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Suíça. O drama dos portugueses que acordaram num dia que parecia normal
2015-03-28
A decisão do Banco Central Suíço de acabar com a taxa de câmbio mínima do franco suíço face ao euro, no início do ano, provocou uma enorme agitação. O franco atingiu máximos históricos.

Enquanto uns ficaram, de repente, mais ricos e se lançaram numa corrida aos bancos e casas de câmbio, outros ficaram apavorados. Entre eles estão os funcionários públicos portugueses a trabalhar na Suíça, que veem os seus ordenados (pagos em euros e já abaixo do valor que seria o mínimo para se viver) a diminuir ainda mais. Dois meses depois, os trabalhadores portugueses das representações diplomáticas mostram-se mais calmos, já que vão ver reposto o corte de 10% nos salários de 2014. Mas o mesmo não sucede com os professores. 

Parecia apenas mais um dia normal. Alberto Correia saiu de casa e meteu-se nos transportes públicos para percorrer, como habitualmente, menos de 20 quilómetros até chegar a uma das escolas nas quais dá aulas de português a filhos de emigrantes em Lausanne, na Suíça. Durante a aula, nessa quinta-feira, uma aluna interrompeu-o para dizer: "Professor, li agora nas notícias que o Banco Nacional Suíço decidiu abandonar a taxa de câmbio mínima [de 1,2 francos suíços face ao euro]". A notícia foi de tal maneira abrupta que Alberto Correia nem conseguiu acreditar. "Ó rapariga, estás a ver bem?", perguntou. A rapariga lá lhe mostrou o telemóvel, onde tinha lido a notícia, e sim, realmente estava a ver bem. "Nem sabia o que pensar", conta ao Expresso o professor de 60 anos, a viver na Suíça desde 1998. "Não fazia sentido, esta era uma medida que iria prejudicar o turismo e as exportações suíças." E iria significar um corte ainda maior no seu ordenado, pago pelo Estado português em euros.  

A decisão, há cerca de dois meses, apanhou quase toda a gente de surpresa. Seria também essa a reação de Teresa Martelo, professora em Lausanne, e de Mário Silva, técnico administrativo na NUOI, a representação diplomática junto das Nações Unidas e Organizações Internacionais em Genebra. A professora do Ensino Português no Estrangeiro (EPE) seria avisada pelo telejornal, mas o informático da NUOI receberia um telefonema. "Nesse dia, pelas 14h00, uma colega telefonou-me e contou-me o que tinha acontecido", recorda Mário Silva. "Eu estava em casa, com gripe." Alarmado, "fui logo ler as notícias online do 'Tribune de Genève' e liguei-me à internet para seguir as variações do câmbio." 

A internet mostrava uma valorização vertiginosa do franco suíço face ao euro, levando o primeiro a atingir máximos históricos: logo após o anúncio da decisão do Banco Nacional Suíço (BNS), de abandonar o instrumento introduzido em 2011 que mantinha um teto mínimo para a taxa de câmbio franco suíço em relação euro, a moeda disparou quase 30%, recuando depois um pouco. O banco justificou a suspensão desta medida com o facto de esta ter "um caráter excecional", tendo sido introduzida num período de "sobrevalorização excecional do franco suíço e um nível extremamente elevado de incerteza nos mercados financeiros". A verdade, no entanto, está além desta afirmação e tem uma palavra forte: bazuca. O programa de estímulo que o Banco Central Europeu (BCE) lançou - e que já está a ter efeitos no mercado, com a desvalorização do euro - aumentaria a pressão sobre a taxa de câmbio euro-franco suíço (CHF). Para evitar a enorme apreciação da moeda suíça, o BNS precisaria de comprar mais euros, numa escala que não seria sustentável. 

Motivações à parte, será que a decisão BNS constitui motivo para alarme? Depende do autor da resposta. Os emigrantes no país que recebem em francos suíços ficaram, de repente, mais ricos e iniciaram uma corrida aos bancos para enviar dinheiro para Portugal: agora um franco representa mais euros e, por isso, uma oportunidade de câmbio a não perder. Muitos suíços também correram às empresas de câmbio para trocar a sua moeda por euros mais baratos e aproveitar para fazer compras nos países vizinhos. Mas houve também quem saísse a perder. As grandes empresas exportadoras suíças, por exemplo, não pouparam críticas à atuação do BNS. A reação mais tempestuosa veio, talvez, do CEO da Swatch, Nick Hayek, que declarava em comunicado: "Não tenho palavras. Jordan (Jordão) não é apenas o nome do presidente do banco central [Thomas Jordan], mas também de um rio e a decisão de hoje é um 'tsunami' para a indústria exportadora e para o turismo e, no fim da linha, para todo o país".

E há ainda uma pequena comunidade portuguesa na Suíça que está a sofrer com o impacto desta decisão na sua vida. São funcionários públicos, muitos com formação superior - e se, antes da valorização do franco suíço (e consequente desvalorização do euro), recebiam do Estado português ordenados inferiores ao que é considerado mínimo para se viver com dignidade na Suíça (4.000 CHF que constituíram o salário mínimo nacional, se este tivesse sido aprovado no ano passado), agora ficam numa situação ainda pior. 

