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Associativismo e adaptação dos portugueses na Suíça
Eduardo Araújo
Mestre e licenciado em antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, Eduardo Araújo fez a sua tese de mestrado sobre o movimento associativo português na Suíça. O projeto de doutoramento, com o título “Estruturação étnica e conexões transnacionais nas comunidades luso-helvéticas“, e a sua tese de mestrado, foram os temas da entrevista realizada. Atualmente é investigador do CRIA-Iscte, Centro em Rede de Investigação em Antropologia, do Iscte, Instituto Universitário de Lisboa. Os seus interesses de investigação incluem a emigração, a etnicidade, o transnacionalismo e a identidade.

 

Entrevista realizada por skype, 7 de Novembro de 2012, por Cláudia Pereira.

 

Observatório da Emigração (à frente OEm) - Talvez pudesse começar por dizer como é que o seu percurso pessoal e profissional o levou à investigação entre os imigrantes portugueses na Suíça...

Eduardo Araújo (à frente EA) - Ora bem, o meu percurso académico já está, de várias formas, ligado à emigração, mesmo antes de eu começar a trabalhar. Quando vim para antropologia, em 2001, comecei a fazer investigação no terceiro ano de licenciatura, com um estudo sobre a fronteira de Trás-os-Montes com a Galiza.

 

OEm - Desculpe, só para perceber, fez a licenciatura em Portugal...

EA - Sim. Eu fiz a licenciatura e o mestrado em antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde estou também a fazer o doutoramento. E, na altura, ao fazer um estudo sobre algumas aldeias na fronteira de Trás-os-Montes e Galiza, fiz um apontamento sobre a emigração dos anos 1960 para França. Todavia, mesmo de fora da academia eu já estava muito ligado à emigração. Tenho três irmãos mais velhos, e um deles está emigrado em Angola e outros dois na Suíça. Eu, enquanto académico iniciado sou, em certa medida, um produto do transnacionalismo, porque as relações à distância com os meus irmãos ao longo dos anos têm sido muito importantes para o desenvolvimento do meu percurso académico. Quando comecei o mestrado, o Prof. João Leal já fazia investigação sobre a emigração portuguesa e o meu trabalho final numa das cadeiras baseou-se em entrevistas a alguns emigrantes portugueses na Suíça. A partir daí foi o seguimento lógico: por um lado, tinha já alguma facilidade em aceder ao terreno das associações de emigrantes portugueses na Suíça e tinha onde ficar; por outro lado, era um campo que já me despertava bastante curiosidade.

 

OEm - Então foi numa cadeira de mestrado com o Prof. João Leal que nasceu a ideia e depois avançou para o tema geral da sua tese de mestrado, para além de já ter uma ligação pessoal à emigração...

EA - Sim, foi esse trabalho para uma cadeira de movimentos e políticas da identidade e o facto de já estar ligado à emigração pela família. A minha família está no Tessino, na Suíça italiana. Não é a zona mais representativa da emigração portuguesa, mas deu para me aperceber de algumas da dinâmicas das associações e dos emigrantes portugueses.

Eu estava habituado a fazer etnografia em grupos relativamente pequenos, algumas aldeias de Trás-os-Montes e Galiza; e aqui, na Suíça, eu estava com um objecto de estudo muito alargado, os portugueses, e para poder chegar a um grupo tão vasto tive de fazer opções. Na altura eu queria fazer investigação entre os portugueses na Suíça a partir do movimento associativo, ou seja, queria conseguir chegar a contactos mais densos e profundos com emigrantes portugueses através das associações, mas depois a parte do associativismo acabou por ser a parte central do próprio texto final do mestrado e de onde partiram as questões que agora compõem o projecto de doutoramento.

 

OEm - Daí o título da sua tese de mestrado, "Transnacionalismo e Etnicidade. O Movimento Associativo Português na Suíça".

EA - O título é o reflexo de como a descrição do associativismo acaba por ser a parte central da tese, mas também fiz alguns estudos de caso e algumas deslocações a outras partes da Suíça, nomeadamente a Genebra, onde realizei pesquisa etnográfica em algumas associações e entrevistei alguns imigrantes. No mestrado fiz um levantamento de todas as associações de portugueses existentes na Suíça.

 

OEm - Quanto tempo esteve a fazer a pesquisa etnográfica na Suíça?

EA - Durante o mestrado a investigação no terreno foi de nove meses.

