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Emigrantes e investimento no turismo
Rossana Santos
Doutorada, mestre e licenciada em turismo, Rossana Santos integra a linha de investigação “Território, Desenvolvimento e Atractividade Turística” da unidade de investigação em governança, competitividade e políticas públicas da Universidade de Aveiro e é docente no ISLA Gaia.

 

Entrevista realizada em Aveiro, 2 de Setembro de 2013, por Filipa Pinho. 

 

Observatório da Emigração (à frente OEm) -  Geralmente, começamos estas entrevistas com o percurso dos entrevistados até ao estudo sobre a emigração portuguesa...O que a levou a estudar a emigração, neste caso na área do turismo, no seu projeto de doutoramento?

Rossana Santos (à frente RS) - O meu tema não era a emigração. Inicialmente, o meu objetivo era estudar se o turismo residencial pode contribuir para o desenvolvimento rural em Portugal. Tendo identificado, por um lado, uma relação entre as residências secundárias (designação adotada pelo INE) e a emigração portuguesa e, por outro lado, tendo percebido o potencial efeito multiplicador de emprego e de rendimento do sector do turismo, comparativamente com outros sectores da economia, propus-me a estudar a relação entre a emigração portuguesa e o desenvolvimento do turismo.

 

OEm - A sua área disciplinar do doutoramento é o turismo. Qual é a sua formação de base?

RS - Licenciada, mestre e doutorada em turismo.

 

OEm - Então, voltando à sua tese, de que forma estudou a relação de que falava? Como era o seu projeto e quais eram os seus objetivos?

RS - O objetivo do trabalho era o que referi. A partir daí, em termos metodológicos, a minha principal preocupação era inquirir o maior número possível de emigrantes portugueses. E a população de emigrantes portugueses, como também deve saber, não é possível de apurar...

 

OEm - Sim, não conseguimos delimitar rigorosamente o universo.

RS - A melhor opção seria inquirir o maior número possível de emigrantes portugueses e, portanto, procurei utilizar uma metodologia que me permitisse esse objetivo. A inquirição começou por ser através do método do correio, foram enviadas quatro mil cartas para as residências dos emigrantes. Para conseguir as moradas, tive um apoio fantástico de algumas autarquias locais, que foram selecionadas no âmbito do processo de amostragem. E, também, de publicações regionais associadas a esses concelhos, cujos assinantes são emigrantes e, portanto, essa listagem foi-me cedida. Foram selecionados os conselhos com maior número de residência de origem de emigrantes, depois de um estudo prévio em que as identifiquei.

 

OEm - Como é que conseguiu saber as residências de origem dos emigrantes?

RS - Tive de efetuar um estudo para as poder identificar, através de estatísticas recolhidas no INE. Na altura ainda não havia dados do Censo de 2011 disponíveis, trabalhei com os do Censo de 2001. E foi com esses dados que consegui identificar essa relação das residências secundárias com a emigração portuguesa e, depois, com as residências de origem dos emigrantes portugueses. Tendo identificado as residências de origem dos emigrantes, fui selecionar os concelhos onde há uma maior concentração, para reunir uma amostra de publicações regionais associadas a esses concelhos. Portanto, contactei as publicações regionais para me cederem as moradas dos emigrantes assinantes dessas publicações. E pedi apoio às autarquias locais, solicitei aos respetivos presidentes de câmara uma carta de incentivo para o preenchimento e devolução do inquérito, explicando o teor do estudo. Este foi o primeiro método do envio das cartas pelo correio. Não foi o mais eficaz, a percentagem de respostas foi muito baixa. Se obtivéssemos uma taxa de 20% eu consideraria um bom resultado; e foram menos, cerca de 10%. De qualquer das formas, tentei utilizar todos os métodos possíveis.

 

OEm - Qual foi o passo seguinte?

RS - O segundo passo foi criar uma página do projeto no Facebook. É uma rede muito utilizada e abrange pessoas diferenciadas, ou seja, não apenas jovens nem apenas formadas. E, portanto, permitia-me recolher uma amostra mais diversificada e próxima da população. Daí o Facebook e não o Linkedin ou o Tweeter, que são mais específicas. Foi, então, criada a página do estudo, onde administrei o questionário. Paralelamente, essa página foi divulgada pela RTP Internacional, pela RDP Internacional e pela RDP África. Eles fizeram a parte da divulgação, mas a administração do questionário foi na página do estudo, no Facebook. Outro método utilizado foi através de cantores de música portuguesa, que administraram o questionário nas próprias páginas oficiais [1].

