Há 61 anos, o geógrafo Orlando Ribeiro escreveu, num relatório solicitado por Salazar, que Goa “era a terra menos portuguesa de todas as que vira até então”. Se considerarmos que os seus referentes eram as restantes colónias portuguesas, uma determinada ideia de Portugal, e as certamente elevadas expectativas em relação à lusitanização de Goa, o diagnóstico de Orlando Ribeiro foi certeiro. Mas se já em 1956, Goa era, para alguns, “a terra menos portuguesa”, como se pode caracterizar a Goa de seis décadas mais tarde, neste momento em que as relações políticas entre Portugal e a Índia tendem a normalizar-se?
Responder com algum rigor a esta questão implica fragmentar a imagem de uma Goa una e homogénea. Se politicamente existe uma Goa (o Estado de Goa), histórica e culturalmente não existe apenas uma Goa, mas, e ao invés, Goas múltiplas e heterogéneas: a dos territórios e populações conquistados e anexados pela coroa portuguesa no século XVI (a que Ribeiro porventura desejaria encontrar em toda a parte), a dos que foram incorporados no século XVIII, a dos goeses na diáspora, na Índia e fora dela, as Goas que foram sendo imaginadas, desde o século XVI, por europeus e portugueses de sucessivas gerações até 1961 e depois, por goeses católicos, indianos ou de ascendência portuguesa, por goeses não-cristãos, sobretudo hindus, por goeses de várias castas, por goeses de várias gerações.
Costa visita Índia em Janeiro com passagem por Goa
As duas primeiras Goas constituem o Estado de Goa, pequena unidade política, 3702 km2 situados entre os estados de Karnataka e Maharashtra, cujas fronteiras políticas resultam destes territórios terem sido sucessivamente submetidos, a partir de 1510, à dominação imperial portuguesa. Esse é, a meu ver, um dos legados mais relevantes do domínio português, secundado pelo ordenamento jurídico, ainda hoje influenciado pelo Código Civil português vigente por ocasião da anexação de Goa pela República Indiana, em 1961. Alguns indicadores de desenvolvimento que ainda colocam Goa no topo dos estados mais desenvolvidos da Índia, caso da literacia e do estatuto legal das mulheres, complementam este enquadramento jurídico. Do ponto de vista cultural, os sinais são conhecidos e de natureza muito variada: a percentagem de católicos, a presença de vocábulos portugueses no concani (a língua mais falada), os nomes e apelidos portugueses, a existência de falantes de português, sobretudo entre a geração mais velha, a música, a culinária, as igrejas, conventos, capelas e cruzeiros caiados de branco que despontam das verdes várzeas e palmares quando se sobrevoam os territórios conquistados no século XVI, as casas sobradadas, a toponímia, os arquivos - oficiais, paroquiais e familiares - que registam a relação multissecular, muitos deles em vias de desaparecer.
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