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Reino Unido é o país para onde estão a ir cada vez mais portugueses
2014-03-10
A ideia de que a emigração portuguesa é hoje feita de pessoas altamente qualificadas “é uma ilusão”, diz o investigador João Peixoto. “A maioria das saídas não são de mestres e doutores”. Conferência em Lisboa vai reunir vários estudiosos para debater os portugueses que saem do país.

Catarina Gomes

O Reino Unido é desde há três anos o principal destino da emigração portuguesa e os números continuam a aumentar de ano para ano. As últimas estatísticas britânicas, de 2013, revelam que chegaram ao país cerca de 30 mil portugueses, mais 50% do que no ano anterior, o que significará que cerca de um terço dos que saem de Portugal está a escolher este destino para procurar trabalho. E os mais qualificados são uma minoria. "Que a árvore não esconda a floresta. A esmagadora maioria das saídas continua a ser, tal como na década de 1960, de pessoas pobres e pouco escolarizadas", nota o investigador João Peixoto.

Estas serão algumas das questões abordadas na conferência internacional Emigração portuguesa contemporânea, que terá lugar quarta e quinta-feira no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), em Lisboa, numa altura em que Portugal voltou a níveis de fluxo migratório que tinha na década de 1960: estão a sair do pais cerca de 100 mil pessoas, refere o coordenador científico da Observatório da Emigração, Rui Pena Pires. "Desde a crise terão saído do país quase 400 mil pessoas."

Fala-se cada vez mais de Angola e do Brasil como destinos da emigração portuguesa mas é sobretudo porque são uma novidade; "a emigração portuguesa é sobretudo europeia, diz Rui Pena Pires. "Para a Europa irão actualmente entre 80 a 85% dos emigrantes portugueses". A seguir ao Reino Unido, surgem como destinos a Suíça, a Alemanha, a Espanha e o Luxemburgo. Não existem dados actuais acerca de França.

As estatísticas brasileiras sobre concessões de autorizações de trabalho a portugueses foram, em 2012, 2171, o que faz com que este destino se fique por cerca de 1% do todo, diz Pena Pires. Já os que vão para Angola e Moçambique nos últimos cinco anos representarão, por ano, cerca de 10 a 12% dos fluxos, estima.

Embora, há uns anos, quase se tenha deixado de falar de emigração, em detrimento da imigração, ela continuou a existir. Em 2007, ainda a crise não se tinha feito sentir com vigor em Portugal, os portugueses iam maioritariamente para Espanha à procura de emprego. Eram sobretudo trabalhos temporários, na construção civil e obras públicas, muitos em zonas de fronteiras com saídas temporárias, ao sabor das necessidades do sector, refere Pena Pires, investigador do ISCTE. Agora, a Espanha quase desapareceu como destino, de 27 mil saídas em 2007 passaram para seis mil em 2012.

Tudo mudou em pouco tempo. Em 2010 o Reino Unido surge como o destino por excelência: eram cerca de 12 mil nessa altura, em 2012 rondavam os 20 mil, em 2013 já são 30.121, revelam os dados colhidos por uma investigadora do ISCTE, Cláudia Pereira, uma das organizadoras do encontro que quis sentar à mesa muitos dos que neste momento estão a estudar um tema que durante vários anos recebeu pouca atenção da academia.

Emigram enfermeiros, arquitectos, cientistas, engenheiros. "Fala-se da fuga de cérebros. Claro que sim, nunca houve tantos licenciados a sair do país, mas que a árvore não esconda a floresta. A maioria das saídas não são de mestres e doutores", sublinha o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, João Peixoto, notando que "é uma ilusão" pensar que Portugal passou a ter uma emigração sobretudo qualificada.

Se é verdade que aumentaram as saídas de qualificados, isso também é reflexo de um país mais escolarizado, mas o grosso dos que emigram "continua a ser de pessoas mais pobres e pouco escolarizadas", só que à medida da sociedade actual, ressalva. João Peixoto nota que nos anos 1960 estava-se a falar "de camponeses, muitas vezes analfabetos, que saltavam a fronteira a salto, hoje quando se fala de baixas qualificações está-se a falar do ensino obrigatório", nota o docente que está a coordenar a investigação A nova emigração e a relação com a sociedade portuguesa, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Apenas um quinto com profissões altamente qualificadas
No âmbito do seu pós-doutoramento, Claúdia Pereira, investigadora do ISCTE, centrou-se no estudo de portugueses qualificados que emigraram para Londres, onde vivem metade dos que vão para o país. Numa investigação financiada pela FCT, está a acompanhar cerca de 80 pessoas, muitas com cargos importantes na área financeira, enfermeiros, arquitectos, mas também músicos, bailarinos, assistentes sociais.

O Reino Unido será o destino que mais atrai pessoas escolarizadas mas, ainda assim, os que têm licenciatura ou mais, representam pouco mais do que um terço do total (36%), diz a investigadora. Apenas um quinto ocupa profissões altamente qualificadas, já um terço trabalha em sectores manuais. Rui Pena Pires lembra que, de acordo com os dados da OCDE (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico tem 34 países-membros), os licenciados representam 11,2% do total dos portugueses que emigram (dados de 2011).

O objectivo da conferência não é falar do impacto da crise na emigração, esclarece Cláudia Pereira, que procurou sobretudo "a partilha de conhecimento científico" entre os mais de uma centena de investigadores que neste momento estão a estudar esta área. Mas o impacto da crise está subjacente aos números que vão ser mostrados.

"Não exagerando, a situação é dramática", diz João Peixoto. Senão vejamos: estão a sair por ano cerca de 100 mil portugueses, números semelhantes aos verificados na década de 1960, mas na altura nasciam anualmente mais de 200 mil crianças por ano, agora está-se nos 80 a 90 mil nascimentos, com tendência a decrescer. João Peixoto fala, por isso, "de alarme demográfico".

A estes factores junta-se a estagnação na entrada de estrangeiros em Portugal. Noutros países afectados pela crise, como é o caso da Irlanda e da Grécia, a emigração também aumentou, mas na Irlanda continuam a entrar imigrantes, e na Grécia também, porque esta é, geograficamente, um ponto de entrada na Europa, explica Pena Pires.

Portugal surge assim, ao mesmo tempo, como "um país que está a perder população mas que deixou de conseguir atrair imigrantes, o que nos coloca no grupo da Bulgária, Roménia e Lituânia, refere Rui Pena Pires. "A conjugação dos dois factores é que é dramática. A razão por que estão a sair e não estão a entrar é a mesma - o nível de recessão é muito elevado"

"Os únicos países que têm volumes de emigração mais elevados na Europa são os países de Leste e não é por causa da crise, é devido à abertura das fronteiras. Entre os países mais afectados pela crise Portugal é o mais afectado pela emigração. É o país da OCDE onde a emigração está mais a crescer", remata Rui Pena Pires.

Público, aqui.

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