 

OEm - Portanto, as pessoas respondiam diretamente no Facebook?

RS - Diretamente no Facebook, através de uma hiperligação onde se entrava diretamente para o questionário.

 

OEm - É por isso que depois a Rossana agradece ao Tony Carreira e à Ana Moura, etc.?

RS - Tal e qual. Foi uma colaboração excelente da parte desses cantores que, no fundo, tiveram o intuito de contribuir para o desenvolvimento regional. E é de louvar a atitude deles. Esse método permitiu-me, portanto, obter um número significativo de respostas. Depois, o trabalho que foi feito pela comunicação social em termos de divulgação, contribuiu igualmente para as respostas obtidas. No final, consegui obter 5.157 questionários preenchidos válidos.

 

OEm - O questionário era igual ao que tinha sido enviado por carta?

RS - Sim, igual.

 

OEm - Foi tratado, portanto, em conjunto?

RS - Tudo igual. As instruções eram diferentes, claro, porque digitalmente são mais intuitivas do que em papel, que têm de ser escritas.

 

OEm - Que tipo de perguntas o questionário tinha? Identificava o país de destino, com certeza...

RS - O perfil socioeconómico do emigrante, dados sobre a trajetória do emigrante (país, data da saída - pelo menos a primeira vez), num total de 49 questões.

 

OEm - A amostra englobava também emigrantes já retornados?

RS - Não, apenas emigrantes ativos. A amostra recolhida identifica lusodescendentes e emigrantes portugueses diretos, sendo quase metade da amostra proveniente de áreas rurais e os restantes provenientes de áreas mais desenvolvidas.

 

OEm - Independentemente do país onde estivessem?

RS - Sim.

 

OEm - E tinham de ter casa cá?

RS - Não, não. Era aberto. Claro que depois havia uma secção no questionário em que me interessava particularmente inquirir apenas aqueles que tinham residência construída de raiz em Portugal e foi, naturalmente, feita uma filtragem para inquirir apenas essas pessoas. Assim como me interessou, num outro momento do questionário, inquirir apenas os emigrantes que se encontravam em idade ativa, no sentido de ver até que ponto poderiam contribuir para o desenvolvimento do turismo e, consequentemente, para o desenvolvimento rural em Portugal. Havia uma outra secção, ainda, também no mesmo questionário, onde inquiri apenas emigrantes do sexo feminino, para ver até que ponto as suas casas construídas de raiz em Portugal podem potenciar o lugar que a mulher possa querer assumir na sociedade em geral. Saber que condições objetivas - poderem usufruir de mais espaço nessa casa, por exemplo - podem potenciar tornar a sua casa como local de trabalho, cedendo a sua casa a exploração turística, podem levar a melhorar também o seu rendimento e a sua posição na sociedade. O questionário tinha um conjunto de perguntas relativas ao que eu pretendi apurar a este respeito, mas tinha a ver com as residências construídas de raiz e a relação com a melhoria da posição do emigrante do género feminino no mercado de trabalho e, portanto, na sociedade em geral. Tem a ver com essa relação, e através do turismo, claramente, porque é a área em que tenho estado a trabalhar.

 

OEm - E as questões centrais, que fossem transversais a todos os inquiridos, eram aferir que potencial haveria para o desenvolvimento?

RS - Emigrantes que tinham construído residência de raiz em Portugal, emigrantes em idade ativa, e emigrantes do género feminino. Foram essas as filtragens.

 

OEm - No caso dos emigrantes em idade ativa, o que se pretendia?

RS - No caso dos ativos, pretendia perceber até que ponto o regresso e a fixação desses emigrantes poderiam contribuir para o desenvolvimento do turismo em Portugal.

 

OEm - E de que forma conseguia saber isso?

RS - Em primeiro lugar, perguntando se estariam dispostos a regressar e a fixarem-se em Portugal. E, em caso afirmativo, quais as condições para que isso pudesse vir a acontecer num futuro próximo. Por outro lado, quais as áreas em que eles gostariam, particularmente, de investir em Portugal. E foi a área do turismo claramente a mais selecionada. Saber, também, até que ponto gostariam não só de investir, mas poder exercer... Uma coisa é investir, outra é trabalhar na área do turismo, e procurei também determinar qual o interesse deles em poder ter uma atividade profissional nessa área. E, portanto, se tinham capital suficiente para investirem, de facto, num negócio em Portugal. Na área do turismo, então, qual o subsetor em que eles mais gostariam também de investir. Creio que foi basicamente isto.