 

OEm - Nove meses é muito tempo!

EA - Sim, mas diversas condicionantes prenderam-me mais do que queria ao Tessino. Por um lado, o facto de estar no Tessino também foi importante porque o número de associações de portugueses aí estava a crescer e eu tive a oportunidade de acompanhar o surgimento e o processo de criação de algumas. Por outro lado, não era o sítio mais representativo da emigração portuguesa e de algumas questões que eu queria aprofundar, nomeadamente os processos diferenciais de construção identitária das comunidades portuguesas consoante a localização e a área linguística da Suíça. Estamos a falar de um país dividido em três áreas linguísticas e 26 cantões que são na realidade países pequenos, o que se reflecte nos processos de integração dos emigrantes portugueses. O que eu considero mais importante nesse trabalho foi precisamente o levantamento de todas as associações portuguesas na Suíça. Para tal tive de consultar várias fontes bibliográficas e várias pessoas, o que foi um pouco difícil porque a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas tinha uma lista que não estava actualizada. Depois, conjuntamente com as listas dos Consulados de Portugal em Zurique e em Genebra, e da Embaixada em Berna, eu pude completar um pouco a listagem final. Entretanto havia várias associações que não estavam em nenhuma destas listas e que conheci através da pesquisa etnográfica. Também juntei outras, como as comissões de pais portugueses. No final, entre 2007 e 2008, listei cerca de 270 a 280 associações de portugueses na Suíça.

 

OEm - No total existem cerca de 280 associações de portugueses na Suíça?

EA - Sim, na altura foi o número que identifiquei. Há muitas associações recreativas que funcionam em cafés, que têm um papel social importante para a própria assunção da comunidade enquanto tal, mas ainda assim têm uma duração limitada. Ou seja, num ano podem aparecer e desaparecer algumas destas associações, o que também se relaciona com o carácter sazonal e temporário de alguma da emigração portuguesa na Suíça. Se crescer o número de população portuguesa temporária são capazes de aparecer novas associações e se diminuir o número de portugueses desaparecem algumas associações. Há uma elevada percentagem de emigração portuguesa temporária na Suíça.

 

OEm - Na sua pesquisa acabou por abordar a emigração temporária na Suíça, a sazonal...

EA - Sim, é um tipo de emigração bastante presente, especialmente em algumas áreas específicas, como hotelaria, construção civil ou agricultura, e por onde normalmente se começa o percurso migratório aqui. Mas voltando às associações, o número que identifiquei na altura do mestrado é de facto um número muito elevado para os cerca de 170 mil emigrantes portugueses que existiam na altura, em comparação com outros contextos de emigração portuguesa contemporânea. Eu lembro-me de um levantamento que o Daniel Melo fez há uns atrás em Inglaterra, ele lá identificava cerca de 50 associações de portugueses nos últimos 30 anos, para uma estimativa de cerca de 200 mil portugueses. Logo aí se percebe que é interessante esta realidade das associações na Suíça. Depois o tratamento estatístico das tipologias e da dispersão geográfica das associações de portugueses na Suíça deu alguns resultados. Por exemplo, ficaram legíveis as dificuldades de integração linguística dos portugueses na parte alemã da Suíça através da observação da dispersão geográfica das comissões de pais, que constituem uma das principais tipologias das associações de portugueses. Na parte francesa, no Oeste da Suíça, estão cerca de dois terços dos portugueses; no entanto, existem apenas cerca de uma dezena de comissões de pais portugueses na parte francesa e cerca de 60 ou 70 na parte alemã. O papel das comissões de pais é, muitas vezes, fazer a ponte entre a escola suíça e os pais portugueses: como na parte alemã os pais portugueses têm mais dificuldades com a língua, é-lhes também mais difícil ajudar os filhos na escola. Isto por comparação com a parte francesa e a italiana onde os portugueses têm muito mais facilidade em aprender a língua e, por isso, em ajudar os filhos na escola, pelo que as comissões de pais não têm tanta importância como nos cantões alemães. Neste sentido, o levantamento e o tratamento estatístico das associações permitiram-me perceber melhor estas realidades que estou agora a investigar, nomeadamente diferentes processos de integrações dos emigrantes portugueses na Suíça.

 

OEm - Os pais que pertencem às comissões de pais na parte alemã fazem parte de uma emigração relativamente recente, ou já estão lá desde os anos 1980?

