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Continuamos à procura de novos destinos
2009-08-09
Emigração: Histórias dos que partem à procura de uma vida melhor, já sem os estigmas antigos

Um terço dos portugueses vive no estrangeiro. Hoje são mais temporários e procuram novos destinos, mas o ritmo de saída continua semelhante ao da média das décadas de 1960/70. E a ‘maison' já não é o objectivo principal.

A Rita Redshoes projecta a sua música no Largo do Rio Côa. O povo juntou-se ao redor das tasquinhas e dos mastros com as bandeiras da União Europeia. A Festa da Europa, no Sabugal, é uma metáfora do País em Agosto. Os emigrantes enchem as aldeias e os terrados das festas e romarias durante o mês das férias. Mas os que chegam hoje já não vêm de ‘vacances', nem para estar na ‘maison'. O estereótipo do emigrante das décadas de 1950/70 perdeu-se há muito, consumido pelas mudanças do Mundo e até de Portugal. É por isso que, na Festa da Europa, num concelho onde os residentes são metade da população emigrada - trinta mil partiram, há uma multidão quase homogénea a assistir ao concerto.

'A primeira geração tinha poucas competências escolares: não sabiam português, nem francês. Mas quando vinham de férias sobrepunham-se aos residentes, por causa dos rendimentos, que faziam questão de ostentar', explica Daniel Simão, do Gabinete de Apoio ao Emigrante da Câmara do Sabugal. 'Hoje, mesmo na questão da roupa, isso não é tão significativo. E antes havia quase uma aversão na forma como os residentes olhavam para eles'. Em Fiolhoso, Murça, a ‘freguesia mais luxemburguesa de Portugal', António Pereira, de 60 anos e um quarto de século emigrado, reconhece as mudanças: 'Agora a vida está mais cara. A diferença entre Portugal e o Luxemburgo é muito mais pequena'. Para o 'confreur' (carpinteiro) reformado, 'muitos dos novos emigrantes não têm lombo para aguentar as dificuldades. Vão para o fundo de desemprego e não querem fazer nada'.

Mas esta não é a razão fundamental da mudança. A chegada da Democracia, em 1974, a integração na União Europeia, a abertura das fronteiras, o Euro, a crise económica internacional e até a crescente globalização ajudaram a esbater as diferenças sócio-económicas, diluindo o perfil dos emigrantes da primeira geração. Em Quadrazais, no Sabugal, António Moura, há 47 anos em França, explica: 'Quem fizer a mesma vida lá que faz cá, não consegue sobreviver. Lá um fino custa dois euros e se for sentado é o dobro. E dantes, por cada trabalhador havia cinco ou seis patrões à espera. Agora já não é assim, sobretudo por causa da emigração de Leste e do Norte de África'. 'Noutros tempos, tinham mais dinheiro. Por exemplo, os que estavam nos EUA conseguiam pagar a viagem com o câmbio dos dólares para escudos. Hoje, o Euro está mais caro do que o Dólar e por isso também vêm menos', diz Fernando Pereira, um dos mordomos das Festas de Santa Ana, em Parada de Gonta, Tondela, ainda um motivo de reunião dos conterrâneos emigrados. 'O Euro é que lixou isto tudo!', simplifica António Moura.

As dificuldades e a alteração da maneira de viver dos portugueses no estrangeiro está também reflectida nas poupanças. Os dados do Banco de Portugal indicam que as remessas sofreram uma quebra de 33% nos últimos oito anos, para 2,5 mil milhões de euros. Mesmo assim, foram 6,8 milhões de euros por dia em 2008. É o resultado da redução dos rendimentos e da reorientação dos investimentos, em grande parte resultado da fixação dos filhos nos países de acolhimento. 'A primeira geração tinha como objectivos amealhar dinheiro e fazer uma casa tipo ‘maison'. Agora nem todos regressam, porque querem ficar com os filhos e a cuidar dos netos', diz Daniel Simão, nascido em França. 'São emigrantes cá e lá. Os pais passam cá dois ou três meses e o resto do tempo lá. Os filhos só vêm em Agosto para a ‘plage' (praia) em Portugal'.

