Três portugueses que foram para França trabalhar sazonalmente para
vinhas do sudoeste francês moveram uma ação contra a entidade
empregadora, num caso que o sindicato classifica de «escravatura
moderna», avançou este sábado a agência Lusa.
«É um tráfico
organizado com recrutadores que são mandados pelos empregadores
franceses para ir recrutar mão-de-obra a Portugal», explicou Magali
Astruc, do sindicato geral de trabalhadores (CGT) de Narbonne.
Dois
dos portugueses foram abordados em Portugal por um conhecido que
alegava que o primo (também português) precisava de alguns trabalhadores
sazonais para trabalhar em vinhas francesas.
«Fizeram-nos as
promessas todas, disse à Lusa um dos portugueses. Um salário de 700
euros por mês (menos cerca de 400 euros que o ordenado mínimo francês),
com comida e alojamento incluídos, por 35 horas de trabalho semanais.
O
alojamento prometido era partilhado entre «dez adultos e duas
crianças», numa casa com uma casa de banho, onde «só podiam tomar banho
de dois em dois dias», explicou.
A trabalhar em França desde o
dia 21 de novembro do ano passado, em abril, o patrão informou-os de que
não teriam mais trabalho para os portugueses, comprometendo-se a pagar
as horas extra trabalhadas, assim como as folhas de ordenado
correspondentes.
«Chegámos a trabalhar vinte e quatro dias
consecutivos, sem folgar, até cerca de dez horas por dia», tendo-lhes
sido entregue «uma folha de ordenado com setenta horas enquanto
trabalharam mais de duzentas», afirmou.
Posteriormente foram
pagas as horas extra, num cheque de 30 mil euros, mas ainda sem folhas
de ordenado em dívida. Quinze dias depois a entidade empregadora
processou os trabalhadores por extorsão de fundos.
«Fizemos a
negociação, estavam os patrões e os representantes sindicais e eles
dizem que foram forçados a assinar um cheque, ninguém é forçado a
assinar um cheque, eles sabiam que nós tínhamos feito aquelas horas, por
isso é que pagaram», adiantou João, um dos portugueses.
Sem
terem onde ficar e sem emprego, os trabalhadores precisam das folhas de
ordenado que comprovam as horas trabalhadas e o montante recebido, de
forma a conseguirem alugar uma casa e inscreverem-se no fundo de
desemprego francês.
Desde abril, que estão «numa casa emprestada
até ao dia 15 de dezembro», a partir dessa data não têm onde ficar,
disse um dos portugueses.
Stéphane Cabée, advogado do vinicultor
Jacques Tibie, implicado no processo, disse à agência francesa AFP que o
seu cliente «não percebe o que lhe está a acontecer.
Contratou, como todos os anos, portugueses, por terem dificuldade em encontrar outros trabalhadores.»
Este não é um caso isolado.
A
sindicalista francesa Magali Astruc explicou também à Lusa que as
estruturas sindicais têm sido confrontadas como novos casos de tráfico
humano que vão para além das fronteiras francesas.
A sindicalista
denunciou hoje uma rede de tráfico organizado com recrutadores que vão
buscar mão-de-obra a Portugal, para trabalhar em França, Inglaterra,
Malta e Suíça, e alerta para a existência de outros casos.
«Trazem
pessoas que têm necessidade de trabalhar, que estão sem emprego em
Portugal, um país que está a sofrer com as políticas de austeridade.
Trazem-nos para França e metem-nos à disposição do empregador que os
explora. São escravos modernos», acrescentou.
Magali Astruc
explicou que, por norma, os trabalhadores recrutados são «transportados
de 'mini-bus' de Portugal, não têm veículo próprio, são alojados pelo
patrão, e se alguma vez se revoltarem encontram-se na rua sem
alojamento, sem trabalho, sem salário, num país desconhecido no qual não
dominam a língua».
Os empregadores procuram pessoas em
dificuldades. «Encontrámos trabalhadores portugueses empregados por uma
empresa francesa de trabalho agrícola que os fizeram trabalhar em
Inglaterra e Malta. Transportam-nos, prometem-lhes um salário, e depois
dão-lhes 500 euros por um mês e meio de trabalho», acrescentou.
TVI24, aqui.