EA - A emigração portuguesa para a parte alemã da Suíça é mais recente que a emigração para o lado francês. Num livro de José Carlos Marques, óptimo para entender os primeiros fluxos de portugueses para a Suíça, refere-se que foi nos anos 1990 que os portugueses se começaram a fixar mais na parte alemã. Há emigração temporária para a parte alemã da Suíça há mais tempo, mas residual e devido a especificidades: por exemplo, o cantão de Grisões - o que está mais a leste e um dos maiores - vive muito do turismo de Inverno e, por isso, há muita emigração portuguesa na parte da hotelaria e também na construção civil já antes dos anos 1990. Estes trabalhos, nas zonas de montanha, são sazonais, e uma das principais "portas de entrada" na emigração na Suíça, através da emigração temporária. Mas a emigração permanente para a parte alemã é mais recente. Julgo que o facto de os primeiros emigrantes portugueses a fixarem-se na Suíça o terem feito na parte francesa, pode estar relacionado, de alguma forma, com o final das vagas para França e com alguma afinidade linguística... A própria concentração dos portugueses na Suíça hoje em dia - que existem em maior número no lado francês do que no lado alemão, bastante mais extenso geograficamente - é reveladora de uma preferência histórica pela parte francesa.

 

OEm - A emigração permanente mais recente na parte alemã leva a que a aprendizagem da língua não esteja tão aprofundada e que os pais tenham mais dificuldades no relacionamento com a escola onde os filhos estão...

EA - Exactamente. As comissões de pais, do que tive oportunidade de observar durante os últimos dois anos (já no doutoramento), enquadram-se nesse retrato. A dificuldade não é tanto a integração linguística dos filhos, que nascem lá e aprendem a língua, mas dos pais. Essa geração, chamada a "geração um e meio", em que os filhos nasceram em Portugal e foram para a Suíça muito cedo, tem algumas actividades na área escolar para facilitar a aprendizagem.

A maioria dos portugueses no cantão de Grisões acaba por trabalhar com outros portugueses e isso traz ainda mais dificuldades na adaptação linguística, porque há uma facilidade muito grande, ao arranjar emprego na hotelaria e na construção civil, de trabalhar com outros portugueses, pelo que a maior parte não sente grande necessidade de falar a língua alemã no trabalho.

 

OEm - Acho que lhe vou pedir o levantamento estatístico das associações para podermos actualizar a lista disponível no website do Observatório.

EA - Sim, claro.

 

OEm - De que modo é que, na sua tese de mestrado, articulou o movimento associativo português com o transnacionalismo e a etnicidade?

EA - Fiz o levantamento estatístico das associações através do envio de um  questionário a cada uma das 279 associações que identifiquei no início. A primeira parte do inquérito era sobre as actividades das associações e os principais fins, tentando perceber que actividades de promoção étnica ou que tipos de actividades transnacionais são levadas a cabo; a segunda parte dirigia-se à pessoa que respondia ao inquérito, para tentar também traçar um perfil do dirigente associativo. Um dos resultados é que muito embora haja alguma propensão para o transnacionalismo no plano associativo, esse tipo de relações surgem como mais importantes no plano individual, e as associações retêm como preocupação mais central a construção étnica. Isso verifiquei também no terreno. Ou seja, não se vê tanto aquilo que os investigadores estão habituados a ver na literatura norte-americana sobre transnacionalismo, por exemplo, as "hometown associations" que normalmente têm sempre uma série de projectos na terra de origem, como o financiamento de obras, projectos de caridade, entre outras. Aqui na Suíça processa-se de forma diferente, não encontrei muitas destas associações que se dizem à partida regionalistas, talvez porque a maior parte tenta criar a etnicidade portuguesa como um todo, que consiga abraçar todos os emigrantes de diversas origens em Portugal.

Isto talvez seja assim, em parte, porque na Suíça o próprio sistema legal de controlo dos emigrantes promove - ou melhor, promovia - que os emigrantes não tivessem grande hipótese de criar raízes no mesmo sítio durante os primeiros anos. Há, ainda assim,  algumas excepções de concentração de portugueses oriundos da mesma localidade de Portugal. Por exemplo, sei que em Davos se concentram muitos emigrantes de Lamego e em Samedan, mesmo ao lado de St. Moritz, concentram-se muitos portugueses de Tarouca. Aqui, por exemplo, o presidente da câmara de Tarouca faz questão de ir todos os anos à festa da associação.