"Somos só mais uma gota num oceano" 
Alberto, Teresa e Mário fazem parte dos cerca de 150 professores e funcionários diplomáticos portugueses a viver na Suíça que levaram mais uma "machadada" nos seus rendimentos a partir de fevereiro, quando receberam o ordenado, pago em euros pelo Estado português, e o converteram em francos suíços. Para muitos deles, a situação em que viviam já não era fácil: aquilo que chegava às suas mãos, depois do valor dos cortes e impostos que o Estado retém, era pouco mais de metade do salário considerado mínimo para se viver na Suíça - aquele que é pago, normalmente, a três horas de trabalho de uma empregada doméstica. 

Dois meses depois, o problema não está resolvido. Mas enquanto os funcionários diplomáticos se mostram agora mais calmos, uma vez que o Governo irá repor o corte de 10% nos seus salários (considerado ilegal), com retroativos, os professores continuam entregues à sua sorte. Numa circular enviada por email aos professores, explicava-se que estes não estão abrangidos pela reposição dos cortes, uma vez que a redução remuneratória (redução dos cortes) "não é aplicada aos trabalhadores dos serviços periféricos externos do MNE [por exemplo, os professores de português no estrangeiro], sempre que da aplicação desta redução resulte inequivocamente a violação de uma norma imperativa de ordem pública local que preveja a regra da proibição da redução salarial". 

Desesperados e sem uma solução à vista, os professores reuniram-se na passada terça-feira à porta do consulado de Genebra. Contactados pelo Expresso, Teresa e Alberto sentem-se isolados. "As pessoas em Portugal não compreendem a nossa situação", explica ao Expresso a professora Teresa Martelo. Primeiro, "porque nós estamos longe. Para eles somos só mais uma gota num oceano", explica. Outros "acham que recebemos muito bem. Quatro mil euros, dizem eles!", ironiza Alberto. "Mas não nos podemos esquecer que esse é o valor bruto - líquidos ficamos com pouco mais de dois mil - e que o custo de vida aqui é bastante mais elevado". Teresa corrobora: "A vida está difícil. Já não conseguimos ir tomar um café diariamente, nem ir ao cinema, nem sequer ter vida social", lamenta. "E agora não sobra nada no fim do mês." A professora, que tem filhos para sustentar em Portugal, a estudar na universidade, prevê que sejam necessários ainda mais cortes no orçamento familiar. E equaciona inclusive voltar ao seu país. 

Mas nem sempre foi assim. "Quando em 2006 me candidatei a um concurso para o EPE, o vencimento era aliciante e compensava ir viver para a Suíça. Nessa altura, os professores ganhavam muito bem: cerca de 5.400 CHF ", recorda a professora de 49 anos, a trabalhar em Lausanne. Depois, a crise económica e financeira bateu às portas da Europa e, com ela, vieram mais cortes e aumento de impostos. "A partir de 2009, a situação dos professores no estrangeiro começou a deteriorar-se". Atualmente, em termos líquidos, Teresa recebe €2.600 líquidos (que representam, agora, 2.664 CHF), valor que contrasta com o que recebem os professores do ensino público no país: em média, os seus salários variam entre 5.509 e 9.213 CHF (dados do Instituto Nacional de Estatísticas suíço, 2012). "Estamos abaixo do limiar da pobreza", garante.  

A afirmação pode parecer excessiva aos olhos de quem vive em Portugal, mas na Suíça o cenário é diferente. Olhemos para os números. Todos os meses, um professor de português na Suíça, com um horário completo e com mais de 15 anos de serviço, recebe €4.895 brutos. O valor que chega às suas mãos, contudo, é cerca de metade. "Desse salário, quase metade fica em Portugal", explica ao Expresso Alberto Correia, a partir de Lausanne, referindo-se aos cortes sobre o salário dos trabalhadores da função pública e aos descontos que tem que fazer para a ADSE, IRS e Caixa Geral de Aposentações. "O Governo considera os professores do EPE como residentes em Portugal e, apesar de trabalharmos no estrangeiro, temos que pagar os nossos impostos em Portugal". No seu país de origem, o salário que recebe é elevado e por isso os impostos são-lhe cobrados "no escalão máximo" - apesar de o custo de vida na Suíça ser bastante superior ao de Portugal. Assim, e depois de subtraídos os impostos e cortes, o que lhe chega à Suíça são €2.370. Ora, se antes esse valor correspondia a 2.844 CHF, agora, depois da decisão do BNS e com o franco suíço próximo da paridade com o euro, representa 2.428 CFH. Uma remuneração choruda?

"Pago €1.110 por um estúdio, onde vivo com a minha filha. Como vivo a menos de 20 quilómetros de distância das escolas onde trabalho, não tenho direito a subsídio de transporte - e tenho que dar, todos meses, cerca de €200 para o passe. Cerca de €110 vão para o telefone e €127 para a internet". Isto sem falar da alimentação: "sem nunca jantar fora e poupando o máximo, gasto perto de 110 CHF por mês [€107, com o novo câmbio]. Os preços aqui são altíssimos. Por exemplo, uma lata de salsichas Nobre, que em Portugal custa 80 cêntimos, aqui custa 8,5 CHF [€8,2]", exemplifica o professor. "Sem falar em despesas de saúde. Só em saúde, com a minha filha, gasto cinco mil euros por ano." 