Mas, se é verdade que a emigração já não é lucrativa como antes, o que leva os portugueses a continuarem a partir a um ritmo semelhante ao da média das décadas de 1950/60? A explicação poderia começar no século XV, nas caravelas que partiam em busca de novos mundos, ou na mais recente observação de António Variações, num dos versos da canção ‘Estou Além': 'Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar/Porque até aqui eu só/Estou bem/Aonde não estou (...)' Em Junho, Rui Pena Pires, coordenador do Observatório da Emigração, constatou o óbvio: 'Os emigrantes não são parvos e não vão emigrar se não tiverem oportunidades maiores do que no país onde estão'. Aliás, o Observatório verificou que a emigração só parou nos anos de 1974/75 e da integração na União Europeia, mantendo-se nos restantes períodos, embora com características diferentes e novos destinos.

Arlindo Gomes, pedreiro, está junto ao grelhador, na rua, em tronco nu e braços tatuados, a preparar o almoço para ele e 11 familiares, todos emigrantes. Acabou de chegar a Fiolhoso para as férias. Partiu em 1994 e a razão é simples: 'Fui porque cá não havia trabalho. Lá ganha-se melhor, a assistência médica é melhor e as condições trabalho também são melhores. Tem é de se trabalhar muito'. Um casal seu vizinho, Glória e Fernando Pala, recepcionista e motorista de pesados, acrescentam outra razão: 'Há muitas diferenças entre os dois países, sobretudo ao nível da Saúde e do Ensino'. Partiram há 18 anos. 'Está a valer a pena', diz Glória Pala.

E, às vezes, partir tem no coração a maior das explicações. Christophe e Ana Cunha, ambos de 22 anos, conheceram-se em Parada de Gonta, através de uns primos. Ele nasceu em França e tem dupla nacionalidade. As Festas de Santa Ana - que sempre tiveram tradição de casamenteiras - ajudaram a crescer a relação que resultou em casamento precisamente há um ano. Christophe tem toda a família mais próxima no estrangeiro, ao contrário da sua mulher. Ela emigrou pela primeira vez após casar: 'Eu tive sorte, porque arranjei emprego como vendedora logo ao fim de um mês. Mas não venho de férias enquanto não tiver outro tipo de contrato. Viemos agora só quatro dias por causa das festas'. O marido subsiste com o fundo de desemprego. 'A vida lá também não é fácil. As coisas estão caras, há o desemprego, já não beneficiamos do câmbio e fazemos uma vida mais regrada'.

As grandes alterações registadas na emigração, cujo fluxo tem sido quase contínuo, apontam para novos destinos e a qualificação dos que partem. A ideia de que passámos a ser um País de imigrantes desviou para estes a atenção dos media e da população, fazendo crer, erradamente, durante anos, que os portugueses emigravam menos. Agora, os novos destinos são o Reino Unido e Espanha, registando-se igualmente um crescimento para a maioria dos países da Europa comunitária. Em contrapartida, decresceu para os EUA, Venezuela e Canadá. E a ‘surpresa' é Angola, onde já há cem mil portugueses. E França o único País que tem mantido um fluxo regular na entrada de cidadãos lusos. O Observatório da Emigração nota que na União Europeia a permanência é mais temporária e envolve mais circulação do que no passado, porque se trata de pessoas com mais formação e as deslocações são mais rápidas e baratas.

Apesar disso, há uma enorme coincidência entre os nossos emigrantes e os imigrantes no que respeita às profissões. Na realidade, basta olhar para os estrangeiros em Portugal para perceber o que faz a esmagadora maioria dos portugueses nos outros países. A construção civil, os serviços de limpeza, a hotelaria, a restauração, as actividades agrícolas e o comércio ocupam os activos da primeira geração. Os seus filhos e netos, pelo maior conhecimento e integração, já desenvolvem também outras actividades. Mas os que ainda hoje saem, tirando aqueles que estão ligados a investimentos económicos, realização de estudos e actividades profissionais qualificadas, continuam a ocupar-se bastante naqueles sectores.

