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Mais de metade dos novos médicos pondera emigrar
2015-06-06
Ordem dos Médicos encara estes resultados "sem grandes surpresas, mas com enorme preocupação".

Cerca de 65% dos médicos que frequentam o internato da especialidade em Portugal admitem emigrar após concluída a formação, segundo um estudo realizado por médicos de todo o país através de inquéritos a 15% dos internos.

O estudo publicado na Acta Médica Portuguesa, uma publicação da Ordem dos Médicos, foi conduzido por 31 médicos e foi baseado na inquirição a mais de 800 internos de 45 especialidades diferentes, distribuídos por unidades de todo o país. O objectivo principal foi avaliar a ideia dos médicos sobre a sua formação, bem como os níveis de insatisfação e a intenção de emigrar, naquele que é um estudo inédito em Portugal, segundo um dos responsáveis, o médico psiquiatra Tiago Reis Marques, em declarações à Lusa.

De acordo com o estudo, o desejo de exercer medicina fora do país aumenta à medida que os médicos avançam no período de formação na especialidade: no último ano do internato a percentagem de inquiridos que ponderam emigrar sobe para 74%, quando no primeiro ano se fica pelos 53%.

"A grande maioria considera que nos últimos anos a qualidade da saúde em Portugal tem vindo a diminuir muito ou mesmo extremamente e só 2% dos médicos internos acha que melhorou. Os médicos mais jovens têm vindo a percepcionar uma degradação das suas condições de trabalho", resumiu Tiago Reis Marques.

O estudo revela ainda que os internos das especialidades de Cardiologia, Anatomia Patológica e Infecciologia são aqueles que revelam maior vontade de emigrar. Já no lado oposto da tabela, aqueles que desejam permanecer no país, surgem os internos de Medicina Geral e Familiar, Medicina Legal e Saúde Pública.

Outra das conclusões do estudo aponta para o facto de o nível de satisfação dos internos variar também de acordo com o local de formação. Os grandes Centros Hospitalares (CH), nomeadamente o CH Universitário de Coimbra, o CH São João, no Porto, e o CH Lisboa Norte são os que apresentam menor grau de satisfação dos inquiridos. O Hospital de Braga e o Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, na Amadora, apresentam maiores índices de satisfação por parte dos inquiridos.

Outro dado que o investigador qualifica como impressionante é o que mostrou que 20% dos médicos em formação inquiridos afirmaram que, se voltassem atrás, não optariam pelo curso de Medicina. Tiago Reis Marques considera que é o confronto com a realidade da prática médica actual que faz os médicos internos mostrarem esta reticência em relação ao curso escolhido. "Há uma percepção de que os médicos têm um grande prestígio social e que ganham muito dinheiro. Depois há o confronto com a realidade, com o grande desgaste profissional e com muitas horas de trabalho. E, actualmente, com muitas competências retiradas e autonomia comprometida", comentou.

Apesar disto, a grande maioria dos inquiridos, quase 80%, revelou-se satisfeita com a qualidade da sua formação, demonstrando que os jovens médicos percepcionam que a formação médica em Portugal tem qualidade.

O investigador Tiago Reis Marques, que actualmente desenvolve a sua actividade no Instituto de Psiquiatria do Kings College em Londres, Reino Unido, sublinha que este estudo deve ser visto "na especificidade do país", que passou por uma crise: "Estes dados são semelhantes a estudos feitos na Islândia há poucos anos, após uma grande crise, e que mostraram que muitos médicos emigraram e tinham taxas semelhantes de intenção de emigrar".

Ordem preocupada mas não surpreendida
A Ordem dos Médicos, segundo o seu bastonário, "encara estes resultados sem grandes surpresas, mas com enorme preocupação", e aponta como principais factores de descontentamente a desqualificação do trabalho médico, a degradação do trabalho no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a falta de perspectivas de melhorias no médio prazo.

Estes factores "estão a motivar os médicos a sair do SNS para a reforma, para o sector privado e para a emigração", afirmou à Lusa José Manuel Silva. O bastonário refere que o resultado deste estudo devia obrigar a uma reflexão por parte do Governo e de toda a sociedade.

"O desinvestimento no SNS, a desqualificação do trabalho médico, as dificuldades do exercício de uma medicina qualificada, o arrastamento burocrático dos concursos, os especialistas a serem remunerados como simples internos, tudo atira os médicos para fora do SNS e de Portugal", considera a Ordem. "As dificuldades no exercício da medicina em Portugal, neste momento, são imensas. Não é uma questão de falta de vocação, nem de disponibilidade para o trabalho, são as dificuldades diárias no exercício da medicina no SNS", justificou.

Além disso, acrescentou o bastonário, a ideia de que "a medicina era um El Dourado de emprego garantido e bem remunerado" está já desfasada da realidade actual.

 

ENRIC VIVES-RUBIO  

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