Na segunda-feira à tarde, Pedro Passos Coelho deixou um desafio à nossa memória recente: "Há uns quantos mitos urbanos, um deles é que eu incentivei os jovens a emigrar. Eu desafio qualquer um a recordar alguma intervenção ou escrito que eu tenha tido nesse sentido."
A frase do primeiro-ministro que mais se aproxima de um "incentivo" à emigração dos jovens foi publicada, em Dezembro de 2011, pelo Correio da Manhã, numa entrevista com o primeiro-ministro. É esta: "Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma, ou consegue, nessa área, fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se, sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa."
A frase pode ser interpretada de várias formas: como um conselho, uma sugestão ou, lá está, como um "incentivo". Mas esta declaração do primeiro-ministro tem, como tudo, um contexto. E é a história da declaração que explica o tal "mito urbano" que - como se verá - tem pouco de mito.
Dois meses antes da frase de Passos, já Alexandre Mestre, secretário de Estado do Desporto, aconselhara os jovens a emigrar. De uma forma tão expressiva que deixou marcas na nossa memória. Disse o governante: "Se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras." Isto foi dito em São Paulo, no Brasil, e testemunhado pelos gravadores da agência Lusa, que difundiu a declaração.
Em Lisboa caiu o Carmo e a Trindade. Não só o governante apelava à emigração dos seus compatriotas, como classificava o desemprego como "zona de conforto", acusou, na altura, a oposição. De tal maneira que, um mês depois, ainda se falava disto em Lisboa. E Miguel Relvas, ministro adjunto de Passos, foi confrontado com a opinião do secretário de Estado, no Parlamento (durante o debate do Orçamento do Estado para 2012). Criticou-o? Repreendeu-o? Discordou? Não...
Relvas, falando da bancada do Governo, em resposta a uma interpelação da oposição, subscreveu a opinião de Mestre e acrescentou um ponto: "Quem entende que tem condições para encontrar [emprego] fora do seu país, num prazo mais ou menos curto, sempre com a perspectiva de poder voltar, mas que pode fortalecer a sua formação, pode conhecer outras realidades culturais, é extraordinariamente positivo. Também nesta matéria é importante que se tenha uma visão cosmopolita do mundo."
É na sequência destas declarações, e do debate por elas suscitado, que o primeiro-ministro responde ao Correio da Manhã. Aliás, a pergunta do jornal faz uma referência clara à polémica criada pelas declarações do secretário de Estado ("Nos professores excedentários, o senhor primeiro-ministro aconselhá-los-ia a abandonar a sua zona de conforto e procurarem emprego noutros sítios?") Passos responde, como vimos, que sim. Em nenhum momento Passos contradiz os seus colaboradores. Até parece dar-lhes razão, classificando a emigração como "alternativa" ao desemprego em Portugal. Aí, sim, se fosse essa a sua vontade, o primeiro-ministro poderia ter acabado com aquilo a que agora chama de "mito urbano". Dizendo que não.
Paulo Pena
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