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Um 'avec' longe demais
2014-09-14
Emigrante agride mulher que lhe chama 'avec'

Agosto  de  2013. Elizabete  Silva Carvalho  segue ao  volante  com as  duas  filhas menores, de 3 e 8 anos, na estrada de Morreira para Santo Estêvão, em Braga. Nisto, depara-se com um carro parado no meio da  faixa  de  rodagem.  Portas abertas, ninguém à vista. Repara na matrícula francesa e sai-lhe  um  desabafo  pela  janela aberta do carro. "Estes ‘avecs' chegam aqui e acham que mandam nisto tudo." Segundos depois, Elizabete ultrapassa enfim o carro vazio e segue o seu caminho.  Mas,  poucos  metros adiante, o carro que há pouco lhe estava a bloquear o caminho ultrapassa-a e, numa manobra brusca, trava à sua frente, obrigando-a a parar. O condutor sai do veículo furioso, dirige-se a Elizabete  e  dispara  o  insulto:  "Pega lá o ‘avec' minha grande p***". Ato contínuo, agride Elizabete com "um estaladão".

É esta a versão que Elizabete, de 30 anos, contou em julgamento, no processo cuja sentença  foi  lida  no  Tribunal  de Braga na sexta-feira. A empregada têxtil apresentou queixa à polícia logo no dia da agressão e nem as tentativas de um acordo da advogada do agressor e até do seu pai a demoveram de retirar a queixa.  Até  porque,  estranho acaso, o emigrante que a agrediu foi reconhecido pela sua filha mais velha. "Descobri no mesmo  dia que ele é vizinho da minha sogra. E não é conhecido na zona pelos melhores motivos." Segundo  Elizabete,  o  arguido tem por alcunha ‘Manecas' e, explicou a juíza na primeira sessão do julgamento, tem cadastro: cumpriu pena de prisão por roubos e outros crimes.

O  agressor  vive  atualmente em  França,  onde  trabalha  na construção civil, e não compareceu na primeira das duas sessões previstas para o julgamento. No dia do desacato, o marido de Elizabete falou com ele. "O  meu marido estava muito revoltado, mas conteve-se porque eu tinha  apresentado  queixa  na polícia.  O  homem  pediu-lhe desculpa, mas a mim nunca me disse nada", conta Elizabete.

FAMÍLIA DE EMIGRANTES

Ironia das ironias, grande parte da família de Elizabete vive e trabalha no estrangeiro. "Do lado do meu marido, estão quase todos em França", conta à ‘Domingo'. E quando os recebe no verão, garante que os trata a todos por ‘avecs', sem que alguma vez tenha  havido  reações  negativas. "A própria juíza disse que não se pode  considerar  a  expressão ‘avec'  um  insulto,  não  sei  por que  é  que  o  homem  ficou  tão ofendido",  diz  Elizabete.  Não perdoa ao homem que a agrediu à frente das filhas, mas garante que não pediu qualquer indemnização. O pai do agressor ainda a contactou para tentar que retirasse  a  queixa,  mas  Elizabete manteve-se inflexível. A acusação  está  a  ser  conduzida  pelo Ministério Público, enquanto o arguido tem uma defensora oficiosa, uma advogada de Braga.

EXPRESSÃO DOS ANOS 60

Foi a grande vaga de emigração para França nos anos 1960 que deu origem à expressão ‘avec'. Por todo o País, mas sobretudo no Norte, centenas de milhares de portugueses partiram à procura de emprego e de uma vida melhor. A maioria era gente com pouca instrução e quando regressava a casa nas férias de verão vinha  a falar uma mistura de português e francês que convidava ao gozo dos que ficaram por cá. Daí que os ‘avecs' sejam os tais que voltam à aldeia com bons carros de matrícula francesa, novos usos e costumes e muitas histórias para contar.

Com o passar dos anos, o termo foi caindo em desuso, até por causa das mudanças que se verificaram tanto na sociedade portuguesa como na francesa.

"Os filhos dos emigrantes portugueses são hoje mais instruídos, muitos têm formação superior.  Continuam  a  visitar Portugal como um  lugar afetivo, sabem que estão ali as suas origens. Hoje é menos frequente os emigrantes serem olhados de lado quando vêm a Portugal, até porque, dada a crise que o país vive, a despesa que os emigrantes fazem nas terras que visitam é uma ajuda preciosa para a economia local." 

A explicação é  de  Paulo  Marques,  um  dos mais  destacados  emigrantes portugueses em França. Nascido em Ourém, partiu novo para aquele país, onde abraçou uma carreira política. Atualmente é vereador no município de Aulnay-sous-Bois, nos arredores de Paris. Foi eleito pelo partido UMP, um dos maiores do país. É também presidente da associação Civica, que tem por objetivo fomentar  a  participação  dos portugueses na vida política e social de França. Continua a vir a Portugal todos os anos e garante:  "Nunca  me  chamaram ‘avec' nem outra coisa parecida. E se o fizessem não daria muita importância."

Já Elizabete, também garante que vai continuar a tratar os familiares emigrados como ‘avecs'. Mas  promete  ter  mais  cautela  quando estiver na rua.

 

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