Aos 27 anos percebeu que a emigração seria o seu destino. Estávamos em finais de 2011. O agente João Paulo Rodrigues acabou por o apresentar a Diamantino Miranda e as hipóteses de ir para a índia ou Hungria esfumaram-se, mas por boas razões:
«Comecei a falar com o Diamantino e houve uma empatia imediata. As nossas ideias sobre futebol revelaram-se convergentes. Pouco depois, ele recebeu um convite de Moçambique para treinar o Costa do Sol e convidou-me para integrar a equipa técnica. Chegámos em janeiro de 2012. O Diamantino já saiu, pelas razões conhecidas, eu por cá continuo, agora como treinador principal do Costa do Sol. E muito feliz», conta Nélson Santos.
Um aventureiro que ganhou a aposta
Nélson Santos define-se como «aventureiro» e considera ter «grande facilidade de adaptação a qualquer realidade». Por isso não hesitou em fazer as malas para Moçambique, país onde nunca tinha estado. «Por isso, pelo estudo que fiz de Moçambique e por ter muitos amigos que, sendo de África, acabaram por fazer pontes muito antes de eu imaginar que viria para Moçambique», junta o jovem treinador português.
Jovem sim, 31 anos, mais novo que alguns jogadores. «Agora as pessoas já sabem quem eu sou, mas ainda me chegaram a perguntar se eu era... jogador. Deve ser também por esta cara de miúdo», conta, rindo...
O orgulho de se sentir valorizado
A adaptação foi «rápida, fácil e plenamente conseguida», conta Nélson Santos. Único senão, que conta mais por graça do que por queixa, alguma comida mais condimentada, preferindo poupar o estômago a pratos mais picantes.
Em termos profissionais, o reconhecimento do trabalho de Nélson Santos chegou cedo. Tão cedo que ao fim de alguns meses em Maputo e de ter participado, como convidado, em ações de formação, foi convido para dar aulas de treino desportivo no curso de Educação Física e Desporto da Universidade Eduardo Mondlane. Treina durante o dia, dá aulas à noite, pouco sobra para descanso. Quem corre por gosto até se pode cansar, mas a auto-estima sai reforçada.
«Uma das razões pelas quais eu me apaixonei por Moçambique é o reconhecimento do trabalho que estou a fazer e saber que estou a ser útil para o desenvolvimento do desporto deste grande país», conta Nélson Santos. Além disso, «Moçambique tem uma enorme sede de aprendizagem, cada vez há mais jovens nas universidades e os alunos querem mesmo aprender. É bom poder partilhar a nossa experiência e conhecimentos e ver que as pessoas valorizam o que lhes transmitimos. Isso não tem preço», junta Nélson Santos.
O filho único que mentiu aos pais
Os pais de Nélson Santos tinham grandes ambições para o agora treinador do Costa do Sol. Para mais, sendo filho único. Medicina ou Direito eram o que queriam para o filho, mas este que só pensava em desporto, mesmo sabendo da oposição dos pais.
«Tive de sair de casa e mentir para me poder matricular em Desporto. Eles ficaram um bocado desiludidos, mas pais são pais, acabam sempre por aceitar e dar todo o apoio a um filho. E hoje, é engraçado, são os meus maiores fãs. Orgulham-se de ver o filho a ser reconhecido, a aparecer na comunicação social. Orgulham-se das minhas vitórias, do meu percurso, do respeito que consegui granjear. Recortam entrevistas, guardam lembranças...», conta Nélson Santos, sorrindo com candura e falando do que realmente sente falta de Portugal.
«Quando me perguntam se tenho saudades de Portugal, costumo dizer que apenas os meus pais me ligam ao país onde nasci. Ok, eles e um ou outro amigo e alguma comida que só em Portugal é confecionada como eu gosto. No mais, vou-lhe ser sincero, já me sinto mais moçambicano do que português. E gostava muito de conseguir trazer os meus pais para viverem comigo aqui. Por isso, quando me perguntam se gostava de treinar em Portugal, respondo que adoro treinar em Moçambique, que me vejo fazer toda a minha vida aqui sabendo que vou ser feliz. Mas claro, estamos a falar de uma profissão de treinador, o amanhã é sempre um grande ponto de interrogação», comenta Nélson Santos.
O sol que enche a alma
Quando fala de Moçambique, Nélson santos empolga-se. Tenta arranjar uma série de adjetivos e por vezes até parece frustrado porque fica com a sensação que diga o que disser não consegue fazer justiça ao que sente por Moçambique. Mas tenta.
