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Percursos da emigração portuguesa
2014-11-16
Opinião de Artur Coimbra

1. Na noite da passada sexta-feira teve lugar na Biblioteca Municipal de Fafe a apresentação da obra "Parcours/Percurso", uma edição bilingue em francês e em português, da autoria de Manuel Sousa Fonseca, um emigrante fafense em França desde há cerca de 45 anos e que desertou do país, com apenas 18 anos, para fugir à guerra colonial, na qual se recusou a participar.
Com formação em gestão e administração de recursos humanos, desenvolveu, além da sua actividade profissional, um activismo militante na área do associativismo dos emigrantes em França e ultimamente no Brasil, por laços de casamento, fundando e dirigindo associações, além de se dedicar à escrita jornalística e literária, sobretudo na área da poesia.
O lançamento do nono livro do autor, serviu também para estimular a conversa em torno da emigração para França, nos anos 60 e 70, tendo como participante e facilitador outro emigrante, este de Guimarães, José Machado, igualmente activista associativo, chegando a ser presidente da Federação das Associações Portuguesas em terras gaulesas.
Foi passada em revista a odisseia, que a história de vida do autor evidencia, da emigração clandestina dos portugueses para França, há meio século, numa época em que a Ditadura portuguesa obstaculizava fortemente a saída de mão-de-obra indiferenciada, que tanta falta fazia nos campos e nas fábricas deste país. A maioria das terras pobres do norte e centro sangrou e desertificou pela emigração massiva dos homens na força da idade, em busca de melhores condições de vida e da dignidade que o país lhe recusava.
A emigração "a salto" foi um processo traumático que envolveu muitos milhares de portugueses e sobre o qual recaiu durante décadas um manto de silêncio, à semelhança do que aconteceu com a guerra colonial, do qual só nos últimos anos se começam a reconstruir memórias e histórias, testemunhos de vida e sofrimento que vão vendo a luz da publicidade, em livros, em depoimentos, em conferências, em desabafos individuais ou colectivos.
Estamos a falar, nessa época, de emigrantes que abandonavam o país para fugir à miséria, à tirania do regime e à probabilidade de morrer em Angola, na Guiné ou em Moçambique. Uma ruptura violenta relativamente à família que cá ficava e ao habitat natural que assim era deixado para trás. Era gente, em geral, pouco qualificada ou analfabeta, desconhecedora por inteiro da língua do país de acolhimento e por isso era enorme o choque e difícil a adaptação a um mundo completamente outro, relativamente àquele de onde partiam. Por isso também, pelo menos numa primeira fase, o medo da participação cívica, já que os emigrantes viviam um pouco na clandestinidade, nos "bidonvilles" dos arredores de Paris.
Abandonados tanto pelo governo português dessa época, que só via neles uma forma de obter recursos financeiros, pelas somas avantajadas enviadas para o país, como pelo governo francês, apenas desejoso de obter mão-de-obra a baixo custo, tão necessária a todos os níveis e em todas as profissões.
Os pobres portugueses eram considerados "bons trabalhadores", o que para alguns assume uma carga pejorativa, porque obedientes, esforçados, respeitosos do chefe e das instituições, o que vinha claramente do legado ideológico salazarista e caetanista, enfim, "gente laboriosa", responsável, adaptável a qualquer situação, que trabalhava muito para ganhar o triplo do que ganharia no seu país de origem mas um terço do quer auferiam os naturais nas mesmas funções.
O que significa que os muitos milhares de portugueses que chegaram a França contribuíram tanto para o país de acolhimento como para o país de origem, através das chorudas remessas, que fizeram o gáudio dos governantes durante décadas, antes e depois do 25 de Abril.
O seu propósito primordial consistia em trabalhar o máximo, para ganhar o mais possível em pouco tempo. Com o corpo a mourejar em França e a cabeça residente em Portugal, para que o regresso fosse rápido, o que acabou por, em grande parte dos casos não se verificar, tendo ficado por lá famílias a prender os corações pátrios dos emigrantes que ainda hoje se dividem pelos dois países.
Estavam mais adaptados ou "assimilados" que integrados na sociedade francesa, porque nunca deixaram de ser "estrangeiros", de alguma forma desenraizados.
Os emigrantes são gente de duas pátrias e de pátria nenhuma. No país de acolhimento, não passam de estrangeiros, de emigrantes, já se vê, enquanto em Portugal são também os "emigrantes", alegadamente diferentes, no seu estatuto, no seu projecto de vida e na aparência, dos naturais que nunca tiveram a coragem de abandonar a sua terra. São, assim, emigrantes cá e lá, estrangeiros dos dois lados da fronteira.
De todo o modo, muitos mantiveram-se e mantêm-se implicados no movimento associativo, para defender a cultura, os usos e as tradições do seu país e da sua região e sobretudo a língua portuguesa. Curiosamente, o grosso do movimento associativo era constituído pelos analfabetos ou gente de poucas letras, enquanto aos intelectuais andavam um tanto afastados desse fenómeno.
Uma questão muito pertinente foi lançada por José Machado, que se insurgiu contra vários expedientes que ao longo dos tempos têm sido utilizados para "mascarar" o fenómeno da emigração. Parece que há uma vergonha nacional, a começar pelos governantes, de falar nesse conceito, a emigração. O membro do governo que tutela a emigração é o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. E há um organismo chamado Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, que alegadamente trata dos temas da emigração. Fala-se do chavão dos luso-descendentes, que parece não identificar coisa nenhuma, quando se deveria falar de filhos de emigrantes num determinado país. Mas o pudor da emigração parece ser identitário no país e nos seus dirigentes. 

2. É claro que a emigração dos nossos dias não é nada disto. É jovem, em grande parte, qualificada, conhecedora da realidade, com grandes possibilidades de efectiva integração e não pensa em regressar nos próximos anos para esta espelunca de país, dominado pela corrupção, pelo compadrio, pela austeridade selvagem, pelo empobrecimento geral e pela desigualdade social, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres a não poderem pagar as prestações da habitação ou as propinas dos seus filhos.
Bem fazem os jovens em tornarem-se "cidadãos do mundo", porque este país de miséria material e moral cada vez vale menos a pena, com imensa pena o afirmo!...

 

Ver Diário do Minho, aqui.

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