Durante cerca de três anos e meio, o Governo mandou os portugueses emigrar. Fê-lo com ligeireza e sem estados de alma, sem qualquer sentido da história, nem dos problemas que estão associados à emigração. Não falamos de mera mobilidade, mas sim de portugueses que são obrigados a partir, deixando tudo para trás, sem saber aquilo que o futuro lhes reserva.
Falamos de ruturas familiares e de milhares de famílias com filhos em idade escolar que vão perder um ou dois anos para se integrarem no seu novo país de residência e, provavelmente, comprometer o seu futuro profissional. Falamos de jovens com uma formação superior que vão trabalhar nas obras ou fazer limpezas. Falamos de profissionais e investigadores muito qualificados, mal pagos e sem oportunidades ou possibilidade de progredir em empresas ou na investigação.
Falamos acima de tudo de um país que não tem sabido dar respostas adequadas para criar uma economia dinâmica, competitiva e criativa capaz de proporcionar empregos com boas condições aos seus cidadãos e de corrigir os desequilíbrios regionais do país. Efetivamente, nada se faz para repovoar os territórios que estão em perda populacional, o que seria muito útil para combater a emigração e a desertificação.
É ofensiva, por isso, a euforia pró-migratória do Governo, que teve o seu momento de delírio quando o eurodeputado Paulo Rangel até defendeu a criação de uma agência para facilitar a emigração. Precisamente porque a emigração tem aspetos dramáticos que este Governo nunca compreendeu, esta euforia acabou por ser refreada pela indignação generalizada e pelo coro de críticas ao Governo - o que não impediu uma reincidência da ministra das Finanças, que em finais de Fevereiro apelou sem o menor pudor à partida dos jovens desempregados com formação.
No fundo, faz parte da convicção do Governo que a emigração é uma oportunidade, o que é a maior evidência da descrença dos próprios membros do governo no país e no povo que governam. Se quem governa não acredita no país, como se pode pretender que acreditem os cidadãos que diariamente sofrem com os salários baixos, desigualdades, falta de reconhecimento e de possibilidades de evolução profissional?
Surge então um grande debate sobre algumas medidas para promover o regresso dos que tiveram de emigrar, de que tem tido um particular destaque o Programa VEM, não pela sua eficácia, generosidade, abrangência ou condições (que se desconhecem), mas por ser ridículo que se proponha apenas apoiar 30 ou 40 projetos, quando só durante a vigência deste Governo emigraram mais de 350.000 portugueses.
Acima de tudo, importa explicar o contexto em que surgem estas propostas, que fazem parte do Plano Estratégico para as Migrações, que tem cinco eixos e 102 medidas. Seguindo uma tradição portuguesa de boas práticas em termos de integração de imigrantes, são-lhe dedicados quatro eixos e 91 medidas, em que se nota um amadurecimento das propostas, concorde-se ou não com elas.
O mesmo já não acontece com as medidas dirigidas aos portugueses residentes no estrangeiro, em que apenas três têm alguma novidade, sendo que as restantes oito não têm rigorosamente nada a ver com os objetivos anunciados, uma vez que são um mero decalque daquilo que são as orientações da Secretaria de Estado das Comunidades. Reforço de serviços consulares, apoio ao movimento associativo, participação cívica e política, atração do investimento dos emigrantes, só para dar alguns exemplo do embuste que são estas medidas para atrair os que saíram do país.
Aliás, estas medidas foram anunciadas sem qualquer informação adicional sobre as condições para a sua implementação. Não se sabe que critérios serão definidos, quantas pessoas se pretende abranger e que verbas que lhes serão destinadas. Ficou tudo no ar.
É, portanto, uma manobra de propaganda que se destina a fazer crer que o país está muito bem e que os que tiveram de emigrar já podem voltar, precisamente agora que começam a aquecer os motores para a campanha eleitoral que culminará com eleições legislativas em Setembro ou Outubro. É, acima de tudo, uma instrumentalização descarada das expetativas dos portugueses, tanto dos que estão no país, como dos que foram empurrados para a emigração.
Deputado do PS
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