Autocarros cheios de trabalhadores portugueses saem semanalmente das regiões Norte e Centro do país rumo à Europa, uma vaga de emigração idêntica à dos anos 60, apenas com a diferença de os trabalhadores levarem na bagagem um telemóvel que lhes permite contactar com a família.
Nos anos 60,os portugueses vinham «a salto» para a França. Agora vão de autocarro, ou mesmo de avião, para
o Reino Unido, Espanha, Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Irlanda e Andorra. «Todas as semanas
há pessoas que estão a sair de Portugal para irem trabalhar para a Europa», disse à agência Lusa o Presidente do Conselho das Comunidades Portugueses, Carlos Pereira, adiantando que estes novos emigrantes vão «completamente à aventura, como aconteceu nos anos 60». A diferença é a existência de um telemóvel, que permite passar manter
contacto com a família, adiantou. Carlos Trindade, responsável pelo departamento das migrações da central sindical CGTP, explicou que os portugueses vão sobretudo trabalhar para sectores com «mão-de-obra intensa e pouco exigente em habilitações e qualificações». Construção civil, limpezas, agricultura, indústria transformadora, hotelaria e restauração são as actividades dos novos emigrantes, tal como aconteceu no passado.
No entanto, jovens recém-licenciados sem trabalho estão também a sair de Portugal à procura de uma vida melhor, mas o trabalho que muitas vezes encontram não está relacionado com o curso. «No Luxemburgo é normal ver nos últimos tempos jovens com cursos superiores a trabalharem na restauração e limpezas», disse à Lusa o Presidente
da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo, Coimbra de Matos.
Dados oficiais sobre a saída de portugueses para o estrangeiro não existem. Os últimos são de 2003 e indicavam que nesse ano tinham emigrado cerca de 27 mil portugueses, sobretudo para a Europa.
O responsável pelos dados portugueses no relatório anual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE),Jorge Malheiros, referiu que estes números «não reflectem a realidade e são apenas indicativos». Jorge Malheiros estima que anualmente saem de Portugal entre 50 a 60 mil portugueses, mas a ausência de dados reais sobre as saídas explica-se, segundo o investigador, pelo facto de a maioria emigrar temporariamente e pela livre circulação de pessoas na União Europeia.
A construção civil deve ser um dos sectores que mais mão-de-obra está a exportar. Só em Espanha trabalham mais de 60 mil portugueses nas obras, disse à agência Lusa Albano Ribeiro, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Madeiras, Mármores, Pedreiras, Cerâmica e Materiais de Construção. De acordo com o sindicalista, nos últimos meses partiram para França nove mil trabalhadores, para a Inglaterra entre três a cinco mil e para a Noruega três mil.
Albano Ribeiro alertou ainda para a provável saída do país, até Abril do próximo ano,de cerca de 15 mil trabalhadores. O destino mais procurado é o Reino Unido, onde na última década o número de portugueses passou dos 30 mil para os 250 mil, salientou Carlos Trindade.
Para a Suíça vão anualmente cerca de 20 mil portugueses com contratos de quatro a 12 meses que lhes permite trabalhar na hotelaria e construção civil, referiu à Lusa Manuel Beja, dirigente do sindicato suíço UNIA e membro do Conselho das Comunidades. Manuel Beja adiantou que milhares de emigrantes trabalham ainda naquele país na agricultura com contratos de três meses, não estando estes casos contabilizados.
O ano passado chegaram ao Luxemburgo cerca de 7.000 mil portugueses e este ano os números são aproximados. Coimbra de Matos salientou que os carros com matrículas portugueses têm aumentado no Luxemburgo, país que para muitos portugueses é visto «como um 'el dourado' devido aos bons salários, mas que depois é uma desilusão».De acordo com o mesmo responsável, as exigências profissionais e a língua - é necessário pelo menos falar francês e luxemburguês - são as principais dificuldades, colocando a portugueses «graves entraves sociais».
«Como é temporário, não há trabalho todos os dias. Situação preocupante, pois muitas famílias moram num quarto e chegam mesmo a ter dificuldades para se alimentar», destacou.
O aumento do número de carros com matrículas portuguesas é também visível em França. Apesar de não ser o principal destino,os portugueses continuam a chegar a este país «porque há sempre alguém com um familiar que consegue arranjar qualquer coisa», explicou o Presidente do CCP, Carlos Pereira.
O Presidente da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM), padre Rui Pedro, disse à Agência Lusa que esta vaga de emigração é principalmente oriunda das regiões rurais do Norte e Centro e que estão sair do país muitos jovens e mulheres. A situação económica em Portugal, nomeadamente a falta de emprego, e as responsabilidades
com os bancos (endividamento das famílias) são as razões apontadas pelo padre Rui Pedro para o aumento das saídas de portugueses para vários países europeus.
O desespero em que muitos portugueses se encontram leva a que partam «sem nenhuma preparação e com contratos frágeis», afirmou, acrescentando que muitas vezes não levam o dinheiro suficiente para as primeiras semanas e as dificuldades começam a surgir, como a falta de comida.
■ Célia Paulo/Lusa
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