Há portugueses convertidos ao Islão que não são terroristas.
A comunidade emigrante pede para que não se generalize o tema.
Um
lusodescendente, engenheiro aeronáutico, de 39 anos, gostaria muito que os
muçulmanos dessem uma outra imagem do Islão, mas admite que «o mundo islâmico
está em muito mau estado», a começar «pelos problemas em relação à mulher», a
passar pelo facto de «os muçulmanos não se entenderem» e a terminar com o
exemplo do Afeganistão onde «pensam ser capazes de viver o Islão de há 1400
anos».
Luís
Belo Gaspar é um franco-português pouco comum: nasceu em França, estudou em
Londres, vive na Arábia Saudita e converteu-se ao Islão há quase 16 anos,
depois do fervor da catequese, do interesse pelo budismo «por causa dos
Beatles» e da descoberta do Corão.
O
resultado, na sua opinião, é que «os radicais criam outros radicais que veem o
Islão como um bando de terroristas», exemplificando com o 11 de setembro quando
a irmã lhe disse: «Hoje pensei que vocês eram todos uns terroristas. Tu é que
me estás a dar uma imagem diferente do Islão».
Em conversa
com a Lusa, por skype, o português disse «ter pena» dos muçulmanos que se
radicalizam e admitiu que, recentemente, foi abordado no Facebook por um jovem
lusodescendente de Champigny, nos arredores de Paris, «vinte anos mais novo».
«Começou
logo: 'Irmão, vê se abres os olhos. Já não é paz e amor, acabou-se! Os
franceses estão a combater-nos' e eu disse: 'Então se te combatem vai-te
embora?, e ele respondeu: 'Eu estou aqui na Síria e no Iraque!'. Ou seja,
estava de certeza a querer ir buscar portugueses. Bloqueei-o logo!», conta.
Para
Luís Belo Gaspar, os jovens portugueses que integram as fileiras jihadistas «ou
têm uma certa frustração e querem-se afirmar-se ou mal conhecem a mensagem do
Islão, metem-se na internet e caem nas mãos dos radicais».
«Se
viessem para a Arábia Saudita, veriam que não somos irmãos como pensam. Como
sou português e estou a viver aqui, vejo que somos todos diferentes. Aqui, um
árabe vê um paquistanês não como um irmão mas como um gajo que vai limpar a
estrada», descreve.
Outro
franco-português que abraçou o Islão, pouco antes de completar 18 anos, é Issa
Mendes dos Santos, filho de uma portuguesa e de um francês e residente em
Chambéry, no leste de França.
O
jovem, agora com 20 anos, garante que nunca foi contactado pelas redes
jihadistas na internet porque «não ousam meter-se» com quem conhece o Islão.
Sobre o grupo Estado Islâmico, Issa faz questão de sublinhar: «Nós condenamos
os atos deles mas não nos cabe a nós justificar-nos pelos crimes que eles
cometem».
A notícia
da existência de uma dezena de portugueses, descendentes de famílias
emigrantes, a combater em grupos jihadistas na Síria e no Iraque está a ser
encarada, em França, como «uma coisa tão rara que deixa alguma perplexidade»,
disse à Lusa o Padre Carlos Caetano.
Em
França, as pessoas oriundas da emigração estão mais expostas «ao risco de uma
carreira jihadista», explica, por sua vez, Claire de Galembert do Institut des
Sciences Sociales du Politique, em Paris, à Lusa.
A
investigadora acrescenta que estas pessoas são «afetadas em cheio pela crise
económica, pelo desemprego e pela habitação que as colocam em rutura ou em
guetos», algo a que se somam os «problemas de identidade» vividos pelos filhos
dos imigrantes «que sentem que não pertencem nem ao país de origem nem ao país
que os acolheu».
À
partida, na opinião da especialista das religiões, esse não seria o caso dos
portugueses por causa das suas «estratégias de integração». Porém, «a crise
económica também atingiu o meio empresarial português", podendo ter levado
à degradação socio-económica "com consequências em termos das pessoas que
os jovens frequentam».
Cuidado
com os estereótipos, adverte, Pedro Viana, chefe de redação da revista
«Migrations et Société»: «Hoje em dia, qualquer pessoa que diga 'eu sou
muçulmano, sou praticante', imediatamente vai ter colada na testa uma etiqueta
de terrorista. Então, parte-se de confusões como 'muçulmano igual a radical',
'radical igual a terrorista', logo, 'muçulmano igual a terrorista'. É uma coisa
absurda!"
O
especialista das migrações admite que «hoje a falta de perspetivas toca uma
grande parte da juventude» e que «a religião passou a ser um dos lugares
privilegiados onde uma espécie de superação de si pode realizar-se».
Pedro
Viana considera, ainda, que se estão a viver as consequências de uma série de
«interesses económicos e geopolíticos da realidade histórica e contemporânea» e
que os jovens «dispostos a dar a sua vida pelo que pensam ser uma causa justa»
acreditam mesmo que «o mundo muçulmano está a ser atacado e querem defendê-lo»,
como cita a Lusa.
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