Política de avestruz ou tudo-leva-o-seu-tempo? 
Existem professores com menos anos de serviço e ordenados ainda menores. "Colegas meus que viviam em estúdios que iam pagando tiveram, ainda com o franco a €1,20, que os abandonar e procurar quartos por 500 ou 800 euros. Imagine o que farão agora", diz Alberto. "E sei de vários que têm comido, várias vezes por semana, latas de sardinha como refeição. Outros vão, às vezes, comer à Cáritas."

Nem só os professores de português na Suíça foram afetados pela decisão do BNS. Funcionários públicos portugueses a trabalhar na embaixada de Berna, consulados e NUOI foram atingidos por essa surpresa no início do ano. Mário Silva chegou à Suíça há mais de 15 anos e, em 1992, começou a trabalhar na representação diplomática da ONU e Organizações Internacionais (NUOI) como informático. Atualmente, os €4.202 brutos que supostamente recebe traduzem-se, na prática, em €2.500 líquidos (antes 3.000 CHF, agora 2.561 CHF). 

No entanto, no caso de Mário e de outros funcionários das representações diplomáticas, os motivos para alarme parecem estar a desaparecer, pelo menos para já, com a reposição do corte de 2014 de 10% nos seus salários, com retroativos. Mário Silva, que no final de janeiro condenava a atuação do Governo e a sua lentidão na procura de uma solução, diz agora que "as coisas estão a ser resolvidas e em breve estará tudo em ordem". "Depois de muita luta, conseguimos, para já, inverter a situação. E com isso minorar um pouco o problema dos trabalhadores do Ministério dos Negócios Estrangeiros."

No final de janeiro, ao ser entrevistado pelo Expresso, Mário afirmava: "É preciso que o Governo português tome uma atitude. Muitos países têm um mecanismo de correção automático dos salários. A Irlanda, que esteve em condições semelhantes às nossas, tem três atualizações anuais; a Letónia, com a indexação das variações cambiais, atualiza automaticamente os salários no caso de variações superiores a 5%". E não poupava críticas à atuação do Estado português. "[O Governo] tem uma política de avestruz: enfia a cabeça na areia", afirmava, acrescentando que este é um problema que já vem de trás. Mas não foi essa a solução que o Governo encontrou, antes uma reposição de cortes que nada tem que ver com a indexação cambial ou o pagamento em francos suíços.  

Alberto, no entanto, continua apreensivo e sem saber o que o futuro lhe reserva, além de uma sobrevivência com quase metade do salário mínimo para se viver na Suíça. Desiludido, explica que o problema da situação dos funcionários públicos portugueses na Suíça não está tanto na decisão do banco suíço, mas em Portugal. "Esta decisão do BNS só veio pôr a nu uma situação que, desde 2009, caminhava inexoravelmente para este fim. De facto, desde 2006, mas especialmente desde 2009, temos vindo a receber cortes no salário (...). O salário pago em euros, as taxas em Portugal, o custo de vida na Suíça, as rendas da casa altíssimas, a depreciação do euro face ao franco, a impossibilidade de apresentar despesas como a renda da casa no IRS, o pagamento dos transportes para irmos para as aulas, da internet, do telefone, das fotocópias... Tudo isto foi bruscamente exposto com a decisão do BNS", escreveu num email para a comunidade de professores na Suíça, que partilhou com o Expresso. "A culpa não é dos suíços... a culpa é de quem não fez nada para alterar esta situação que se arrasta desde 2009." 

Na ponta mais ocidental da Europa, em Portugal, poucos olhos estão agora postos nos funcionários portugueses na Suíça. O tema parece adormecido, quase esquecido. Contactado pelo Expresso, o Instituto Camões esclarece, contudo, que se encontra "em curso a apresentação de uma proposta de alteração ao regime jurídico do ensino português no estrangeiro" que propõe "a introdução de um mecanismo de correção da variação cambial negativa, em linha com o regime dos trabalhadores dos serviços periféricos do MNE".

Enquanto em Portugal as propostas não passam à prática, na Suíça há quem continue a viver com muitas dificuldades. Os dois professores garantem que, se a situação se prolongar, terão que falar com os encarregados de educação dos seus alunos para lhes dizer que dificilmente continuarão a cumprir "a missão de ser professor dos filhos deles". Também Mário Silva, quando foi confrontado com este problema no início do ano, estava apreensivo. Apesar disso, acreditava que o Governo ia tomar uma atitude. "O problema é quando. Se for daqui a cinco meses, não sei como nos vamos aguentar. Se agirem com a rapidez com a qual têm agido nos últimos anos, estamos muito mal." Hoje, Mário está mais calmo, diz que este já não é um problema a noticiar, porque a situação dos funcionários das representações diplomáticas está a ser resolvida. Já os professores continuam à deriva.  

 

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