Entrevista realizada por escrito, em galego (e posteriormente traduzida para português), Março de 2013, por Filipa Pinho.
Observatório da Emigração (à frente OEm) - Como é que lhe surgiu o interesse por estudar a emigração de portugueses para a Galiza?
Daniel Arias (à frente DA) - Existem dois pontos chave, no meu caso, para a resposta. Por um lado, a assimilação de ideias e questões pessoais, como seja o facto de ter morado em Portugal e de isso ter despertado uma grande curiosidade em mim sobre as relações existentes entre as duas nações. Sempre me senti muito próximo de Portugal, reconhecendo grandes semelhanças entre os dois lados da fronteira; especialmente entre as pessoas idosas, quando estava lá as pessoas portuguesas de idade avançada lembravam-me as pessoas velhas da minha aldeia. Quando ia pela estrada, também me chamava muito a atenção, entre outras coisas, ver as mesmas plantações e as mesmas formas de trabalhar a terra. Indo para Castela os modos de produção eram, pelo contrário, totalmente diferentes, e até as pessoas também se distanciavam mais dos galegos do que os portugueses no Norte. Pode dizer-se que, ainda que dentro do Programa Erasmus, fui um emigrante galego em Portugal.
Por outro lado, eu sempre tive grande interesse no estudo das migrações, o que me levou a ir fazer um mestrado sobre migrações internacionais. Com o estudo da disciplina, vim a perceber que a maior comunidade estrangeira a viver na Galiza é a portuguesa, seguida pela brasileira, enquanto no conjunto de Espanha são os romenos, os equatorianos e os marroquinos; isto era a evidência que estava à procura para começar o estudo das migrações dos portugueses que vieram para a Galiza. Este facto é o que representa o meu maior objetivo de estudo, dentro da tese de doutoramento, o de perceber qual a necessidade de determinado grupo de pessoas portuguesas emigrarem para a Galiza; centrando-me especialmente nas localizações rurais, aliás, percentualmente é a maioria, ao contrário do conjunto dos imigrantes que preferem as cidades. Acho que isto se passa porque a maioria dos portugueses migrantes procede também de localizações rurais e encontra uma rápida integração no âmbito rural. Outro ponto a destacar é que muitos destes migrantes se situam em zonas fronteiriças, especialmente em Ourense, o que faz colocar a hipótese de que em determinados lugares a fronteira está muito diluída.
OEm - É por isso que diz que a migração para a Galiza é entendida como uma migração interna? Pode desenvolver o argumento?
DA - Como respondia na primeira pergunta, a relação entre a Galiza e Portugal é muito grande, desde a língua até ao carácter, os jeitos de trabalhar a terra, a orografia... Há muitas semelhanças, realmente. Além disto, os portugueses, da mesma forma que os galegos, são pessoas acostumadas a emigrar. Penso que a emigração não é nada de novo para nós e, então, comparar ir para o Luxemburgo, França ou Venezuela, com ir para a Galiza, não tem nada que ver. Depois, migração interna ou migração internacional é um ponto que estou a desenvolver agora na minha tese de doutoramento; o estado é o que dá a nacionalidade e migrar sempre apresenta dificuldades, ainda que seja dentro de um mesmo espaço. Eu considero que os portugueses na Galiza têm grandes carências ao nível jurídico e também laboral, então nisto não é uma migração interna; mas depois, a adaptação e o facto de passar a fronteira, num nível cultural, não é uma grande mudança.
Em todo o caso, migrar é um processo individual e a verdade das migrações está em cada uma das pessoas que tem de ir para longe da sua vida habitual para ganhar o pão; um migrante pode entender a sua migração como interna e outro como internacional; de qualquer forma, claro que juridicamente os portugueses que vêm para a Galiza trabalhar estão a efectuar uma migração internacional.
OEm - Qual era/é o perfil dos migrantes? Quando migraram? Para que actividades?
DA - O perfil, o período e as actividades são muito variados; as migrações entre a Galiza e Portugal constituem um feito histórico e presente. Os galegos emigraram para Portugal e continuam a emigrar, e os portugueses vêm e vieram para a Galiza, pois só há um rio entre os dois lados e não um rio como o Tejo ou o Douro, o Minho não é grande coisa e em Ourense, com Trás-os-Montes e Alto Douro, nem rio há. Hoje mesmo, estive a ler um documento no qual se mostra como já no século XVIII existia uma grande preocupação entre os governantes espanhóis porque os galegos preferiam ir trabalhar para Portugal do que para Castela, e isto apresentava um ganho de força de trabalho para o reino inimigo.
Ora bem, na actualidade eu pude reconhecer dois grandes grupos de imigrantes portugueses. O mais numeroso é o dos que levam a cabo os movimentos pendulares baseados num diferencial salarial existente; este tipo de migração teve o grande sucesso durante os anos em que em Espanha se construía sem controlo, pelo que a maioria trabalhava na construção civil. Ainda que o número tenha descrescido, porque explodiu a bolha da construção, ainda são muitos os portugueses que trabalham neste sector na Galiza, e em qualquer das obras que há na Galiza não é difícil encontrar portugueses a trabalhar.