 

OEm - E em termos de resultados, referiu atrás que o turismo tinha tido a maior representação. Algum subsetor em especial?

RS - O turismo foi o setor mais selecionado, sim, em termos de pretensão de investimento. Os subsetores mais selecionados foram a hotelaria e outros serviços de alojamento, restauração e serviços recreativos e outros serviços de lazer. Tanto, que um dos fatores que eles mais mencionam para pretenderem regressar e fixarem-se em Portugal é, de facto, poderem exercer uma atividade remunerada por conta própria na área do turismo. Poderem regressar com os filhos, terem um estilo de vida rural e exercerem uma atividade remunerada por conta própria na área do turismo. O emprego nesta área depende, sobretudo, da sua  influência nas decisões da comunidade, da existência de infraestruturas de lazer/recreio no local de origem e da necessidade de segurança.

 

OEm - Nessa amostra, chegou a perguntar quem é que já tinha investido cá?

RS - Não. Se tinham investido, ou não, não. A única questão que se colocou era se gostaria de investir em Portugal e, em caso afirmativo, em que setores de atividade económica (primário, secundário ou terciário) é que gostariam, de facto, de o poder fazer. E isso, obviamente desagregado pelos setores de atividade económica. E podíamos identificar, então, com rigor, o sector, onde se destacou o do turismo.

 

OEm - E era para fazer um investimento com que tipo de características? Algumas relacionadas com os países em que tinham estado?

RS - Isso não foi perguntado.

 

OEm - E que outros resultados podem ser referidos?

RS - A secção sobre o investimento e o emprego no setor do turismo em Portugal era a crucial para identificar o perfil do emigrante com maior propensão para o regresso. Paralelamente a isso, então, identifiquei o perfil demográfico socioeconómico deste emigrante. A faixa etária mais representada é a dos 18 aos 39 anos (54,4%). Cerca de metade dos emigrantes em idade ativa (49%) que foram inquiridos afirmou que gostaria de regressar a Portugal e fixar-se no local de origem e 29,4% mencionam  que é uma possibilidade, enquanto apenas 13% negam esse cenário. Contudo, apenas 31,9% é que têm capital suficiente para investir e pretendem regressar, investir e exercer uma atividade remunerada por conta própria na área do turismo. No geral, este emigrante que mais pode contribuir para o desenvolvimento do turismo em Portugal tem poucos novos conhecimentos na área do turismo. Mesmo assim, é este emigrante que mais se aproxima daquilo que é pretendido. Porque grande parte tem experiência profissional na área do turismo, embora com cursos superiores em áreas de formação diferentes. Portanto, isto significa que há aqui uma lacuna e que devemos tentar dar resposta a essas necessidades de formação nesta área. Se as pessoas têm vontade de investir e de trabalhar nesta área, têm que ter, obviamente, uma formação adequada para esse efeito. Ainda ao nível do perfil, o emigrante que mais pode contribuir para o desenvolvimento económico em Portugal, pela via do turismo, é o emigrante que tem residência numa área rural no país. Quando me refiro a áreas rurais, não estive minimamente preocupada em distinguir áreas rurais, um geógrafo poderia dedicar depois a esse tipo de estudo. A minha preocupação foi identificar áreas carenciadas. E os resultados apontam que é esse emigrante, que embora possa ter estado a residir em Lisboa antes de ter emigrado, tem residência numa área rural em Portugal.

 

OEm - Pode dar um exemplo?

RS - Qualquer área carenciada em Portugal, de Norte a Sul, litoral ou interior.

 

OEm - E seria aí que iriam investir em projetos...

RS - Poderia ser aí, sim. Não os questionámos em que área geográfica gostariam de investir. Agora, identificámos uma relação, e essa relação é crucial em termos de impacto económico, regional, e consequentemente nacional, que é o emigrante com maior propensão para o regresso, investimento e emprego no setor do turismo, é aquele que tem uma residência numa área rural em Portugal. E encontra-se em idade ativa. No fundo, o desenvolvimento destas áreas é que pode contribuir para o desenvolvimento nacional; podemos também fazer esta leitura.

 

OEm - E em que países eles estão mais?

RS - Não encontrei diferenças estatisticamente significativas em termos de país de destino. Eles estão na Europa, nos PALOP ou noutros países do mundo. Quando fiz essa análise dos PALOP, ainda tive a preocupação de ir buscar também os emigrantes que se encontram emigrados em países onde o ensino da língua portuguesa é obrigatório ou é ensinado. Ainda fui buscar essa análise e não consegui encontrar diferenças estatisticamente significativas. Até porque para os PALOP se trata de uma emigração mais recente. As proporções podem ser vistas em termos de área geográfica e de data de emigração, mas não foram encontradas relações.