E os emigrantes que chegam para férias ou partem pela primeira vez quase nada têm em comum com os pioneiros das décadas de 1950/70. António Moura, 64 anos, confirma: 'Eu fui duas vezes a ‘salto', passei os Pirinéus a pé. Era um mês de viagem, sozinho, e na segunda fui preso em Paris. Eram caminhadas toda a noite, com um pé em cima do outro, a comer pão e chocolate, quando havia. Fui marmorista toda a vida e nunca estive no fundo de desemprego'. Tudo mudou, até a música, e não só com a Rita Redshoes. Já não se ouve a cantora Linda de Suza, nem se recorda a história da sua famosa ‘Valise en Carton' (a vida da emigrante em França, contada em Mala de Cartão: um livro, um musical e uma série televisiva).

'CONSEGUI O QUE QUERIA'

'Consegui todos os objectivos. Casa, carro, constituir família (quatro filhos, dos 15 aos 32 anos), enfim, uma vida melhor', diz FernandoAugusto, motorista, há 35 anos no Luxemburgo, sentado numa roda de familiares em Fiolhoso. Em princípio, só pensa voltar de férias. Ao contrário de muitos dos novos emigrantes, que são em grande parte temporários. Por exemplo, entre 1980 e 1988, 43% estavam nesta condição.

'HÁ UMA DIFERENÇA ABISMAL. MAS, MESMO ASSIM, HÁ MAIS CASAMENTOS'

O padre Manuel Soares, 37 anos de sacerdócio e 66 de idade, tem assistido nas paróquias à alteração do modo vida dos emigrantes. 'Dantes vinham e ficavam um mês. Agora já não, têm programas próprios, vão para o Algarve. A terra não vive tanto da sua vinda, como há dez ou vinte anos. A segunda geração não fica por cá', diz, enquanto ajuda a preparar as festas de Unhais da Serra, na Covilhã. E mesmo os investimentos, sobretudo dos filhos, foram desviados para o Litoral, são menos os que fazem as casas nas aldeias de origem.

'Há uma diferença abismal entre os actuais e antigos emigrantes: não se juntam muito, diminuiu a ânsia de fazer a casa tipo ‘maison' - até os projectos vinham de França', lembra o pároco. E quanto à religiosidade, envolvem-se sobretudo na popular (procissões, romarias e festas do santo da terra). 'Mesmo assim há um pouco mais de casamentos e baptizados', refere Manuel Soares.

EMIGRAÇÃO A CRESCER 

A freguesia de Fiolhoso tem 603 moradores e 800 filhos da terra emigrados, a grande maioria no Luxemburgo. Por isso, a relação entre a junta e aquele país é grande. Por exemplo, o lar de idosos foi financiado em 50% pelos luxemburgueses. Augusto Fernandes, 70 anos, secretário da junta de freguesia destaca que 'a emigração começou na década de 1960 e tem vindo sempre a crescer'.

'AGOSTO É O MELHOR MÊS DO ANO INTEIRO'

A tradição é uma das razões que os faz voltar nas férias. Em Alfaiates, Sabugal, são as festas com touradas e cavaleiros que duplicam a população. A maioria vem de França. ‘O Coconuts Bar' tem em 'Agosto o melhor mês do ano inteiro. Porque há as festas e mais animação', diz Tânia Pelicano, filha do dono. Hoje há 4.968.197 portugueses no estrangeiro. Mas estes são apenas os registados nos consulados e o registo não é obrigatório. Portanto, pelo menos um terço dos cidadãos nacionais vive espalhado pelo Mundo. E isto se não atendermos ao estudo ‘Emigração: a diáspora dos portugueses', da autoria de Adriano Albino, revelado em Abril. O empresário, de 78 anos, emigrante no Brasil, concluiu que são mais de 31 milhões até à terceira geração.

Carlos Ferreira

Correio da Manhã, aqui.

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