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Para que serve a emigração? por Sandro Mendonça
2015-06-11

 Se há um executivo que tem governado nas entrelinhas é a actual coligação CDS-PSD. Esta tem sido uma governação com práticas muito hábeis de fumo e espelhos, de obscuridades e ventríloquos, de implícitos e subentendidos, de promessas atraiçoadas e garantias irrevogáveis.

O chefe do ainda-actual-governo alega agora nunca ter dito a ninguém para partir para o exterior. Disse-o recentemente e depois insistiu: "Há uns quantos mitos urbanos, um deles é que eu incentivei os jovens a emigrar".

É muita lata.

O que parece ser mais legítimo dizer é o seguinte: em termos de recursos humanos a emigração foi a política central deste governo.

O que foi tentado (e conseguido) foi isto: engenharia social. Por um lado, essa orientação permitiu dar emprego a agitadores e malabaristas que para pouco mais serviam. Por exemplo, o então Ministro Relvas equiparou a emigração a uma viagem cultural e houve Secretários de Estado a falarem de "sair da zona de conforto" como se tratasse de uma experiência de iniciação adolescente. Por outro lado, esta política permitiu maquilhar os números do mercado de trabalho sem resolver os problemas da economia portuguesa. E ainda há a vantagem que esses insatisfeitos não estão por cá para se manifestar e votar.

Eis um paternalismo demissionário neo-liberal de rosto estatístico.

Para quem vê a economia como uma empresa, o que se tenta fazer é correr com o povo para fora dela, despedir os indesejáveis, enxotar os excedentários. E tudo isto por um facilitador governativo cujo próprio "rating" deveria realmente estar abaixo daquele do país, que continua a ser "lixo". Vejamos o que reza a "lenda suburbana" de Massamá: diz-se que o cidadão Passos Coelho terá algum dia trabalhado na vida; lá por volta dos seus 40 anos isso aconteceu-lhe, sendo logo promovido a gerente; durante esse episódio esteve associado a uma entidade reputada de nome Tecnoforma; a actividade desenvolvida era curiosamente na área da "formação" de recursos humanos; dinheiros mal explicados tanto à entrada como à saída; tratou-se basicamente de um negócio privado que viveu à custa de fundos públicos; esta "empresa" foi deixada tornar-se insolvente em 2012.

Mas Passos Coelho continua hoje muito bem acompanhado. O que diz só é comparável por quem tem mais lata ainda, isto é, os altos funcionários dos países benificiários desta emigração. Na boca destes, o tal transvase de gente nova, motivada, talentosa e trabalhadora seria na prática um subsídio dado pelo mercado de destino. Como assim? Poder-se-ia afinal dizer que esses jovens, empenhados e criativos, iam fazer uma espécie de "estágio profissional" nas ditas economias avançadas do centro e norte da Europa. Note-se: os países que ganham com essa mão-de-obra embaratecida e qualificada estariam, portanto, a fazer um grande favor pelos quais os novos emigrantes e o seu país de origem deveriam estar agradecidos. (eu factualmente ouvi isto numa reunião à porta fechada de economistas séniores muito influentes de um desses países que afirma ter já feito as reformas todas).

A quem serve então a emigração?

Vejamos o que diz a própria OCDE. Num estudo intitulado "Is migration good for the economy?" (Maio 2014) diz-se que que a emigração de qualidade tende a refrescar sectores de nicho nos países de destino e a cria valor aumentando a competitividade dessas economias. Esses Estados acabam por andar à boleia dos investimentos em educação feitos nos países de origem ao mesmo tempo que melhoram a suas posições fiscais através de mais expressivas cobranças de impostos sobre os novos rendimentos. Esses países recebem jovens produtivos e em idade fértil, o que representa ganhos imediatos bem como duradouros e isso tanto do lado da oferta como do lado da procura. O cômputo é, pois, positivo para essas economias que se tornam ainda mais fortes, atractivas.... e depois arrogantes no quadro europeu.

Sobre um tema mais politicamente incorrecto que é o que acontece aos países que perdem esse capital humano nada é dito neste mesmo documento técnico. Mas também é preciso dar resposta a esta questão. O que se assiste em Portugal é uma contracção populacional efectiva desde 2011: mais gente a sair que a entrar (saldo migratório negativo) que ainda por cima coincide com um saldo natural negativo (mais mortes que nascimentos). Um país que evolui para menos demografia e menos produtividade. Desvalorização interna actual e futura. Como é possível dizer-se que isto é o "caminho certo" para esse país?

Moral da história: durante a quatro anos de governação não se quis estancar a hemorragia da geração mais bem preparada de sempre e não se procurou questionar o enquadramento europeu de modo a encontrar interpretações flexíveis dos constrangimentos a que Portugal continua sujeito. Essa orientação política pode servir a outros países, mas não a este.

 

Sandro Mendonça

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