"Antigamente havia uma presença linguística portuguesa marcante, até porque a administração [de Macau] era portuguesa, os macaenses educavam os filhos em português, mas os tempos mudaram e hoje o que vemos é macaenses a porem os seus filhos nas escolas chinesas, ou seja, cada vez falam menos português", disse Miguel de Senna Fernandes em entrevista à agência Lusa.
Esta situação, apontou, "provoca um empobrecimento do uso da língua portuguesa, o que pode ter bastantes reflexos na própria comunidade, no aspeto da identidade".
Miguel de Senna Fernandes lembra que esta questão já se colocou no passado, mas alerta que "hoje tem uma relevância muito maior" por Macau ter hoje uma administração e uma população maioritariamente chinesa.
"O macaense tem sempre um pendor português e outro chinês, mas quando ele é só para um lado, aí temos sérios problemas em termos de identidade, porque se o macaense já não comunga da língua, afasta-se da comunidade e para onde vai? Para a comunidade chinesa, obviamente", lamentou.
O presidente da Associação dos Macaenses recorda que esta comunidade é "fruto de uma miscigenação só possível graças às relações de 500 anos entre portugueses e chineses".
"Os portugueses vieram para esta região com fins comerciais, mas foram ficando e, graças à sua capacidade de se misturarem com os locais, foi possível o surgimento de uma comunidade com uma cultura própria e uma maneira de estar no mundo peculiar", sustentou, quando se evocam 500 anos da chegada do primeiro português à China, em 1513.
Além da língua, os macaenses partilham outros valores portugueses, como a religião, sendo católicos, na sua maioria, e mantêm tradições vivas no território como as procissões, apesar de terem adotado algumas práticas budistas.
"Não se estranhe que um macaense, tradicionalmente católico, depois de uma missa dominical vá ao mestre de Fung Soi (arte da geomancia chinesa) e ao pagode pôr um pivete, o que é fruto da tal miscigenação", observou Miguel de Senna Fernandes.
Para este macaense, "é admirável que num sítio como Macau, pequeno e em que o peso da cultura chinesa é esmagador e absorvente, ainda haja uma espécie de resistência cultural em se manter tradições que nada têm a ver com a cultura chinesa", dando como exemplo procissões como a do 13 de maio e a do Senhor dos Passos.
"O macaense é o sustentáculo de muito do que é a cultura portuguesa e da singularidade de Macau", concluiu.
Com a comunidade macaense surgiu em Macau um crioulo de base portuguesa, o 'patuá', classificado em 2012 como património imaterial pelo Governo local, a par da gastronomia macaense, que, para Miguel de Senna Fernandes, "narram, sem querer, a viagem dos portugueses" pelo mundo e fazem parte da memória coletiva desta comunidade.
"É irrealista pretender-se que as pessoas voltem a falar patuá, mas o que é necessário é arranjar algo aglutinador para que esta comunidade não se perca, ou seja, a memória coletiva, e o patuá e a gastronomia fazem parte desta memória", defendeu.
O grupo de teatro ‘Dóci Papiaçám di Macau', cofundado por Miguel de Senna Fernandes, tem, nesse sentido, "marcado uma posição" nos últimos 20 anos para manter os pilares da cultura macaense firmes.
"Devemos olhar para o futuro, mas tudo será em vão se não soubermos de onde viemos. Cada povo tem a sua memória e é, neste âmbito, que nos estamos a mexer", sublinhou o também dramaturgo e encenador.
Para assinalar 20 anos, o grupo prevê apresentar um espetáculo em novembro, depois daquele que estreará este mês no Festival de Artes, e, em 2014, vai apostar na produção de um musical que pretende levar depois a outras paragens além de Macau, disse à Lusa Miguel de Senna Fernandes.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à China por via marítima, em junho de 1513, a uma ilha perto de Macau, território onde se estabeleceram 44 anos depois e que administraram até 1999.
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