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Emigração foi a válvula de escape que aliviou as tensões sociais
2014-05-16
Portugal perdeu entre 150 e 200 mil pessoas nos últimos três anos. Foi a terceira maior sangria demográfica dos últimos 100 anos. Mais do que a crise, os especialistas culpam a resposta austeritária adoptada pelo Governo que reconduziu o país à periferia da Europa.

Pode o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, bradar no Parlamento que o país já saiu da crise que os estragos colaterais da consolidação orçamental estão aí, sem perspectivas de se desagravarem tão cedo: nos últimos três anos, Portugal perdeu entre 150 e 200 mil pessoas que deixaram o país em busca de trabalho e, não menos importante, de perspectivas de futuro

A estes cálculos, os especialistas que estudam os fluxos migratórios, já subtraíram as reentradas. Estamos, portanto, a falar de emigração permanente: milhares de portugueses desempregados (ou que até tinham emprego mas zero perspectivas de progressão), novos, velhos, homens, mulheres, com filhos e sem filhos, com canudos na bagagem (menos) ou apenas operários com saberes de anos em profissões desqualificadas (mais).

"Em matéria de emigração, os efeitos da troika foram tão maus como em tudo o resto, ou eventualmente piores, porque os impactos foram muito fortes e muito graves", diagnostica o investigador João Peixoto, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

Na coluna das saídas, aos portugueses que vão procurar trabalho lá fora (longe da sua zona de conforto, portanto) somam-se os imigrantes, sobretudo brasileiros e de Leste, que desistiram do país também. "Se dissermos que Portugal perdeu entre 150 e 200 mil pessoas nos últimos três anos, estamos a ser conservadores. Ora, em média, nos últimos quarenta anos, entraram em Portugal 10 mil imigrantes. Mesmo que só estivéssemos a mandar lá para fora 75 mil por ano, e creio que são mais, já seriam sete vezes mais", contrapõe Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório da Emigração.

Em 2012, o saldo migratório atingiu valores negativos históricos. O país ficou com menos 37.352 indivíduos. O ano anterior também já tinha registado um saldo migratório negativo de 24.300 indivíduos. Basta lembrar que em 2009 (já depois de declarada a crise) o país ostentava um saldo migratório positivo de 15.400 indivíduos para se ficar com uma noção mais ou menos clara dos estragos provocados. "Portugal já é, a seguir a Malta, o segundo país da União Europeia, com mais emigrantes em percentagem da população: 28,8%"", enfatiza Rui Pena Pires.

Quanto a quem sai, o diagnóstico está mais ou menos feito. Aumentaram os qualificados - na Saúde, os enfermeiros são retrato exemplar -, mas a maior fatia dos emigrantes continua a ser a dos desqualificados. Saem para o Brasil e para Angola, mas os aviões mais cheios são os que rumam a destinos como Alemanha, Reino Unido e  Suíça. "Entre 2008 e 2010, porque a crise foi global, a emigração até diminuiu. A partir de 2010, cresceu rapidamente. Em 2012, saíram 20 mil pessoas para o Reino Unido. Em 2013, já foram 30 mil, isto é, aumentou 50 por cento só num ano. Se isto aconteceu também nos outros destinos, aí temos as 100 mil saídas ano", contextualiza Rui Pena Pires.

Por último, saem os jovens em arranque da vida profissional, os desempregados, mas também os que, como observa Rui Pena Pires, "até têm trabalho mas perderam qualquer expectativa de progressão profissional e de melhoria das condições de vida". O investigador nota, aliás, que mais do que invectivas mais ou menos infelizes sobre zonas de conforto e a pieguice dos portugueses, o gatilho para a debandada foram "as sucessivas alterações das expectativas dos portugueses". "A falta de confiança no futuro é o que faz aumentar a emigração", sublinha, para acrescentar que se a emigração que marcou a década de 60 caiu em 1974 "não foi porque as coisas melhoraram de repente, mas por causa das expectativas que as pessoas ganharam nesse ano".

O peso da falta de esperança
"A total falta de esperança é o legado mais pesado da política da troika", concorda Manuel Loff. Para o historiador, "esta sensação colectiva de que aqui não vale a pena não encontra paralelo em nenhuma fase da história contemporânea portuguesa". Especialista em história contemporânea, Loff sustenta que Portugal vive hoje "o seu terceiro pior momento de sangria demográfica" dos últimos 100 anos. "É bom que tenhamos presente que, ao fim de 40 anos de democracia, num sistema que segundo muitos está estabilizado, voltamos a atravessar um momento de sangria demográfica, em que Portugal volta a perder população em termos líquidos, como só aconteceu nos anos 10 e nos anos 60. Se nos lembrarmos que esses dois momentos correspondem a duas guerras, a entrada de Portugal na I Guerra Mundial e a Guerra Colonial, e que esses anos são também marcados por mudanças de regime, ficamos com uma ideia da violência enorme a que estamos sujeitos".

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