Certos funcionários bancários que venderam produtos de risco aos emigrantes dizem-se solidários com os lesados, mas patenteiam evidente preocupação. Alguns dos que convenceram os clientes a transferirem o dinheiro das contas normais para os produtos de risco disseram ao Expresso que têm mesmo recebido ameaças físicas.
"Eu vendi-lhes esses produtos, tínhamos essa orientação da direção, e eles estão agora com receio de perderem as poupanças de toda uma vida de sacrifício e trabalho. Compreendo-os, a nossa posição é difícil, muito complicada, e eu e muitos outros temos de facto recebido ameaças graves", diz ao Expresso um empregado da agência do Novo Banco em Paris.
"Todos nós sabemos quem nos vendeu os produtos, disseram-nos que não tinha risco nenhum, e há de facto muitos que estão totalmente desesperados, doentes e em depressão, que até ameaçam matar esses funcionários se perderem o dinheiro todo que tinham amealhado. Dizem que não têm nada a perder e que preferem ir presos do que voltar à pobreza", explica Amélia Afonso Reis, de 57 anos, porteira em Paris e terapeuta de reflexologia, há 39 anos em França e principal organizadora da manifestação.
"Convenceram-me pelo telefone"
"Eu tinha o meu dinheiro no BES e convenceram-me pelo telefone a comprar produtos Poupança Plus e Euroaforro 8. Só assinei a papelada muito mais tarde. Disseram-me que era melhor para mim e que ficaria tão seguro como se estivesse na conta a prazo e eu meti lá tudo - 300 mil euros", informa António Reis, residente na região de Bordéus, bate-chapas de 61 anos de idade, há 42 anos em França.
As histórias de António e de Amélia, que não são da mesma família, são idênticas às de muitos outros portugueses como eles.
No total, quatro mil emigrantes em França aplicaram 400 milhões de euros nesses produtos, segundo informações fornecidas ao Expresso por uma fonte bancária. Na manifestação em Paris deverão igualmente participar portugueses residentes na Suíça e noutros países europeus. No mundo inteiro, oito mil emigrantes portugueses investiram 800 milhões de euros nos produtos em causa.
"Queremos o nosso dinheiro, é um roubo, não aceitamos esse assalto, que nos reembolsem apenas o dinheiro, nem queremos os juros. Esperava passar uma reforma tranquila e descansar depois de uma vida inteira de trabalho e de sacrifícios a poupar para a velhice, e agora estou nesta situação", acrescenta António Reis.
Todos os clientes lesados contactados pelo Expresso são casos humanos por vezes dramáticos, que emocionam quem ouve os seus relatos. Alguns têm de fazer face a doenças deles ou de familiares próximos, outro têm créditos e outros compromissos em curso e receiam não lhes poder fazer face.
Organizadora foi ama dos Espírito Santo
"Fui enganado pelo funcionário que me convenceu a aplicar o dinheiro nesses produtos, eu não percebia nada de investimentos, é um assalto. Os portugueses emigrantes trabalharam no duro, no muito duro, para conseguirem reunir esse dinheiro - disseram-me que não havia risco nenhum", referem, em resumo, Adelino Pires e António Marciano, ambos também com dezenas de anos de emigração em França. Adelino Pires vive com uma pequena pensão de invalidez.
Em fevereiro, o Novo Banco prometeu resolver o problema do eventual reembolso, no todo ou em parte, das aplicações de emigrantes, até este mês de maio. "São apenas promessas, prometem muito mas não temos garantias de nada, por isso vamos à manifestação, já temos os cartazes feitos", conclui António Reis.
Amélia Reis, que foi ama da família Espírito Santo entre os 14 e os 18 anos, não para e multiplica os contactos para a organização da concentração, que já foi autorizada pelas autoridades francesas. Já tentou falar com os antigos patrões, mas não conseguiu.
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