 

OEm - Como é que o sistema legal suíço fazia com que os portugueses não criassem raízes no mesmo sítio durante os primeiros anos?

EA - Até há cerca de 10 anos atrás - penso que até 2002 -as autorizações de permanência A (que já não existem) apenas permitiam às pessoas estarem o máximo de 9 meses na Suíça e o resto dos meses do ano tinham que obrigatoriamente sair. Essas autorizações também não permitiam alugar casa na Suíça, comprar carro ou mudar de cantão e uma série de outras restrições que faziam com que os emigrantes viessem exclusivamente para trabalhar durante aquele período e depois fossem embora. Era o empregador que tinha de fornecer alojamento. No caso da hotelaria normalmente há instalações para os funcionários residirem; na construção e na agricultura vivem normalmente em apartamentos ou quartos em residências alugados pelos patrões.

A propósito disto, há uma frase irónica, de um autor que se chama Max Frisch, um novelista suíço, de meados do séc. XX, que uma vez disse: we asked for labours, and human beings came instead. Ou seja, era uma política activa para as pessoas virem só trabalhar e irem embora. Mas, na verdade, as pessoas continuam a viver, e chamam casa ao espaço onde vivem. Quando as pessoas mudavam para os contratos anuais então conseguiam a permissão B e já não tinham as limitações destas autorizações de permanência temporária. Em 2002 um estatuto tão discriminador como este já soava bastante mal na política da Suíça, várias pessoas manifestavam-se contra há muito tempo, e após um referendo foi substituído pela autorização de permanência temporária L, que já permite ter contrato anual, alugar casa e uma série de outras coisas que o anterior não permitia. Portanto, hoje em dia já se começa a ver uma maior abertura por parte do governo federal. Penso que a palavra "integração" até há pouco tempo não existia no léxico legal suíço.

 

OEm - Não existia a palavra integração no discurso político porque se pretendia que as pessoas fossem trabalhar e voltassem para as suas origens...

EA - Não existia de todo. A própria lei federal sobre a imigração não se chama lei de imigração, é a lei federal sobre a fixação e residência de estrangeiros. Hoje começa, ainda assim, a haver maior abertura, tanto a nível federal como a nível cantonal. Por exemplo, a comissão de pais na zona de Davos, de que lhe falava há pouco, tem hoje uma parceria interessante com o governo cantonal, com um gabinete para a integração de imigrantes.

 

OEm - E o que é que faz esse gabinete de integração de imigrantes?

EA - Eles tentam precisamente ajudar associações que já faziam a ponte entre uma série de instituições suíças e os imigrantes, com sessões de esclarecimento, apoio técnico, traduções, etc. Por exemplo, veio ajudar em muitas das carências destas associações de pais. Mas o que é importante sublinhar é que aqui já são as próprias autoridades estatais a mostrar que têm mais abertura para estes problemas.

 

OEm - Voltando um pouco atrás, percebeu que as associações de portugueses na Suíça tentavam abarcar Portugal como um todo, pelo facto de representarem imigrantes de várias localidades de origem?

EA - Precisamente. O que eu notei foi que, apesar de haver, através de algumas práticas, uma inclinação para o transnacionalismo por parte das associações, a motivação principal na maioria das colectividades é a construção de uma imagem portuguesa para o exterior, a projecção de uma identidade. Notei, portanto, que as associações portuguesas na sua maioria são de tipo étnico, mas mais nacional do que regional. Ainda assim o transnacionalismo tem um papel relativamente importante nas vidas das associações. Por outras palavras, o transnacionalismo existe, por exemplo nas relações institucionais do movimento associativo e que ocorrem esporadicamente, mas observam-se mais e de forma mais intensiva no nível pessoal. O desenvolvimento das telecomunicações, por exemplo, permite uma construção ou reconstrução muito mais constante das redes sociais. De uma forma inversa, por exemplo, eu vejo muitas pessoas que voltaram para a terra de origem em Portugal e que usam pela primeira vez a Internet para falarem diariamente com os filhos e os netos na Suíça. O transnacionalismo sente-se muito a nível pessoal, talvez pela proximidade e pelas facilidades de comunicação, e é visível: no contacto diário entre pessoas dos dois países; nas viagens regulares, que são muito frequentes; no envio de remessas - a Suíça é o segundo país do mundo a enviar mais remessas para Portugal, o primeiro é França. Se juntarmos as remessas enviadas da Suíça e de França, o valor é mais alto do que as enviadas pelo resto do mundo todo para Portugal, por exemplo...

