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Ei-la que parte
2014-05-02
A reboque da crise ou à procura de novas oportunidades de carreira, há uma nova realidade social em Portugal que está a levar as mães para outras latitudes.

A vida nem sempre é o que se quer e as alternativas de futuro podem estar noutros cantos do globo. Mães e filhos separados fisicamente, mas próximos pelas novas tecnologias. É um mundo novo cheio de nuances...

Paulo (nome fictício), um jovem de 17 anos, viu a mãe partir há cerca de ano e meio para a Suíça e ficou com o coração destroçado. Apesar de compreender «perfeitamente» a decisão da progenitora, confessa-se triste. Conta que se sente revoltado por a mãe ter tido a necessidade de emigrar. Falam diariamente por telemóvel ou por skype - mas sente falta da presença física dela. Mãe é sempre mãe. E lá em casa tudo mudou. Passou a ter de ajudar nas limpezas e já está um homenzinho. As rotinas alteraram-se numa casa agora habitada apenas pelo pai, pela irmã mais velha e por ele. No momento das refeições, parece ficar com um buraco no estômago que nem os alimentos saciam. Há estados de alma que não se conseguem descrever. Os sentimentos são indizíveis. A saudade - essa palavra tão portuguesa e tão arreigada num país de emigrantes sem tradução noutras línguas - não expressa tudo o que um filho de uma emigrante sente quando está longe daquela que lhe deu a vida. O rapaz diz que as saudades matam «bastante» por dentro - e isso também é visível no desempenho escolar. Paulo, que frequenta o 12.º ano, é parco em palavras, mas diz que «as notas foram mudando». A mãe está fora de Portugal, embora não esteja ausente. Também lhe puxa as orelhas quando é preciso através das novas tecnologias: «Quando tiro má nota, num teste, ela dá-me um raspanete.» Parece paradoxal aos olhos de muitos adolescentes, mas há os que preferem mil vezes um raspanete olhos nos olhos do que à distância.

A vida nem sempre é o que se gostaria. E quantas vezes dá por ele a chorar por não ter a mãe bem junto dele. Homem que é homem também chora, e ele ainda é um menino. É o menino da sua mãe. Viver o Dia da Mãe sem a ter por perto é tão difícil: «É um dia que passa, mas que é muito complicado, porque nem sequer um beijinho e um abraço lhe posso dar.» Queria tanto poder dar-lhe um momento inesperado: «Aparecer em casa dela, sem ela dar por isso e fazer uma surpresa. É um sentimento muito grande para descrever o que sinto...» Confessa que lhe fazem falta os «mimos e carinhos». Mas vendo as coisas por outra perspetiva, sempre vai dizendo que ter uma mãe emigrada também tem uma vantagem: «Sou uma pessoa mais livre.» E aprendeu a «ser muito mais autónomo e responsável».

A mãe, Manuela (também nome fictício), 49 anos, reconhece que é «duro pôr certas responsabilidades em cima dos filhos». Sente-se «revoltada» por ter de ficar longe dos filhos e tê-los forçado a crescer rapidamente. Foi para a Suíça no final de 2012 porque em Portugal, de repente, a sua vida ficou virada do avesso. Assumiu um negócio dos pais que deu para o torto, endividou-se, hipotecou a casa de habitação e de férias, e já não conseguiu fazer face aos compromissos assumidos com o banco. De um momento para o outro viu-se sem trabalho e o dinheiro a escorregar pelas mãos como água a sair pelo ralo. O ordenado do marido não era suficiente e pensou em regressar àquele país alpino. Já lá tinha estado no início da sua juventude a trabalhar com o marido. Por lá nasceram os dois filhos. Regressaram todos era o Paulo ainda um bebé e agora é ela que volta para lá sozinha. Trabalha numa pastelaria/padaria e à noite ainda faz mais três horas na limpeza. A esfregona e o pano do pó ajudam-na a não pensar no pão que o diabo amassou de uma vida de muito trabalho na padaria, longe da família. É o dinheiro que por lá ganha que lhe permite mandar dinheiro para Portugal e honrar os compromissos que por cá assumiu. Não é fácil chegar a casa à noite e não ter ninguém com quem falar e abraçar. «Eu e Deus é que sabemos o que passo», desabafa. Custa-lhe mais ainda não poder assistir ao crescimento, às vitórias e às derrotas do dia-a-dia dos filhos.