«O sol em Moçambique é fantástico. Mágico mesmo. Aquela sensação de acordarmos e recebermos os bons dias acolhedores de um sol quente e convidativo. É impossível acordar mal disposto num país como Moçambique, que tem um sol assim. Por isso, eu não me estou a imaginar em viver no país do norte da Europa, por exemplo, com frio, escuro, sem este sol a dar-me os bons dias. Depois, eu tenho aqui muitos amigos. Quase todos moçambicanos. Ao pé deles estamos sempre bem dispostos. Em terceiro lugar, este povo é maravilhoso, acolhedor, humilde, que partilha que nos faz sentir em casa. Em quarto, este é um país lindíssimo, com praias, parques e paisagens de cortar a respiração. Em quinto, é um país em franco desenvolvimento social e económico e é um prazer sentir que fazemos parte desse processo, onde sabemos que o amanhã é dito com esperança não com o medo que se vive na Europa. Por último, Moçambique faz-me acreditar que sou... moçambicano», conta, de um só fôlego.
Sim, moçambicano. E não é força de expressão. «Quando for legalmente possível, e porque espero por aqui continuar, terei orgulho em pedir a nacionalidade moçambicana. Não porque não goste de ser português, longe disso, mas porque me sinto que este também é o meu país», justifica.
País seguro
O Mundo houve falar muitas vezes de Moçambique «por razões erradas». As histórias dos raptos ou de conflitos armados acabam por assustar quem não conhece Moçambique.
«Os meus pais também estavam apreensivos, mas já os trouxe duas vezes cá e eles puderam testemunhar o que sempre digo. Nunca tive qualquer problema, nunca me assaltaram a casa, ando tranquilamente nas ruas. Tenho apenas os cuidados básicos que se devem tomar também em Lisboa, Londres ou Nova Iorque. Quem cá está não sente insegurança», garante Nélson Santos.
O papel do feiticeiro
Para um treinador estrangeiro que não conheça Moçambique, o papel do chamado feiticeiro junto das equipas e jogadores acaba por ser um desafio. Com o qual Nélson Santos aprendeu a lidar.
«Quando falamos em rituais, em tradições, em costumes e crenças, só há um erro primário: o de queremos cortar com essa realidade. Temos de nos adaptar, respeitar, aceitar as crenças e tentar conciliar tudo em prol de um bem comum: a equipa. Eu não deixo de ter uma ação que considero pedagógica, de os fazer compreender que o caminho mais rápido para o sucesso é o trabalho, a paixão, a dedicação, o talento, a união. Mas como treinador sei também que a parte psicológica é essencial para o sucesso. Por isso, tenho também de me adaptar aos costumes e crenças dos meus jogadores», conta Nélson Santos. E dá exemplos:
«Se os guarda-redes acreditam que dá azar fazer remates à baliza durante o aquecimento para o jogo eu adapto os exercícios para conseguir o mesmo objetivo. Se se acredita que entrar primeiro em campo em certos jogos faz com que a equipa fique mais confiante, eu planeio as coisas dessa maneira. Se estamos quatro a cinco jornadas sem marcar golos, mesmo com bons avançados, e eles entendem que há algo que os impede de marcar, eu adapto-me. Insisto na palavra adaptação porque tudo é conciliável para atingir os mesmos fins, além de que, com o tempo, os atletas também se adaptam a mim, são sensíveis à minha mensagem e acreditam mais na força que eles têm, no trabalho, na dedicação», revela.
Segundo lugar e bom futebol
Falemos então um pouco de futebol. Nélson Santos está em segundo lugar do Moçambola, com os mesmos pontos da Liga Desportiva de Maputo, do português Litos, atrás do Maxaquene do moçambicano (mas tratado como sendo português em Portugal) Chiquinho Conde.
«Estamos a fazer a melhor primeira volta dos últimos anos. E vencemos a Taça de Maputo, que também já nos fugia há muito», conta Nélson Santos, treinador de um Costa do Sol que, «sendo o clube com mais títulos, está em busca de regressar aos tempos áureos».
Nélson Santos fica feliz quando se elogia a qualidade do futebol praticado pelo Costa do Sol. E é hoje um treinador com razões para sorrir.
«Estou num país que adoro e que me acolheu muito bem, a desenvolver um trabalho que é reconhecido, a fazer o que mais gosto. E com o tal sol de que falei a dar-me os bons dias, só tenho razões para me sentir feliz», resume.
Jorge Pessoa e Silva
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