A violência extrema da semana passada é mais um choque num já muito frágil continente. Uma Europa à beira da recessão generalizada, à beira da deflação, rodeada de riscos externos na sua vizinhança próxima, recheada internamente de bolsas de descontentamento. Para além das suas facetas imediatas de tragédia humana e agudas manifestações políticas, os actos de terror também têm uma variedade de outras consequências.
Há uma primeira observação aqui que é importante reter. O ponto de vista de Portugal importa. Em primeiro lugar importa para quem vive cá. Mas, em segundo lugar, esse ponto de vista importa também para quem está fora de Portugal. Os poderes públicos portugueses e os actores sociais têm de se equipar para desenvolverem um entendimento e um conjunto de respostas. As tendências de divergência e volatilidade na Europa estão a acentuar-se, e é bom as estruturas públicas e os actores sociais prepararem-se para esta paisagem de risco político e económico . O terrorismo é (também) um problema português.
As ameaças aqui tão perto
A emigração portuguesa para França é uma tendência antiga e teve o seu
auge nos anos 1960 (curiosamente nos "anos de ouro" do crescimento
económico português). Essa emigração foi massiva e sobretudo motivada
pela busca de melhores condições de vida e horizontes de futuro. Nos
anos 1970 já havia mais portugueses em França do que qualquer outra
nacionalidade estrangeira. Cerca de metade da comunidade portuguesa
concentra-se na região da capital.
Assim, os eventos terroristas de Janeiro 2015 em Paris atingiram aquela que é a segunda maior cidade portuguesa no mundo , logo a seguir a Lisboa. Aliás, a presença portuguesa em França é tão grande que, nos últimos 40 anos, tem disputado o primeiro lugar das comunidades estrangeiras com a Argelina e a Marroquina . Ultimamente, com a crise Europeia, um novo influxo de imigrantes chegou a França... e, ao contrário do que vinha sendo hábito, a sua origem foi de novo Europeia. De acordo com as estatísticas francesas, foram os portugueses quem mais chegou a França durante esta era de austeridade .
Acordar para a responsabilidade
Vários políticos portugueses, e também vários comentadores de TV e
jornal, por diversas vezes se referiram a estes atentados como tendo
poucas ligações a Portugal. Esta atitude complacente é antiquada e
inadequada nos tempos que correm. Mesmo ocorrendo fora do território
nacional os desenvolvimentos em França, sobretudo na região parisience,
dizem-nos respeito.
Desta perspectiva resultam algumas implicações. Em primeiro lugar: Calma lá com essa conversa de um país pacato, afastado dos grandes perigos, pátria apenas das brandas confusões! As fronteiras hoje são difusas numa Europa de misturas e num mundo em globalização contestada. É importante calibrar o discurso e evoluir para uma postura que vê a segurança como um fenómeno dinâmico e aberto. É preciso convidar a sociedade a amadurecer quanto a estes temas.
Em segundo lugar, é importante saber mais sobre terrorismo e isso significa investir em investigação orientada para a compreensão dos riscos civis e militares. Vale a pena identificar parte do trabalho que já se faz, para não nutrir essa tentação da moda que é assumir-se que as ciências sociais nas universidades não servem para nada. Apesar do conflito de interesse gostaria de começar pelo ISCTE, onde se tem desenvolvido a agenda das Políticas Públicas de Segurança e Defesa Nacional ( ver curso de especialização aqui ; ver esta importante dissertação por parte de uma aluna de mestrado que é quadro da PSP, a Dra. Ana Morais). Em Lisboa a agenda das relações internacionais e estudos de paz é ainda perseguidada na UAL, sob a égide de um grande especialista, o Professor Luís Moita , que imprime grande dinamismo ao centro Observare e à revista Janus . É de destacar também o OSCOT - Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, onde o Professor Filipe Pathé Duarte se tem destacado na análise ao caso Charlie Hebdo . Finalmente, na Universidade de Coimbra, temos trabalho sobre violência e os seus modos de representação , o qual tem tido várias repercussões internacionais pela mão de investigadoras de grande recorte como a Professora Raquel Freire . Estes são apenas alguns exemplos, mas importam. Todo o conhecimento é pouco nesta matéria.
Em terceiro lugar, é ainda relevante coordenar com os países da Lusofonia e a sua organização representativa. É importante que num fórum como a CPLP se proporcione a vontade política para a cooperação nas áreas dos direitos humanos, migrações, crime organizado e segurança humana . Não há escolha: estes desafios têm de ser olhados de frente e numa perspectiva internacional e transcontinental. A base da cooperação tem de ser crítica, validada e céptica perante preconceitos e estereótipos fáceis.
Próximos passos, próximos tropeções...
Temos a obrigação de escrutinar a posição que o governo português vai
ter neste debate renovado sobre terrorismo. Em matérias de política
externa o cenário-base é suficientemente deprimente: o expectável é que a atitude seja a do costume. A saber: subserviente, seguidista, deslumbrada,
acrítica, timorata, impreparada ... e pior ainda, muitas vezes
simplesmente desvertebrada, ridícula e gravemente danosa para a
reputação do país.
Nada disto são meras impressões: é literalmente, e infelizmente, informação pública em círculos de referência internacional. Assim foi esta semana. Por cá, resta-nos fazer perceber e deixar a mensagem: nem tudo passa despercebido.
Ver Expresso, aqui.