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Negócios e amizade na primeira visita de Estado de Eduardo dos Santos a Portugal
2009-03-10
Presidente angolano em Lisboa esta manhã

09h10 Luciano Alvarez, Ana Dias Cordeiro

A amizade entre José Eduardo dos Santos e Cavaco Silva é hoje, como foi no passado, um elemento-chave na proximidade entre Portugal e Angola e a visita que o chefe de Estado angolano inicia esta manhã a Lisboa a convite do Presidente português será reflexo disso mesmo. A deslocação tem carácter quase excepcional - é a primeira visita de Estado de Eduardo dos Santos a Portugal e a quinta visita oficial das últimas três décadas de poder. A primeira dessas deslocações realizou-se em 1987, quando Cavaco Silva, na chefia do Governo, melhorou as relações entre os dois países.

José Eduardo dos Santos chega pelas 11h00 à Praça do Império. Uma hora depois vai encontrar-se com Cavaco Silva e à tarde estará no Parlamento

Aldemiro da Conceição, porta-voz do Presidente Eduardo dos Santos, recusou responder a perguntas do PÚBLICO sobre o significado da visita. Mas num artigo publicado ontem no "Jornal de Angola", estatal, o director, José Ribeiro, fala da "grande amizade" entre os dois líderes, evoca a "notória disponibilidade" de ambos para uma aproximação e refere o momento inédito no relacionamento entre dois países que iniciam "uma nova fase de cooperação".

Além de muito motivada por interesses económicos, esta deslocação tem uma importância "emocional", considerou numa entrevista por telefone Alex Vines, director para África do Royal Institute for International Affairs de Londres e especialista em Angola. O analista lembra o grande número de angolanos a viver em Portugal, ao mesmo tempo que cada vez mais portugueses vão para Angola trabalhar, como também angolanos da diáspora em Portugal querem regressar, aproveitando a paz e o crescimento em Angola para fugir à crise em Portugal.

Exportações em alta
Angola é cada vez mais importante para a economia portuguesa, acrescenta Alex Vines, numa referência ao crescimento recente das exportações portuguesas para o país africano, que se tornou o principal destino fora do espaço europeu para os produtos portugueses. A isto acresce a tendência para uma maior aproximação política. "Depois de uma fase em que Portugal não teve uma postura clara, durante a guerra, Cavaco Silva ajudou a melhorar as relações", diz o especialista.

Quando Cavaco Silva assumiu a chefia do Governo em 1985, fechou-se o período da tensão entre Luanda e Lisboa, existente no tempo em que Mário Soares era primeiro-ministro.

Um ano após ter chegado ao Governo, o então primeiro-ministro, durante uma visita aos Estados Unidos - era então Ronald Reagan Presidente e George H. W. Bush vice-presidente -, afirmou que era chegada a altura de os EUA começarem a falar com o MPLA para resolver o conflito armado. Uma declaração que acabou mesmo por causar polémica em Portugal, onde vários sectores políticos estavam muito alinhados com a UNITA. Logo a seguir, Cavaco Silva dá um sinal político a Angola enviando ao I Congresso do MPLA Pedro Pires Miranda, o primeiro chefe da diplomacia do então Governo PSD.

Durão Barroso, secretário de Estado dos Assuntos Externos de Cavaco, envolveu-se depois nas negociações de paz angolanas que deram origem aos Acordos de Bicesse e levaram à assinatura de uma paz temporária em 1991 e à realização de eleições em 1992.

Ao longo dos anos, Cavaco Silva e Eduardo dos Santos tiveram diversos contactos políticos, que mantiveram mesmo depois de o actual Presidente português ter deixado a chefia do Governo.

"Esta viagem é da maior importância para os dois países. Não só pelos laços que unem Portugal e Angola, mas também a nível económico, já que Angola é o maior parceiro comercial de Portugal fora do espaço da União Europeia", disse ao PÚBLICO fonte da Presidência da República. A mesma fonte acrescentou que as relações entre Portugal e Angola "atingiram já uma maturidade tal que permitem olhar para o futuro com ambição".

Sócrates em Luanda
Esta visita acontece depois das duas visitas de Jose Sócrates a Luanda. Na mais recente visita, o ano passado, o primeiro-ministro elogiou o "trabalho notável" de Eduardo dos Santos; em Abril de 2006, tinha elogiado as instituições angolanas.

"Está a tomar corpo um novo quadro de relacionamento com Portugal baseado em interesses privados de Eduardo dos Santos em Portugal que se misturam com interesses do Estado", disse também por telefone o jornalista angolano Mário Paiva, numa referência às participações de figuras próximas do Presidente, como a filha Isabel dos Santos, na banca ou nos media portugueses, e aos interesses da petrolífera angolana, Sonangol, no BCP Millennium ou na Galp Energia.

Em Fevereiro, o presidente da Sonangol, Manuel Vicente, manifestou interesse em reforçar os investimentos em empresas portuguesas, dizendo que é nos tempos de crise que se pode crescer.

Com a crise económica global e a queda dos preços do petróleo em fundo, Angola procurará diversificar parceiros, mantendo a relação privilegiada com a China, cujo investimento tem sido o motor da reconstrução do país. Por seu lado, Portugal aposta nas exportações - que têm aumentado muito para Angola - para travar os efeitos negativos da crise.

É esta a visão de alguns analistas. Porém, o especialista Alex Vines lembra que não há grande novidade: a intenção de se abrir ao mundo começou por ser evocada num discurso do início de 2008, quando Eduardo dos Santos referiu o desejo de diversificar as relações internacionais seguindo a tendência iniciada no fim dos anos 1980 com o desmembramento da União Soviética, com a qual o MPLA mantinha laços privilegiados.

Jornal Público, aqui, acedido em 11 de Março de 2009

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