 

OEm - Para sintetizar, o transnacionalismo vê-se mais na comunicação entre a Suíça e Portugal a nível individual e não tanto através da estrutura das associações em si, é isso?

EA - Sim. A maioria dos dirigentes das associações, quando respondeu ao inquérito, afirmou que as relações efectivas com Portugal eram importantes, como algumas relações institucionais, por exemplo, as ligações a um clube de futebol. Mas quando chegava à parte do inquérito que era dirigido à pessoa, e não à associação, as relações efectivas com Portugal eram muito mais importantes, com contactos diários, envio de remessas e envio ou recepção de encomendas, viagens regulares, etc.

 

OEm - Uma última pergunta sobre a sua tese de mestrado. Pode descrever a tipologia mais comum de associação de portugueses na Suíça?

EA - A tipologia que predomina é também a mais importante em termos de sociabilidade, com um activismo étnico: são as associações recreativas, que normalmente têm dois lados para lá da sede enquanto centro de sociabilidade, como o folclore e o futebol. Há muitas associações que têm um rancho de folclore e um clube de futebol, ou um deles, mas depois também há ranchos de folclore e clubes de futebol que são totalmente independentes das associações. No fundo, são as associações que trabalham para passar para o exterior uma identidade portuguesa. Isto, se pusermos de lado as comissões de pais que são específicas, não são um ponto de encontro da comunidade.

 

OEm - As sedes das associações são normalmente cafés?

EA - Estas associações normalmente têm um espaço para as pessoas se encontrarem, mas na maioria dos casos existe um café como ponto de sociabilidade; quando não há, organizam-se eventos com regularidade, como jantares, por exemplo.

 

OEm - Já foi falando da sua tese de doutoramento ao longo das últimas questões, cujo título é: "Estruturação étnica e conexões transnacionais nas comunidades luso-helvéticas".

EA - É verdade. O projecto começou em 2009 e já terminei o segundo ano de trabalho de campo. Eu sabia já que havia características diferenciais nos processos de adaptação dos portugueses na Suíça consoante a zona geográfica e linguística em que se encontravam. Daí eu não referir uma comunidade portuguesa, mas sim comunidades luso-helvéticas, para dar a perceber os diferentes processos de integração cultural em diversos locais da Suíça. Num contexto migratório não se coloca a questão da identidade nacional mas a da etnicidade, onde há sempre um trabalho de tradução e reconstrução da identidade para ser inteligível para um contexto exterior estranho.

Para este projecto, foquei-me em três regiões da Suíça. No primeiro ano fiz trabalho de terreno no cantão de Genebra, onde há maior concentração de portugueses (cerca de 40 mil), e onde há uma maior visibilidade da comunidade e a emigração portuguesa é mais antiga (já desde final dos anos 1970). No segundo ano foquei-me no cantão de Grisões, de língua alemã, com prevalência de emigração temporária e sazonal, diferente da parte francesa, e com uma maior dispersão geográfica, já que as cidades são comparativamente mais pequenas. O facto de ter familiares no Tessino, na parte italiana, levou-me também a focar nesta região geográfica e linguística, onde o número de portugueses é crescente e permite a comparação com os das outras duas zonas que referi.

Para além destes três contextos que tenho trabalhado na Suíça, também tenho direcionado o meu trabalho de campo, sempre que posso, para comunidades portuguesas do Norte e Interior de Portugal de grande emigração para a Suíça, nomeadamente algumas aldeias dos concelhos de Tarouca e de Lamego.

 

OEm - Tenta localizar na Suíça, ou em Portugal, as pessoas dessas aldeias?

EA - Eu estava a tentar ver os níveis de estruturação étnica das comunidades e a complexidade institucional desses três diferentes locais e zonas linguísticas. Ou seja, na estruturação étnica da comunidade queria focar-me no papel do associativismo; na parte do transnacionalismo queria situar a sua importância ao nível institucional das associações e ao nível pessoal, para poder perceber como o transnacionalismo é vivido e discursado. Quando fui aprofundando as ligações do transnacionalismo tentava traçá-las até Portugal, junto das organizações em Portugal, e acompanhei emigrantes desde o destino até aos seus familiares e amigos na origem, mas também fui conhecendo ex-emigrantes e futuros emigrantes ao longo dos períodos de trabalho de terreno ali.

