Condições "excepcionais" de vida, um sistema de ensino eficiente, melhores salários ou maiores oportunidades de emprego: são vários os motivos que levam licenciados portugueses a optar por viver e trabalhar na Irlanda.
A O Emigrante/Mundo Português, três jovens que integram a nova vaga de emigração para a República da Irlanda destacaram a tolerância, a simpatia e a atitude activa e optimista dos irlandeses como factor importante no processo
de integração num país onde há um sentimento de "simpatia especial" pelos portugueses. Por tudo isto, nem o clima frio, considerado o "principal obstáculo" por quem pensa radicar-se naquele país, tem grande importância na hora da decisão...
André pensa radicar-se definitivamente na Irlanda, Ana diz que a princípio a sua estadia é temporária e Hugo, que esteve no país a estudar, pretende regressar e estabelecer "vida e raízes". A fria Irlanda tem, afinal, mais atractivos do que «apenas» salários mais elevados e maiores oportunidades de emprego.
Inicialmente, a decisão de emigrar para a Irlanda foi "puramente financeira", mas a verdade é que André Ferreira, 30 anos, natural de Coimbra, já se sente integrado em Dublin, apesar de ainda conhecer poucos portugueses. Descobriu três compatriotas a residir na cidade, mas que vivem em zonas distantes e o contacto é feito basicamente via Internet.
É com os irlandeses que este programador informático mantém mais contacto e a sua opinião acerca das pessoas não podia ser mais positiva. "Não há problema em ir à rua sozinho, a simpatia é a palavra de ordem", afirma, para explicar que ser-se simpático é naquele país um factor "de elevadíssima importância no evoluir da carreira em qualquer ramo de actividade".
André também não sentiu nenhuma forma de descriminação. Diz que as diferenças são apenas linguísticas, e acredita que o facto de ter sido um país com elevado nível de pobreza, ajudou os nacionais a terem uma atitude mais compreensiva em relação aos estrangeiros. "A Irlanda foi um país que conheceu bem a fome. Sabe-se apreciar a mão-de-obra que vem de fora do país para o ajudar, e compreende-se com maior facilidade as necessidades humanas a um nível geral. Não noto tanto a diferença de estratos sociais, a nível da língua por exemplo. O tratamento por tu («you») facilita uma maior proximidade entre as pessoas", destaca.
Saudades dos sabores portugueses
Às saudades da família junta-se a quase inexistência dos sabores portugueses. Sente falta da gastronomia lusa - a irlandesa "não se compara em nada com a nossa" - e tem dificuldade em encontrar produtos portugueses. "Vi peras e uma ou outra marca de vinho, infelizmente encontram-se marcas de vários países muito mais distantes que Portugal. Não há cá nada que me faça lembrar a minha terra, tirando de quando em vez um ou outro anúncio de venda de propriedades em Portugal", queixa-se. Mesmo assim, diz que a sua estadia na República da Irlanda será permanente já que se identifica mais facilmente com forma de estar na vida dos irlandeses e não se sente estrangeiro. "Mas claramente com muitas visitas a Portugal", sublinha.
Mentalidade aberta
A Irlanda também deixou boas impressões em Hugo Simões. Licenciado em Economia, este lisboeta de 25 anos foi para Dublin concluir o curso universitário e, apesar de ter voltado para Portugal por motivos pessoais, pensa regressar à Irlanda, provavelmente em definitivo, "para estabelecer raízes".
Diz que viver na Irlanda é compensador em todos os aspectos e acredita que ainda vale a emigrar para lá, mesmo sabendo que nos últimos tempos o desemprego aumentou ligeiramente. "É um país em que o respeito pelos Direitos Humanos - e eu tive provas concretas em algumas situações - é muitíssimo superior àquele que temos em Portugal", sublinha, acrescentando que essa superioridade mantém-se em sectores como a Educação, a Saúde e a Justiça.
Em relação ao povo, destaca "uma mentalidade aberta e mais saudável" e uma postura mais competitiva e tolerante em relação à vida em sociedade. E dá como exemplo o carinho que se verifica em relação aos portugueses. "Notei uma grande empatia do povo irlandês para com a comunidade emigrante portuguesa. Os irlandeses têm uma simpatia especial por portugueses, e ainda pelos ingleses, espanhóis e italianos", revela.
É na mentalidade dos irlandeses que Hugo Simões encontra maiores diferenças em relação à portuguesa. Diz que, contrariamente aos irlandeses, o povo português "é pouco produtivo, pessimista, derrotista e com uma mentalidade ainda pouco aberta às diferenças sócio-culturais, nomeadamente ao nível da raça, orientação sexual e crença religiosa". Lamenta ainda que também em termos empresariais, Portugal não seja uma mais-valia "na medida em que os conceitos de gestão e liderança na Irlanda são muito mais competitivos e exigentes
As marcas que a República da Irlanda lhe deixou levam-no a querer regressar num futuro que poderá não ser longínquo, apesar do clima ser o factor que o está ainda a fazer "pensar duas vezes" antes de tomar a decisão final. "É engraçado que o principal «obstáculo» que dificulta a integração dos portugueses na Irlanda seja o clima", afirma a recordar as primeiras semanas vividas em Dublin "frequentemente indisposto ou mesmo doente".
Viver na Irlanda "é enriquecedor"
Ao contrário de Hugo Simões, Ana Marques, uma lisboeta de 33 anos, não se imagina a «adoptar» a República da Irlanda como segunda pátria, mas neste momento, é o país que lhe oferece as perspectivas que não encontra em Portugal. Licenciada em História, Ana mudou-se para Dublin para acompanhar o namorado que está a trabalhar na capital do país, mas não esconde que os melhores salários e maiores ofertas de emprego que encontrou na Irlanda foram uma motivação extra. Além dos trabalhos de tradução, testa videojogos, sempre com o objectivo de juntar dinheiro suficiente para regressar a Portugal e comprar uma casa.
A «culpa», mais uma vez, é do clima que Ana queixa-se não ser dos melhores...
Mesmo com o regresso em mente, diz que viver na Irlanda é "enriquecedor sob vários pontos de vista" e classifica os irlandeses como pessoas activas e optimistas que não têm "por hábito queixar-se de tudo como os portugueses". Dá como exemplo os mais idosos que "vivem uma vida semelhante aos jovens". "Contrariamente a Portugal, vê-se idosos no cinema de noite, a andar de bicicleta mesmo à noite, e a conviver em «pubs». Não existe a ideia preconcebida do «velhinho coitadinho» ou do «já não tenho idade para isso». São todos tratados com o mesmo valor", explica. A convivência com emigrantes de outras nacionalidades que vivem na capital do país é também um factor positivo para a lisboeta por lhe possibilitar a oportunidade de conhecer outras culturas.
Mas, a crer na opinião de Hugo Simões, Ana Marques não se encaixa no perfil do emigrante português naquele país. "O principal traço que define a esmagadora maioria dos emigrantes portugueses na Irlanda é que poucos ou nenhuns deles pensam jamais regressar a Portugal. O lema «há mar e mar, há ir e voltar» não se aplica à comunidade portuguesa na Irlanda. Definitivamente não", afirma categórico.
J.M.D. / A.G.P.
Mundo Português, aqui, acedido em 26 de Janeiro de 2009.