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Estou aqui nos Açores, mas não estou ali na América
2015-01-09
I don’t belong here devolve a cinco açorianos deportados da América as suas histórias, mas também um novo território: o palco. No Maria Matos até dia 15.

É a coisa mais difícil da vida de Dinarte Branco, esta que sobe esta sexta-feira ao palco do Maria Matos.

Cinco portugueses no papel, cinco americanos no coração, cinco deportados. Não são repatriados, porque aqui não mora ninguém que sinta que a sua pátria é esta. Crime e castigo, América e Açores, "I'm here, but I'm not here" como diz Paulo Pacheco, dorido terceirense que queria continuar a morar no Canadá que foi seu durante 50 anos. I don't belong here, ou de como cumprir penas nos países para onde se emigrou ainda criança pode acabar num escarro sobre a identidade de Zita, de Paulo, de António, de José, de Luís. 

 

"São expulsos, são cuspidos dos EUA e do Canadá", atira Nuno Costa Santos, co-autor com Dinarte Branco da peça que já teve ante-estreia e estreia em Montemor e que fica até dia 15 no Maria Matos, em Lisboa, para depois viajar pelo país (Torres Novas, Porto, Guimarães, Coimbra, Ovar, Viseu, Açores). I don't belong here é um espectáculo engajado, é uma resposta a um desafio do Observatório dos Luso-Descendentes a Dinarte Branco. O actor encena dois actores profissionais e cinco deportados confessionais que contam as suas histórias -  "Somos histórias que muitas vezes não se partilham, escondidas atrás de muros que criamos", como descreve Nuno Costa Santos.

Há dez anos, Nuno tinha escrito um artigo jornalístico sobre os mais de mil deportados que desde 1987 foram expulsos dos EUA e Canadá, na sequência de crimes e respectivas penas, para os Açores onde nasceram mas que nada lhes dizem. Há dez anos, Nuno não tinha ido jogar bowling com os deportados que não gostam de futebol e que "criaram a sua realidade de conforto nos Açores". Não tinha ganho a sua confiança, não tinha conhecido tantas caras em workshops - como aquela de boné na cabeça e tatuagem na mão que se exaspera, jovem: "Where's my future? Where's my future? There's no future here. There's no future here. Listen, you're gonna be waiting forever, ‘til the day you die"

Depois, Nuno Costa Santos escrevia É preciso ir ver - uma viagem com Jacques Brel, cuja passagem pelo Porto levou a presidente do Observatório, Emmanuelle Afonso, até Dinarte Branco, que encenava aquela história sobre o cantor belga e o seu médico açoriano. Depois, Dinarte ia passar férias de Verão a São Miguel para "conhecer de perto o universo dos deportados naquela ilha. Nessa altura conheci a Zita, o Louie e o Paul que tinha chegado a S. Miguel havia duas semanas, três dos deportados que estão na peça, e percebi que queria trabalhar com aquelas pessoas", explica o co-autor e encenador. Louie de Sousa e Paul Pacheco, mais Tony Brum, Zita Almeida e Joe Leandro.

Agora, 16 meses, quatro workshops e muitas histórias depois, alguns conselhos de técnicos, ajuda de associações, é a "coragem" de quem cometeu crimes mais ou menos graves, mas que tal como fala deles frisa sempre que cumpriu as suas penas, que está no palco. I don't belong here junta Branco e Santos na ideia de coragem e devolve aos cinco deportados e co-criadores do seu próprio texto. Uma narrativa, mas também um território.  

Estou aqui mas não estou aqui

Não sendo um bilhete de regresso, o palco é-lhes um terceiro espaço num trabalho sobre pertença, sobre a violência da aculturação - "Para mim este é um sítio alienígena. Estão a pedir-me para me conformar a quê? A algo que não conheço, só por causa do meu sangue, do sangue do meu pai e do pai dele? Estou aqui, mas não estou aqui", diz Paulo Pacheco, que os autores conheceram semanas depois de ter sido devolvido à procedência, "em choque" nos Açores. Muitos não sabem português ao chegar. "I don't get high, I don't do drugs anymore. I just need friends to talk to sometimes." Mas eles também não (re)conheciam o palco. 

Agora, "eles pertencem mais àquele palco. Quase criaram ali um terceiro território onde podem expressar-se humana e criativamente", conclui Nuno Costa Santos, lembrando que "as pessoas que estão envolvidas [no espectáculo] são contra a deportação. Não há ideologia, é bom-senso".

Estamos na América de camisola e boné dos New York Yankees, inglês nativo, desejo expresso de que um dia as suas cinzas vão "de volta para os States". Zita chegou lá aos 6 anos e cumpriu outras tantas penas num total de dez anos de prisão. Em palco, troca com a actriz Cláudia Gaiolas. Zita recita o juramento de lealdade à bandeira dos EUA, Cláudia devolve-lhe a letra do hino português. "Confiei na América, confiei nos Açores e olha onde estou. Na lua. Vocês são doidos? Sou açoriana de sangue mas sou americana 100%." José, aliás Joe, encena a decisão do tribunal de o deportar. Acaba a cena enrolado em película aderente.

O que Dinarte Branco quer é "que o público possa conhecer estas pessoas, expor o absurdo que é querer fazer deles 'portugueses' ao fim de 50 anos de vida no Canadá ou nos Estados, fazendo o foco no indivíduo e não através de um manifesto político". Para ele, a teoria ficou para trás. "Uma coisa é acharmos que as pessoas depois de pagarem pelos seus crimes têm direito a uma segunda oportunidade, outra é praticarmos essa 'segunda oportunidade'", explica. Por isso, o longo processo, o ganho de confiança, o largar e viver, "foi a coisa mais difícil que fiz até hoje". "Acho que fizemos um teatro de compromisso, em que sabemos que podemos contar uns com os outros."

 

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