A inserção no mercado de trabalho, os apoios sociais, financeiros e de saúde e as dificuldades da participação plena nas sociedades que os acolhem, foram questões que os 23 jovens portugueses e luso-descendentes oriundos da Polónia, Luxemburgo, Canadá, Estados Unidos, Chile, Argentina, África do Sul e Moçambique, debateram em Portugal, ao longo do II Encontro de Pessoas com Deficiência das Comunidades Portuguesas. Para além da troca de experiências, iniciaram o processo de criação de uma associação que pretende reunir deficientes e instituições ligadas a esta problemática, oriundos das comunidades.
A troca de experiências e o conhecimento das diferentes
realidades vividas por cada um, foram considerados positivos pelos
participantes do Encontro, realizado em parceria pelas Secretarias de Estado
das ComunidadesPortuguesas e da Reabilitação. Um Encontro que esperam que possa
ajudar a "mudar consciências" e dar alguma visibilidade às questões da
deficiência.
"Não tínhamos tido notícia de uma iniciativa como esta", recorda Paula da
Cunha, da Argentina, que participou na primeira edição do Encontro, realizada
em 2008. Resolveu candidatar-se e repetir uma experiência com a qual "todos
estavam a aprender".
Paula manteve-se em contacto com participantes, da Polónia, Canadá, Brasil e
Luxemburgo, entre outros, para continuarem a discussão de problemas comuns,
como os apoios sociais e de saúde e as dificuldades de ingresso no mercado de
trabalho.
A socióloga e professora defende a necessidade de se elaborar um estudo,
coordenado pelos consulados portugueses, sobre o número de deficientes nas
comunidades portuguesas, que reúna informações sobre quanto são, onde residem e
quais as suas necessidades. "Seria um primeiro passo, porque falta saber ao
certo quantos somos", sublinha.
Sobre o II Encontro que decorreu entre 7 e 11 deste mês, diz que pode ajudar a
"mudar consciências" e acredita que o Fórum D+Eficiente, realizado no terceiro
dia, foi uma oportunidade de aproximar as pessoas das instituições. "Seria
muito bom que as instituições portuguesas e as os outros países contactassem se
apoiassem. Nenhuma instituição é autónoma e «aprende» por si", sublinha.
Mais visibilidade
Alberto Salgueiro espera que o Encontro venha dar "um pouco mais de
visibilidade às questões da deficiência" nas comunidades portuguesas, tanto junto
de autoridades como de responsáveis de organismos ligados a esta temática. "É
preciso alertar as entidades governamentais e as instituições em Portugal para
a realidade destas pessoas, que estão lá fora", afirma, sem esquecer aquelas
que residem em países onde não há comunidades portuguesas.
"Não é apenas nos países com comunidades portuguesas inseridas, que há
deficientes portugueses. Estes não deixam de ter necessidades específicas e as
embaixadas e consulados não podem deixar de estar preparados para os apoiar",
alerta Alberto Salgueiro. A residir na Polónia há cerca de cinco anos, o
psicólogo afirma que aquele é um país desenvolvido mas "onde as pensões são
baixas" e que "tem recursos financeiros ainda mais limitados que Portugal". "A
pensão social que recebia em Portugal, na Polónia seria três a quatro vezes
menor", exemplifica, acrescentando que, por outro lado, "há escolas e apoios
para pessoas com deficiência".
Para já, destaca como positivo o facto do Encontro proporcionar uma partilha de
ideias que considerou "extraordinária". "Há pessoas de vários países, que
trazem questões específicas dos locais onde vivem. Cada caso é um caso. Na
Argentina e na África do Sul, por exemplo, há mais dificuldades em termos de
apoios e recursos do que no Canadá".
No dia 9, os participantes reuniram-se no Museu do Oriente para a realização do
Fórum D+Eficiente que, além destas questões debateu ainda os incentivos à
prática do desporto para deficientes e o papel do voluntário e das instituições
de apoio. Aberto pela secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália
Moniz, e pelo Chefe de Gabinete do secretário de Estado das Comunidades, o
fórum debateu o tema «Ultrapassar Barreiras com as Tecnologias de Informação e
Comunicação» com a participação, entre outros, do Secretário do Comité
Paralímpico Europeu, Jorge Vilela de Carvalho.
Em representação do secretário de Estado das Comunidades, Vítor Sereno referiu
"o orgulho" pessoal pelo facto do Encontro reunir em Portugal participantes de
todo o mundo. O Chefe de Gabinete de António Braga destacou ainda as
"dificuldades diárias" que estes portugueses e luso-descendentes enfrentam para
que o seu valor seja reconhecido.
Idália Moniz destacou a necessidade de em Portugal investir-se na formação dos
recursos humanos e defendeu que estes têm que ser "sensibilizados" para a
problemática e para o atendimento às pessoas portadoras de alguma deficiência.
"As pessoas portadoras de deficiência têm inúmeras capacidades e não são elas
que têm que se adaptar a nós, somos nós que temos que nos adaptar a elas",
sublinhou a secretária de Estado da Reabilitação, que considerou "gratificante"
o trabalho que tem estado a ser desenvolvido na área da educação especial.
Barreira das "mentalidades"
Para Sílvia Marques, do Canadá, a percepção das dificuldades vividas por
deficientes de outros países e a possibilidade de ajudar, com a sua própria
experiência, já fizeram com que valesse a pena participar num Encontro onde as
dificuldades económicas e de apoios que os Estados poderiam proporcionar foram
problemas referidos por todos.