 

OEm - Mas há uma proporção maior de destinos europeus, não é? É onde estão (a ver a tese) 67,3%...

RS - E é um emigrante mais recente, que tem um tempo de permanência de um a quatro anos no país de destino.

 

OEm - Sim, 38% emigraram entre 2005 e 2011...

RS - Estou a ir buscar o perfil que nos interessa...

 

OEm - E aqui estão mesmo os países: França, Suíça, Inglaterra... Portanto, a Europa. E, de facto, os EUA com 4,93% e o Brasil com 4,9%

RS - E foi com a naturalidade que trabalhei, não a nacionalidade, como se pode ler aqui.

 

OEm - Sim. Como também se pode ver o que são os concelhos classificados de acordo com o índice de centralidade.

RS - Lá está. Áreas rurais, áreas carenciadas, por oposição às áreas urbanas...

 

OEm - Portanto, o que caracterizou como rural ou urbano?

RS - Em termos de centralidade. Isso é um estudo já feito e disponibilizado pelo INE, consiste numa hierarquia com todos os centros urbanos em Portugal. Essa hierarquia permite-me identificar os concelhos com maior índice de centralidade. Eu referi o conceito de urbano, mas não o deveria ter feito; são concelhos com maior capacidade de polarização. O critério que eu utilizei foi: até ao número 50, estaria a considerar os concelhos com maior índice de centralidade em Portugal, estando em primeiro lugar o concelho de Lisboa e em segundo lugar o concelho do Porto. Do 50 para a frente, que são muitos, são concelhos de menor índice de centralidade em Portugal.

 

OEm - Portanto, o rural é o que tem o menor índice de centralidade...

RS - Sim, vai dar ao mesmo. O que é "rural"? Não existe uma definição universal, e isso foi também explorado na literatura, obviamente. O rural, a conclusão que eu chego, são áreas carenciadas. E por isso é que nós pretendemos o desenvolvimento rural, o desenvolvimento dessas áreas. Não existe um conceito universal de rural ou de desenvolvimento rural.

 

OEm - Mais conclusões que queira salientar?

RS - A conclusão mais relevante do estudo é constatar-se que os emigrantes em idade ativa, sobretudo com idades entre 29-39 anos, e com residência numa área rural são os que registam maior propensão para o regresso, investimento e emprego no sector do turismo em Portugal. Penso que o número de respostas obtidas evidencia a predisposição dos emigrantes portugueses para materializarem projetos em Portugal. Neste âmbito, o turismo destacou-se como a área onde mais gostariam de se ligar profissionalmente. À semelhança da informação encontrada, antes da aplicação do inquérito, o atual perfil socioeconómico dos emigrantes portugueses não me surpreendeu após a análise dos dados. Os emigrantes portugueses em idade ativa são, no geral, pessoas com formação de nível superior e com experiência profissional. Uma questão que é interessante, de facto, porque pode vir a ser materializada em projetos, é algumas residências construídas de raiz pelos emigrantes portugueses, a partir da década de 1960, terem potencial para poderem vir a ser consideradas património cultural em Portugal. Essas residências, que na altura tanto chocaram os portugueses, a que lhes chamam as casas dos franceses ou, se recuarmos mais na história, podemos chamar as casas dos brasileiros, foram tão contestadas que depois vieram a ser reconhecidas como património. E um património que interessa explorar do ponto de vista do turismo. E qual o impacto económico que isso pode, também, vir a ter? Tem interesse explorar isso, não só do ponto de vista cultural, mas também em termos de economia. Essas casas porquê? Porque foi, de facto, identificada uma identidade cultural entre os emigrantes que construíram essas residências de raiz. E daí, portanto, eles poderem materializar essa identidade cultural em forma de residências que eles consideram a sua verdadeira casa e uma representação da sua cultura portuguesa. O património será sempre uma representação de uma identidade cultural. Havendo evidência empírica de que se revela uma identidade cultural entre os emigrantes que construíram essas residências de raiz, e que são de facto aqueles que têm idade mais avançada, é proposto que se venha a estudar até que ponto é que algumas destas residências podem vir a ser reconhecidas como património. Porque não são todas. Mas essa identidade cultural está claramente identificada.

 

OEm - E os inquiridos tinham casa cá, ou grande parte deles tinha casa cá...?