 

OEm - Mais precisamente, em aldeias do concelho de Tarouca e Lamego?

EA - Sim, eu já sabia de antemão que eram zonas de forte emigração para a Suíça desde os anos 1980. Depois isso foi-me útil porque coincidem, nos locais onde fiz o trabalho de campo, com alguns dos maiores aglomerados de portugueses por localidade de origem.

 

OEm - Poderá explicar o que entende por estruturação étnica e complexidade institucional? No fundo, perceber como se estrutura a identidade portuguesa dos emigrantes na Suíça na interacção com as instituições?

EA - Era perceber a solidez institucional da comunidade. Por exemplo, é perfeitamente possível um português em Genebra acordar de manhã e ir a um café português, ler o jornal português, almoçar num restaurante português, ir para o emprego com um patrão português e no final do dia ir para casa ver televisão portuguesa. É possível viver em Portugal fora de Portugal, praticamente. Em Genebra essa complexidade institucional é grande - por exemplo, é o único sítio do país onde há uma livraria portuguesa.

 

OEm - Poderá também especificar o que entende por transnacionalismo? Trata-se, em termos gerais, das relações que os portugueses emigrados na Suíça estabelecem com Portugal, e vice-versa?

EA - Sim, limitando o conceito às ligações efectivas, aquelas que ultrapassam realmente as fronteiras. Este conceito foi cunhado em 1992, com a Nina Glick Schiller, a Linda Basch e a Cristina Szanton-Blanc, tendo os âmbitos da sua aplicação vindo a ser revistos mais tarde por vários autores, como Alejandro Portes, entre outros. É bastante importante na medida em que nos obriga a pensar a construção das identidades para lá das fronteiras nacionais, sublinhando a importância dos processos que envolvem dois territórios e duas nações em simultâneo. A análise das práticas transnacionais põe em evidência que a construção das identidades não se faz apenas no destino migratório.

 

OEm - Portanto, realizou uma pesquisa etnográfica multi-situada e bastante extensa, tanto em termos geográficos como de tempo, dois anos e meio...

EA - Sim, é verdade. Tenho também tentado dar atenção à segunda geração, para além do que já falámos.

 

OEm - Refere-se aos filhos de pais emigrantes?

EA - Sim, nascidos na Suíça ou os da que chamam a "geração um e meio", que nasceram em Portugal mas vieram muito novos e já fizeram o sistema de ensino suíço. Nesse sentido, o acompanhamento de algumas famílias de emigrantes foi algo que já surgiu a meio da pesquisa, e consegui fazê-lo em alguns eventos na Suíça e em Portugal, o que me permitiu observar mais de perto a integração dos filhos desses casais na escola suíça. Seleccionei casais das três zonas linguísticas da Suíça para os poder comparar entre si. A minha porta de entrada foi, de facto, o associativismo e, a partir dos dirigentes associativos e das pessoas que fui conhecendo nas associações, acabei por delinear este percurso na pesquisa.

 

OEm - Já referiu vários dados da sua tese de doutoramento, que se encontra a realizar. Quer destacar mais algum?

EA - Há um outro aspecto: acompanhei pessoas a emigrarem para a Suíça. O número de portugueses tem aumentado bastante nos últimos anos. Penso que em 2012 foram a nacionalidade de onde vieram mais emigrantes para a Suíça. Há muitos anos que já são a terceira maior comunidade estrangeira residente. Há cerca de mais 50 mil portugueses cá do que quando estive há cinco anos, cresceu bastante. O perfil dos portugueses que emigram agora alterou-se um pouco, também.

 

OEm - No que é que acha que os emigrantes portugueses mais recentes na Suíça são diferentes?

EA - Há muito mais qualificados a emigrar, por exemplo. Deve-se à crise económica, mas também ao facto de Portugal ter muito mais licenciados do que tinha antes. Os outros emigrantes menos qualificados, mais comuns no perfil de emigrante da Suíça, continuam a vir. Há uma diferença que observei no trabalho de campo em Portugal: inúmeras pessoas com 40, 50 ou 60 ou mais anos, no fim da idade activa, que nunca saíram da sua terra e pela primeira vez emigram, por não terem trabalho. As redes sociais e de parentesco que permitem alguma mobilidade para a Suíça estão muito presentes nestas aldeias onde tenho realizado pesquisa etnográfica. Redes que já se estendem desde há várias décadas.

