portuguesa em França, o principal destino da emigração portuguesa na Europa.
OEm - Foi o principal destino. Considera que ainda é?
HD - Continua a ser o principal destino. E continua a registar os efectivos mais numerosos. Em termos de stocks seguramente que não há país na Europa com os mesmos números. Na minha opinião continua a ser o principal destino da emigração no continente, tendo em conta a dimensão da importante rede comunitária já implantada. É evidente que existem outros destinos como o Reino Unido, mas este país também está em crise. A Suíça, obviamente, também se destaca... Partindo de informações consulares e de outros fontes da comunidade constatei que, contrariamente à década de 1960 ou 1970, em que partiam os homens e depois acontecia o reagrupamento familiar, agora também partem famílias inteiras. Não deixa de ser impressionante do ponto de vista demográfico e dramático em termos humanos sabendo que os números relembram vagas semelhantes registadas há algumas décadas atrás.
Como citar Pinho, Filipa (2012), "O desenvolvimento dos transportes na ligação ao território de origem dos emigrantes. Entrevista a Helder Diogo", Observatório da Emigração, 27 de Julho de 2012. http://observatorioemigracao.pt/np4/4687.html