Sem horizontes em Portugal

Manuela reconhece que a falta de trabalho, as dívidas, o desnorte e o ficar sem horizontes em Portugal deixaram marcas profundas na sua alma. Ficou deprimida e por várias vezes pensou em suicídio. Procurou outras saídas e decidiu viver. Por ela e pela família. E emigrou por desespero: «Se eu estivesse em Portugal, acho que não conseguiria aguentar. O dinheiro que ganhava aí não dava para pagar o que devia. Penso que se ficasse no nosso país, partia para o outro lado. Quero pagar tudo, quero pagar também às pessoas que me ajudaram. Por isso eu me sacrifiquei, sacrifiquei os meus filhos e isso é uma revolta muito grande.»

Entretanto, vai (sobre)vivendo assim. Só sairá da Suíça quando se reformar. A não ser que aconteça um milagre chamado euromilhões para ela regressar de cabeça erguida. Como o trabalho do marido em Portugal já conheceu melhores dias, há a hipótese de ele ir para lá. Mas a Suíça também já não é o que era. A crise em que a Europa mergulhou levou a que aquele país se visse invadido não só por portugueses, mas também por espanhóis, italianos e pessoas oriundas do Leste. E se antigamente eram os homens que partiam primeiro, reagrupando-se mais tarde a família; agora há cada vez mais mulheres desempregadas a tentarem a sua sorte e a emigrarem sozinhas. Manuela chegou a partilhar uma casa alugada na Suíça com outra mulher que teve de deixar o marido e os filhos ainda pequenos em Portugal em busca de novos horizontes profissionais.

A vida vai andando, umas vezes bem, outras vezes mal, e o tempo vai correndo veloz à espera de melhores dias. Respira-se fundo e enfrenta-se outro dia. Lá vai Manuela, batuta, ganhar o pão de cada dia e mandar algumas migalhas, aquilo que pode, para o país onde nasceu, onde construiu uma vida que se interrompeu longe da família. O Dia da Mãe está a chegar. Não sabe como vai viver esse dia mais uma vez sem poder receber um beijinho dos filhos. No ano passado, o marido e os filhos compraram-lhe um ramo de flores. Ela apenas pôde ver o arranjo tão bonito e especial a partir do skype. Faz-se silêncio quando ela nos conta isso. A emoção apodera-se dela e é difícil continuar a discorrer palavras que mais nada acrescentam ao estado de espírito que ela vive e já entendemos. Já é tarde, está na hora de se deitar e desligar o telefone. Amanhã é um novo dia. Mais um dia de trabalho. Mais um dia sem a família por perto.

Feridas que ficam

«A emigração destas mães não é voluntária. Sentem que não têm oportunidades e decidem emigrar e isso tem impacto nos filhos e nos pais», adverte Cláudia Pereira, antropóloga e investigadora do Observatório da Emigração. Três gerações destroçadas: pais, filhos e avós, quando a família se divide por força das circunstâncias.

«É o mercado de trabalho que regula as migrações, mais do que qualquer lei. O que é grave não é a emigração. Grave é a economia não estar saudável para as pessoas terem a opção de emigrar ou não. É problemático quando se emigra, porque se acha que não há oportunidades cá e isso deixa feridas», vaticina a investigadora.

Há ainda poucos estudos sobre mães emigrantes. Cláudia Pereira reconhece a necessidade de haver maior investigação sobre o tema para se conhecer melhor esta nova tendência.

A psicóloga Maria Brito Goes considera que a emigração das mães, seja por uma questão de necessidade ou opção no sentido de progredir na carreira, implica sempre uma alteração na vida familiar, tanto na perspetiva dos pais como dos filhos. As consequências variam de caso para caso: «Os efeitos serão diferentes dependendo de inúmeros fatores, como sejam, a solidez do casal, a idade dos filhos (é completamente diferente a mãe tomar uma opção destas com filhos pequenos ou com filhos já no ensino secundário, ou na faculdade, já que o entendimento por parte dos filhos é outro e as necessidades face à presença da mãe serão também outras), a distância e a regularidade das vindas a casa, etc. Generalizando, podemos, sem dúvida, afirmar que essa situação traz consequências para os filhos e para o próprio casal, já que o papel de uma mãe é dificilmente substituível.» É possível minimizar o impacto da ausência física da mãe quando existe uma rede familiar alargada forte. O pai e os avós têm aqui um papel chave.

Pode ler o artigo completo na edição impressa de maio da FAMÍLIA CRISTÃ.

Família Cristã, aqui.

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