RS - Em termos gerais, sim. Podemos ver aí as percentagens dos que têm residência em Portugal, e dos que não têm...

 

OEm - Para virem passar férias, ou temporadas...

RS - Não entrei por aí. Quis saber se eles tinham residência em Portugal.

 

OEm - (a ver a tese) Quase 47% têm casa própria em Portugal...

RS - Depois há aí uma questão de pormenor em relação ao perfil que nos importa captar, aqueles que têm residência própria em Portugal. Mas pode ser própria deles, ou dos pais. Embora exista no instrumento de pesquisa a preocupação em distinguir se a residência é própria ou de familiares, ou se é alugada, alguns assumiram como própria o que é dos pais. De familiares, poderá ser dos tios ou de outro familiar com outro grau de parentesco.

 

OEm - Depois também era perguntada a participação em associações de emigrantes...

RS - Exato. Verifica-se que este perfil de emigrante que pode contribuir para o desenvolvimento do turismo em Portugal não dá muito valor à sua integração ou frequência nesse tipo de associações ou coletividades de emigrantes portugueses. Mas os emigrantes com idade mais avançada referem que a sua participação nessas associações de emigrantes no país de acolhimento foi, e é, uma forma de manterem a sua cultura portuguesa. E são esses que construíram, portanto, de raiz as tais residências onde se conseguiu identificar a tal identidade cultural.  Que consideram essas residências que construíram de raiz em Portugal como a sua verdadeira casa, uma representação da sua cultura portuguesa e que mais reconhecem que de facto as suas casas podem, até, ter potencial para virem a ser consideradas património cultural, em Portugal. Com esse estudo pudemos ir buscar mais assuntos, como as residências construídas de raiz, a emancipação da mulher, o aumento do emprego da mulher e melhoria do seu rendimento... A mulher, ao conseguir ter um emprego e melhorar o seu rendimento, vai poder melhorar, também, a sua posição em casa e na sociedade também.

 

OEm - E as mulheres, com as tais residências de origem, também diziam que queriam investir?

RS - A questão do investimento era mista, era dirigida a homens e mulheres indiferentemente. Havia era uma secção do questionário dirigida, apenas, a emigrantes do sexo feminino. O trabalho doméstico não é pago e, portanto, muitas das vezes o que acontece é que, em grande parte das situações, esse trabalho é desenvolvido por emigrantes do género feminino. A exploração dessas residências construídas de raiz pode contribuir para remunerar esse trabalho que não é pago.

 

OEm - (a ver a tese) Aqui nas qualificações...

RS - Eles, em geral, não têm mais do que o ensino superior. E estou a referir-me ao emigrante que pode contribuir para o desenvolvimento do turismo, os que gostariam de trabalhar na área do turismo e têm capital para o fazer, não à amostra.

 

OEm - Fez alguma entrevista aprofundada além dos questionários?

RS - Foi feito o pré-teste, o estudo piloto, inclusivamente fiquei instalada em casa de uma família de migrantes em Trás-os-Montes, numa vila, onde pude estar com mais calma a fazer o pré-teste do instrumento de pesquisa a amigos, familiares, etc., quase todos eles emigrantes. Este questionário tinha de ser preenchido por qualquer pessoa, fosse com qualificação ou analfabeto e, portanto, tinha de estar bem testado. E havia aqui questões, nomeadamente a do património cultural, que não é fácil de perceber e eu tive de fazer várias alterações até conseguir, realmente, adequar a pergunta a qualquer tipo de pessoa.

 

OEm - A pergunta era?

RS - Se considera que a sua casa pode vir a ser considerada património cultural, na opinião da pessoa. Portanto, a parte 3 do questionário não se aplica a 45,6% da totalidade de inquiridos. Ou seja, 54,4% tem idade igual ou inferior a 39 anos, portanto, 54,4% eram aqueles que nos interessavam inquirir em termos de conseguirmos apurar o perfil do emigrante que mais pode contribuir para o desenvolvimento do turismo em Portugal. Destes, 31,9 têm entre 29 e 39 anos. Portanto, para responder à pergunta sobre a percentagem de emigrantes que pode contribuir para o desenvolvimento do turismo em Portugal, estamos a falar de cerca de 31,9% da amostra de 5.157.

 

OEm - E esses têm capital?

RS - Esses 31,7% têm capital suficiente para investir, querem regressar, gostariam de investir na área do turismo e de exercer uma atividade remunerada por conta própria na área do turismo. São 31,9%.

