Kathleen Gome
Em Maputo, onde se concentra a maioria da comunidade portuguesa que vive em Moçambique, as disputas entre Renamo e Frelimo são uma coisa longínqua - cerca de 700 quilómetros a norte.
"Até agora está tudo calmo. As pessoas estão com as suas vidas normais, a ir para os empregos", diz Maria de Jesus Pais, 58 anos, uma lisboeta que vive na capital moçambicana desde há quatro anos.
Todos os portugueses com que o PÚBLICO contactou por telefone confirmaram que o clima em Maputo está tranquilo, sem sinais visíveis da tensão política que irrompeu na província de Sofala.
"As pessoas estão todas apreensivas", diz Dina Trigo Mira, directora da Escola Portuguesa de Moçambique, onde cerca de metade dos 1733 alunos são portugueses. "Mas a escola funcionou como tem funcionado sempre. Tive a casa cheia de miúdos. Nem vejo pessoas a ir embora."
"As pessoas têm algum receio de que a guerra venha a acontecer novamente, mas na realidade ninguém acredita que isso vá para a frente", nota Elsa Santos, proprietária de uma imobiliária e de dois business centers em Maputo, onde vive há 15 anos.
A atitude parece ser mais expectante do que alarmista, talvez porque historicamente Maputo tenha sido um refúgio da guerra civil que se travou no interior do país.
"Vivo cá há tantos anos... Já estive na outra guerra dos 16 anos. Essas coisas acontecem muito pelo mato, sabe? Não nas cidades. As coisas nas cidades são tranquilas", diz um português radicado em Moçambique desde 1957 que não quer ser identificado, por receio de represálias ("É um bocado arriscado eu estar a falar de coisas políticas por telefone. Aqui, a semana passada, houve um português que foi expulso porque falou de coisas que não devia falar").
Vaga de raptos na capital
"Vamos
ver como é que a situação vai evoluir. É uma incógnita", diz Dina Trigo
Mira. Renamo e Frelimo "tanto podem entrar em acordos como não. Isto
tanto pode dar para um lado como para o outro. África é assim." Como
quem diz: a incerteza faz parte das regras de viver ali.
Segundo Elsa Santos, a tensão política a norte é menos preocupante do que a insegurança causada pela recente vaga de raptos em Maputo envolvendo cidadãos estrangeiros. "Isso é que está a deixar as pessoas transtornadas e medrosas e a tomar decisões de ir embora", diz.
E se isso "não tem nada a ver com as disputas entre a Renamo e a Frelimo", Elsa Santos acredita que uma e outra coisa estão ligadas ao crescimento económico do país e à descoberta promissora de recursos energéticos - carvão, gás, petróleo - que despoletaram uma corrida dos interesses financeiros e de investimento estrangeiro. A presença de uma elite económica parece ter dado origem a grupos criminosos que usam o rapto para extorquir dinheiro.
"Onde eles desconfiam que há dinheiro, tentam sacá-lo", diz Elsa Santos. "As pessoas estão a começar a ter medo. Eu própria já fui ameaçada por telefone: ‘ Você consta de uma lista e tem de dar alguma coisa para nós a tirarmos da lista'. Estávamos em África mas vivíamos num paraíso em termos de segurança e, neste momento, já não é assim."
"Onde há petróleo, há guerra"
Maria
de Jesus Pais, gerente de um restaurante em Maputo, crê que, pelo menos
em parte, a riqueza energética de Moçambique também está por trás das
recentes disputas entre Renamo e Frelimo. "Penso que a Renamo também tem
alguns interesses, por isso é que se refugiou lá em cima - porque agora
está a haver o petróleo, está a haver o carvão lá para cima, é tudo lá
em cima no norte e eles também querem... Onde há petróleo, há guerra. Se
só está um a pôr ao bolso, os outros também querem pôr. Penso que é mais
por aí, não é lutarem pelo povo."
Maria de Jesus Pais não está a pensar deixar Moçambique. Mas diz que "África é um barril de pólvora". "Não sei como é que as pessoas chegam aqui e investem todo o seu dinheiro. Por aquilo que já aconteceu no passado e por aquilo que vejo aqui - uma política que, se não é de ditadura, é quase -, penso que em qualquer altura isto pode rebentar. Quando as pessoas dizem que compram casas, compram isto e aquilo... eu não faria isso porque não acho que [o país] esteja completamente estável. Não me sinto segura nesse aspecto, porque sei que a qualquer momento pode rebentar qualquer coisa para aí. Qualquer coisinha é uma faísca."
Público, aqui.