Depois haveria a outra modalidade de migração, a que mais me interessa nas minhas investigações, isto é, os migrantes mais tradicionais e que estão fixados na Galiza, chegados em diferentes momentos e por diferentes razões, alguns escapando às guerras coloniais, outros num processo de retorno numa emigração anterior em que casaram com um(a) galego(a), também pessoas que tiveram problemas de algum tipo (familiares ou legais) em Portugal; ou mesmo outros que vieram para trabalhar em alguma quintas, na colheita do milho ou nas vindimas, durante um período curto mas aqui iam ficar. Estes migrantes atualmente estão estabelecidos na Galiza e aqui fazem uma vida totalmente normal.
Quando eu fiz a minha tese de mestrado encontrei, durante o trabalho de campo, uma grande diferença entre os primeiros e os segundos: os trabalhadores da construção civil não estavam estabelecidos na Galiza, tinham as suas famílias em Portugal e voltavam lá todos os fins de semana; os que vieram em momentos sucessivos e por diferentes motivos estavam integrados, moravam em áreas rurais e tinham um grande apego pela terra e muitos deles trabalhavam no sector primário.
OEm - Estamos a falar de quantos migrantes? E nascidos em Portugal, ou de nacionalidade portuguesa?
DA - No ano 2011, que é o último ano do que agora mesmo tenho dados, moravam, na Galiza, mais de 26.000 pessoas nascidas em Portugal, das quais cerca de 6.000 tinha nacionalidade espanhola e 20.000 estrangeira (portuguesa ou outras). Trata-se da maior comunidade estrangeira na Galiza, seguida pelos brasileiros, dos quais suspeito que muitos sejam procedentes de Portugal (à volta de 18.000 pessoas nascidas no Brasil moram na Galiza). Na Galiza os portugueses representam 12% da população inmigrante, enquanto no total da Espanha são 2%.
Neste quadro pode ver-se o número de pessoas de nacionalidade portuguesa que moram na Galiza, repartidas por ano, o quadro é de elaboração própria com dados do instituto espanhol de estatística. Na última década existe uma clara tendência de aumento dos portugueses, mas agora com a crise não sabemos o que acontecerá.
Na minha primeira investigação que tinha feito especialmente com um caráter exploratório, deparei-me com o facto de nenhuma das pessoas que entrevistei tinha nacionalidade espanhola e nenhuma tinha intenção de mudar esta situação. Eu fiz uma análise qualitativa, pelo que a representação não é elevada, mas foi curioso ver como nenhuma das 30 pessoas entrevistadas queria ter a nacionalidade espanhola. Para mim tem sido engraçado verificar a relação dos portugueses com a nacionalidade espanhola: um grupo de trabalhadores do sector florestal que vinham mesmo duma aldeia situada na fronteira disse-me que se fosse uma nacionalidade galega não se importariam de ter, mas a espanhola não a queriam.
OEm - Diz que as cidadanias se encontram diferenciadas em relação ao voto e ao acesso ao mercado laboral; neste segundo aspecto, nota-se como?
DA - Em relação ao mercado laboral, eu fiz um grupo de discussão com trabalhadores da construção civil, muito clarificante, e eles denominavam-se a si próprios como "pretogueses", com o que isto compreende, e diziam que faziam mais horas do que os espanhóis e ganhavam menos. Sobretudo no caso das migrações pendulares de trabalhadores da construção civil é fácil comprender o que se passava aqui, há que saber que na Galiza a taxa de desemprego não baixou dos 15% nos melhores anos, isto é, no lugar dos portugueses podiam estar a trabalhar galegos; que acontece é que neste momento os galegos pediam uns salários e os empresários ofereciam outros. Então, como existe um diferencial salarial entre Galiza e Portugal, os empresários encontraram a solução para pagar menos, que é a de trazer trabalhadores portugueses, aos quais compansava porque iam ganhar mais na Galiza do que se fosse em Portugal, e sem terem de se deslocar definitivamente. No trabalho que apresentei no VII Congresso Português de Sociologia, considerava isto como dumping laboral, acho que isto é uma dinâmica presente em muitos dos espaços fronteiriços que há na Europa.
Por outro lado, também havia outros sectores onde não trabalhavam apenas galegos e que foram cobertos por portugueses. Isto representa a teoria do mercado laboral dual, da que falava Piore; estou a pensar nas quintas onde os pequenos proprietários não podiam pagar bons salários e eram muitos os portugueses que acediam a trabalhar aí, porque não havia galegos dispostos a trabalhar naquelas condições. É minha opinião que, se há um mercado laboral dual, não se pode considerar que os migrantes tenham uma cidadania completa.
OEm - Quer acrescentar alguma coisa relativamente ao seu trabalho?
DA - Neste momento, está em curso o meu projecto de doutoramento. Estou disponível para esclarecimentos que sejam precisos, mas ainda estou a trabalhar e não consigo adiantar mais resultados.
Como citar Pinho, Filipa (2013), "A emigração não é novidade para os portugueses: entrevista a Daniel Arias", Observatório da Emigração, março de 2013. http://observatorioemigracao.pt/np4/4678.html