 

OEm - Quer salientar mais algum aspeto do estudo?

RS - Uma questão aqui interessante, e ainda ninguém me fez essa pergunta, é a da sazonalidade do turismo. De que forma esses emigrantes veem a questão da sazonalidade do turismo? De facto, para estes emigrantes, a questão de um apoio do estado para colmatar ou para abreviar essa questão da sazonalidade da procura turística, não é importante para eles. Só importa poderem complementar essa atividade, na área do turismo, com outra que possam, também, desenvolver paralelamente. Essa complementaridade, ou a dupla atividade, ou o plurirrendimento, é uma boa opção para estes emigrantes. A questão da agricultura para autoconsumo e a questão da flexibilidade laboral, também é importante para esse segmento de emigrantes. Poderem controlar o seu próprio horário de trabalho, fazerem agricultura para autoconsumo... E porquê agricultura? Porque a maioria tem várias terras dispersas pela aldeia. E, portanto, seria uma forma de manterem ativas essas terras e de poderem, também, consumir aquilo que produzem, sem inseticidas e etc. A prática da agricultura biológica para autoconsumo, aliada ao emprego no setor do turismo é vista como uma boa opção por estes emigrantes.

 

OEm - Então, eles têm capital, veem-se a investir... Porque não retornam?

RS - Para eles retornarem, têm de resolver a questão de poderem regressar com os filhos, de poderem ter um estilo de vida rural de origem - que foi o que mais mencionaram - e poderem exercer uma atividade remunerada por conta própria na área do turismo. Falaram também, e é importante também complementar, em resposta à sua questão, a existência de infraestruturas de lazer, a necessidade de segurança e, principalmente, poderem ter uma voz ativa nas decisões da comunidade. Outras questões não foram analisadas porque não iam de encontro aos objetivos que se pretendiam.

 

OEm - Entretanto, a Rossana continua com projetos na área da emigração? Ou continua só com o turismo? Neste momento tem algum projeto de que queira falar?

RS - Ainda não. As coisas estão a aparecer, mas ainda não pensei. Ainda não reúno as condições todas para poder materializar agora um projeto nesta área. Mas isso está a ser pensado. Os projetos passam pela escola onde estou a lecionar e esses projetos passam por uma nova licenciatura na área da gestão hoteleira e um curso de especialização tecnológica também na área da gestão hoteleira. Atualmente, existe uma licenciatura em turismo, que sofreu uma pequena reestruturação porque direciona mais para saídas profissionais ligadas à informação turística. Tendo-se detetado a necessidade, em termos de cargos de chefia de gestão e de chefias intermédias na área da gestão hoteleira, procurámos, então, desenvolver esses projetos para ir ao encontro das necessidades do mercado laboral nesta área, em termos de licenciatura e de cursos de especialização tecnológica. Portanto, estamos a tentar fechar esses projetos, que comecei precisamente no ano passado no ISLA Gaia.

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[1] No conjunto, os apoios foram: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Rádio e Televisão de Portugal - RTP Internacional, RDP Internacional e RDP África. E as colaborações: Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, Associação Nacional das Freguesias, do Observatório da Emigração, entre outras entidades oficiais ligadas ao poder local, Consulados e Embaixadas de Portugal no estrangeiro, da imprensa nacional, regional e dirigida às comunidades portuguesas (nomeadamente o Lusojornal, Povo de Portugal, O Século de Joanesburgo, O Correio de Venezuela, Lusoamericano, Mundo Lusíada, Tribuna Portuguesa, Sol Português, Lusopress, ABC Portuguese Canadian Newspaper, As Notícias, Correio, Contacto, Gazeta Lusófona, O Clarim, Tribuna de Macau e Expressões Lusitanas) e ainda, de alguns artistas de música portuguesa, tais como o Tony Carreira, Camané, Ana Moura, Pedro Abrunhosa, José Cid, Adelaide Ferreira, Mickael Carreira, Os Anjos, Emanuel, Magui Mateus, Miguel Rivotti, Alexandre Faria, Santos e Pecadores, Santa Maria, Manuel Campos, Grupo Musical Santa Cruz, As Bombocas, João Claro, Élvio Santiago, Sérgio Rossi e Marcelo & Alex Dupla. As respostas são de emigrantes portugueses radicados nos vários países do mundo.

 

Como citar  Pinho, Filipa (2013), "Emigrantes e investimento no turismoentrevista a Rossana Santos, Observatório da Emigração, 2 de setembro de 2013. http://observatorioemigracao.pt/np4/4137.html

 

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