1. Na noite da passada
sexta-feira teve lugar na Biblioteca Municipal de Fafe a apresentação da obra
"Parcours/Percurso", uma edição bilingue em francês e em português, da autoria
de Manuel Sousa Fonseca, um emigrante fafense em França desde há cerca de 45
anos e que desertou do país, com apenas 18 anos, para fugir à guerra colonial,
na qual se recusou a participar.
Com formação em
gestão e administração de recursos humanos, desenvolveu, além da sua actividade
profissional, um activismo militante na área do associativismo dos emigrantes
em França e ultimamente no Brasil, por laços de casamento, fundando e dirigindo
associações, além de se dedicar à escrita jornalística e literária, sobretudo
na área da poesia.
O lançamento do
nono livro do autor, serviu também para estimular a conversa em torno da
emigração para França, nos anos 60 e 70, tendo como participante e facilitador
outro emigrante, este de Guimarães, José Machado, igualmente activista
associativo, chegando a ser presidente da Federação das Associações Portuguesas
em terras gaulesas.
Foi passada em
revista a odisseia, que a história de vida do autor evidencia, da emigração
clandestina dos portugueses para França, há meio século, numa época em que a
Ditadura portuguesa obstaculizava fortemente a saída de mão-de-obra
indiferenciada, que tanta falta fazia nos campos e nas fábricas deste país. A
maioria das terras pobres do norte e centro sangrou e desertificou pela
emigração massiva dos homens na força da idade, em busca de melhores condições
de vida e da dignidade que o país lhe recusava.
A emigração "a
salto" foi um processo traumático que envolveu muitos milhares de portugueses e
sobre o qual recaiu durante décadas um manto de silêncio, à semelhança do que
aconteceu com a guerra colonial, do qual só nos últimos anos se começam a
reconstruir memórias e histórias, testemunhos de vida e sofrimento que vão
vendo a luz da publicidade, em livros, em depoimentos, em conferências, em
desabafos individuais ou colectivos.
Estamos a falar,
nessa época, de emigrantes que abandonavam o país para fugir à miséria, à
tirania do regime e à probabilidade de morrer em Angola, na Guiné ou em
Moçambique. Uma ruptura violenta relativamente à família que cá ficava e ao
habitat natural que assim era deixado para trás. Era gente, em geral, pouco
qualificada ou analfabeta, desconhecedora por inteiro da língua do país de
acolhimento e por isso era enorme o choque e difícil a adaptação a um mundo
completamente outro, relativamente àquele de onde partiam. Por isso também,
pelo menos numa primeira fase, o medo da participação cívica, já que os
emigrantes viviam um pouco na clandestinidade, nos "bidonvilles" dos arredores
de Paris.
Abandonados tanto
pelo governo português dessa época, que só via neles uma forma de obter
recursos financeiros, pelas somas avantajadas enviadas para o país, como pelo
governo francês, apenas desejoso de obter mão-de-obra a baixo custo, tão
necessária a todos os níveis e em todas as profissões.
Os pobres
portugueses eram considerados "bons trabalhadores", o que para alguns assume
uma carga pejorativa, porque obedientes, esforçados, respeitosos do chefe e das
instituições, o que vinha claramente do legado ideológico salazarista e
caetanista, enfim,
"gente laboriosa", responsável, adaptável a
qualquer situação, que trabalhava muito para ganhar o triplo do que ganharia no
seu país de origem mas um terço do quer auferiam os naturais nas mesmas funções.
O que significa que
os muitos milhares de portugueses que chegaram a França contribuíram tanto para
o país de acolhimento como para o país de origem, através das chorudas
remessas, que fizeram o gáudio dos governantes durante décadas, antes e depois
do 25 de Abril.
O seu propósito
primordial consistia em trabalhar o máximo, para ganhar o mais possível em
pouco tempo. Com o corpo a mourejar em França e a cabeça residente em Portugal,
para que o regresso fosse rápido, o que acabou por, em grande parte dos casos
não se verificar, tendo ficado por lá famílias a prender os corações pátrios
dos emigrantes que ainda hoje se dividem pelos dois países.
Estavam mais
adaptados ou "assimilados" que integrados na sociedade francesa, porque nunca
deixaram de ser "estrangeiros", de alguma forma desenraizados.
Os emigrantes são
gente de duas pátrias e de pátria nenhuma. No país de acolhimento, não passam
de estrangeiros, de emigrantes, já se vê, enquanto em Portugal são também os
"emigrantes", alegadamente diferentes, no seu estatuto, no seu projecto de vida
e na aparência, dos naturais que nunca tiveram a coragem de abandonar a sua
terra. São, assim, emigrantes cá e lá, estrangeiros dos dois lados da fronteira.
De todo o modo,
muitos mantiveram-se e mantêm-se implicados no movimento associativo, para
defender a cultura, os usos e as tradições do seu país e da sua região e
sobretudo a língua portuguesa. Curiosamente, o grosso do movimento associativo
era constituído pelos analfabetos ou gente de poucas letras, enquanto aos
intelectuais andavam um tanto afastados desse fenómeno.
Uma questão muito
pertinente foi lançada por José Machado, que se insurgiu contra vários
expedientes que ao longo dos tempos têm sido utilizados para "mascarar" o
fenómeno da emigração. Parece que há uma vergonha nacional, a começar pelos
governantes, de falar nesse conceito, a emigração. O membro do governo que
tutela a emigração é o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. E há
um organismo chamado Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades
Portuguesas, que alegadamente trata dos temas da emigração. Fala-se do
chavão dos luso-descendentes, que parece não identificar coisa nenhuma, quando
se deveria falar de filhos de emigrantes num determinado país. Mas o pudor da
emigração parece ser identitário no país e nos seus dirigentes.
2. É claro que a
emigração dos nossos dias não é nada disto. É jovem, em grande parte,
qualificada, conhecedora da realidade, com grandes possibilidades de efectiva
integração e não pensa em regressar nos próximos anos para esta espelunca de
país, dominado pela corrupção, pelo compadrio, pela austeridade selvagem, pelo
empobrecimento geral e pela desigualdade social, com os ricos cada vez mais
ricos e os pobres a não poderem pagar as prestações da habitação ou as propinas
dos seus filhos.
Bem fazem os jovens
em tornarem-se "cidadãos do mundo", porque este país de miséria material e
moral cada vez vale menos a pena, com imensa pena o afirmo!...
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