 

OEm - Agora há, então, uma emigração mais qualificada e uma população que já está no final da idade activa e resolve emigrar para a Suíça, apesar de nunca ter emigrado antes, porque não encontra emprego em Portugal. Acha que não encontram qualquer emprego, ou emprego nas suas áreas?

EA - Penso que é a falta de emprego, em conjunto com o facto de o mercado de trabalho na Suíça ser muito apetecível, e com o facto de haver redes de emigração bastante vivas, por assim dizer. Ganha-se muito dinheiro aqui, o país é caro, de facto o custo de vida é bastante elevado, mas os salários que auferem aqui fazem com que... por exemplo, uma empregada num hotel como camareira ganha cerca de 3.000, 3.500 francos por mês, isto é cerca de 3.000€ por mês. É óbvio que é caro alugar cá uma casa, mas se por exemplo for duas vezes mais caro, como se ganha quatro vezes mais cá, torna-se muito apetecível. Há muitos portugueses com qualificações a procurar emprego cá, mas também há muito emigrantes qualificados que, não tendo emprego em Portugal, e não conseguindo encontrar emprego qualificado na Suíça, vão trabalhar para empregos que não exigem qualificação.

 

OEm - Portanto há emigrantes qualificados que trabalham aí nas suas áreas, mas há outros qualificados que começam por trabalhar em qualquer área...?

EA - Sim.

 

OEm - Os emigrantes qualificados são de alguma área particular, ou de várias?

EA - Dos que conheço, não detectei nenhuma área em particular. Conheci várias pessoas na área da saúde, como médicos, dentistas e enfermeiros. Na zona de Genebra há algumas pessoas da área da arquitectura e da física. Os emigrantes qualificados que tenho conhecido cá estão a trabalhar nas suas áreas; os emigrantes com qualificações que tenho conhecido ainda em Portugal, antes de saírem, têm muitas vezes arranjado cá emprego para o qual não são necessárias qualificações. Isto tem a ver com o facto de as aldeias de Portugal onde tenho feito trabalho de campo, de Lamego e Tarouca, já terem uma rede social transnacional muito forte da emigração mais antiga, cujos familiares e amigos mantêm uma relação muito estreita e próxima com as pessoas que estão emigradas.

 

OEm - A maioria dos portugueses na Suíça frequenta as associações de portugueses, ou grande parte não as frequenta? Tem informação sobre isso?

EA - Tenho, de facto, de ter algum cuidado quando falo de grupos, porque os grupos são constituídos por muitas pessoas e a identidade grupal em cada um dos indivíduos é muito variada. A maioria dos portugueses não terá grande contacto com o movimento associativo. Em Genebra acredito que o associativismo tenha cumprido a função de agregar as sociabilidades talvez nos anos 1980, hoje em dia não faz grande sentido que os portugueses se juntem numa associação, até porque em todas as ruas há um café português. A própria comunidade já tem meios suficientes para o movimento associativo se poder dedicar a outros aspectos que não seja o da sociabilidade. Nas zonas onde a comunidade portuguesa não está tão enraizada, e onde as associações ainda cumprem esse papel da sociabilidade, como aqui no caso do Tessino... Posso dizer, por exemplo, que há uma associação recreativa, em Locarno, que tem mantido há vários anos o papel de ser o principal ponto de sociabilidade de portugueses da região. Ainda assim, na própria cidade eu conheço muitos emigrantes portugueses que não costumam frequentar a associação, mas quando nalgum momento específico surge a necessidade da activação da identidade grupal, por assim dizer, como um jogo de futebol no Euro, é aí que parte a tal mobilização da identidade portuguesa e as pessoas aderem aos centros mobilizadores. Em Genebra, havendo ainda assim associações recreativas, não há tanto a necessidade das associações cumprirem com o papel de sociabilidade. Na maior parte das regiões da Suíça, onde não há uma concentração tão grande de portugueses e onde a emigração não é tão antiga, as associações cumprem ainda com o papel mais importante da sociabilidade e da integração inicial dos emigrantes.

 

Como citar  Pereira, Cláudia (2013), "Associativismo e adaptação dos portugueses na Suíça: entrevista a Eduardo Araújo", Observatório da Emigração, 7 de novembro de 2012. http://observatorioemigracao.pt/np4/4680.html 

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