"Desde o primeiro Encontro temos a intenção de debater os vários temas
relacionados com a deficiência e a presença de participantes portugueses de
todo o mundo, dá-nos uma perspectiva mais rica, porque ouvimos experiências
diferentes e damos informações e dicas àqueles que vêm de países onde há mais
dificuldades", acrescentou.
Porém, são as barreiras físicas "e de mentalidades", como sublinhou Sílvia,
aquelas que mais afectam o dia a dia dos deficientes, independentemente dos
países onde estes portugueses e luso-descendentes residam.
Associação mundial a caminho
A criação de uma associação a nível mundial com sede em Portugal foi um
projecto que surgiu no primeiro Encontro, realizado em Maio de 2008. "Estamos
em diversas comunidades, não poderíamos ter uma associação em cada país e como
somos todos portugueses achamos que deverá estar sedeada em Portugal", explicou
Paula Cunha acrescentando que deverá ser uma associação sem fins lucrativos,
mas que o primeiro passo é definirem os seus objectivos concretos.
Sílvia Marques considera importante a criação de uma associação "a nível
mundial" que seja "um elo mais forte na luta pela igualdade e autonomia dos
deficientes portugueses em todo o mundo".
A IMPORTÂNCIA DE NUNCA DESISTIR...
PAULA CUNHA
Paula Cunha não deixou que a limitação física a impedisse de
concretizar os seus projectos. Licenciada em Sociologia e em Direito, está a
concluir um Doutoramento, também em Sociologia. Empenhada
no surgimento de uma associação a nível mundial, não é favorável à criação de
uma estrutura semelhante na Argentina porque defende que os problemas e
necessidades dos portugueses e luso-descendentes com deficiência, poderiam ser
tratados pela comunidade em geral.
O trabalho como socióloga, levou-a a participar num estudo sobre os
desaparecidos durante a ditadura e a descobrir que, entre estes, havia
portugueses. "O Estado argentino fez uma lista provisória onde constam cinco
portugueses desaparecidos durante a ditadura. Destes, um estava registado no
consulado, e um é filho de portugueses. Dos outros três não há nenhum registo",
revela, acrescentando que o consulado de Portugal em Buenos Aires já pediu
informações sobre eles, mas sem resultado.
ALBERTO SALGUEIRO
"Na Polónia, o clima e os hábitos culturais levam a que se
passe muito tempo dentro de casa, mas é uma questão de nos adaptarmos", defende
o psicólogo, lamentando apenas que "tem sido difícil" ingressar no mercado de
trabalho polaco.
Alberto Salgueiro perdeu 75 por cento da visão, o que não o impede de manter as
rotinas do dia-a-dia, mas cria «barreiras» quando o tema é trabalho, apesar de
falar e perceber bem a língua.
"As empresas estão estruturadas para o funcionário dito «normal» e para alguém
com uma característica diferente, a adaptação é difícil", lamenta.
Quanto a Portugal, sente que as pessoas "são cada vez mais conscientes nas
questões das diferenças" mas diz que é preciso "efectivamente criar
igualdades".
SÍLVIA MARQUES
Nasceu em França mas vive no Canadá há 19 anos, onde trabalha na área da deficiência. Sílvia integra a Sociedade dos Deficientes Portugueses de Ontário - uma instituição criada em 1989 e da qual já foi presidente - que nasceu com o objectivo de "tirar as pessoas de ascendência portuguesa do isolamento" em que viviam, muito por conta da mentalidade vigente no seio da comunidade. Algo que, acrescenta, tem estado a mudar, apesar de ainda haver muito a fazer. "Transmitimos o nosso desejo de uma maior igualdade de direitos das pessoas deficientes através da comunicação social e temos conseguido mudar algumas mentalidades em Toronto", destaca, dando como exemplo o trabalho voluntário feito pelos portugueses que resultou na construção de um centro comunitário que atende 60 deficientes em diversas áreas, com o apoio de 300 familiares e amigos. A sua experiência de vida leva-a a acreditar na máxima de que "a união faz a força". "A minha vida tem sido uma constante luta para eliminar barreiras".
CRISTIANO RAFAEL
Cristiano nasceu em Peniche e vive na Suíça, para onde foi há
cinco anos porque em Portugal a demora na espera por uma operação e o mau
resultado dos tratamentos deixaram-no praticamente paralisado. A mãe decidiu
emigrar e dois anos depois tinha já condições para levar o filho, nomeadamente
um seguro de saúde que cobre praticamente o valor dos medicamentos, tratamentos
e operações. Cristiano já fez cinco, que lhe permitiram voltar a andar. Agora,
tem planos para concluir o 12º ano e talvez fazer uma formação na área do apoio
a deficientes.
Partiu "bastante feliz" do Encontro que lhe permitiu aprender "imensas coisas"
e criou nele o sentimento de que "valeu a pena ouvir a experiência dos outros"
e poder falar da sua.
"Levo o ânimo que todos me transmitiram, a noção da importância de nunca
desistir. Criamos amizades e temos um grupo que pode vir a fazer muito pelos
deficientes nas comunidades portuguesas".
Ana Grácio Pinto
apinto@mundoportugues.org
Mundo Português, aqui.