Celso Filipe
Maria João Babo
Tierri Rodrigues é o último da fila de cerca de 40 pessoas que
aguardam pela abertura da embaixada de Moçambique em Portugal. Tem 43
anos e vai apenas entregar os últimos documentos que lhe irão assegurar
um visto turístico para Moçambique, com a validade de 60 dias. Apesar da
natureza do visto, Tierri Rodrigues assume que vai à procura de
trabalho. "Tenho contactos de empresas, mas não tenho nada garantido".
A
partida já tem data marcada, dia 23, sábado, e com ela pretende dizer
adeus ao estatuto de desempregado com que convive, em Portugal, há
quatro meses. Em Leiria, onde mora, vai deixar a mulher e dois filhos,
com 13 e 12 anos. "É penoso" admite. "Nunca na vida me consegui imaginar
numa situação destas, a de desempregado, e em Portugal não encontro uma
alternativa de trabalho", acrescenta.
Engenheiro
técnico civil, formado no ISEL, Tierri Rodrigues vai usar parte do
dinheiro que recebeu da indemnização por despedimento para investir na
sua viagem até Maputo, a capital moçambicana. "Familiares e amigos deram
boas indicações" sobre o país e sinais de que "há lá muito trabalho". É
em casa de amigos que irá ficar durante a sua estada em Moçambique e
está confiante de que encontrará aquilo que lhe falta cá, emprego.
E
porque não Angola, onde também existem muitas ofertas de trabalho?
"Quero voltar a casa vivo", responde. Tierri, em contrapartida, tem boas
referências de Moçambique: "há mais segurança e o povo sociabiliza
melhor com os portugueses".
Depois do "boom"
angolano, o radar dos portugueses encontrou em Moçambique um país com
boas oportunidades para fixar negócios ou encontrar empregos. Um sinal
desta realidade é visível nos voos da TAP. Em 2012 a companhia
transportou 70.563 passageiros para Maputo, um crescimento de 26% por
comparação com 2011. A taxa de ocupação dos voos passou de 79,2% em 2011
para 84,5% em 2012. Em 2011 o Ministério do Trabalho moçambicano fixava
em 4.355 o número de portugueses residentes no país. Em 2012, embora
sem números oficiais, este indicador terá registado um crescimento
astronómico, calculando-se agora em 25 mil os cidadãos nacionais a viver
em Moçambique.
Novas regras para vistos
A
procura tem sido tanta que, no início de Janeiro deste ano, a
Direcção-geral de Migração de Moçambique (DNM) deixou de emitir vistos
de fronteira. Muitos portugueses pediam este tipo visto à chegada a
Maputo, alegadamente para fins turísticos, que não eram respeitados. "A
DNM detectou diversos casos de vistos incorrectamente emitidos ou que
não correspondiam aos reais propósitos da visita", refere o Consulado
Geral de Portugal em Maputo, numa nota emitida a 30 de Janeiro. Com a
aplicação estrita da legislação que regula a entrada de cidadãos
estrangeiros houve portugueses apanhados de surpresa nos primeiros dias e
alguns tiveram mesmo de regressar. Também a confusão nos serviços
consulares foi notória, já que não estavam preparados para os fluxos
actuais.
Consequência da crise em Portugal, são cada
vez mais os cidadãos e as empresas que se estão a virar para este
mercado, sobre o qual se têm multiplicado também os eventos de promoção
organizados por bancos, agências e câmaras de comércio, que criam
expectativa e sedução.
No entanto, Diogo Gomes de
Araújo, presidente executivo da Sofid, instituição financeira de crédito
detida maioritariamente pelo Estado e vocacionada para países
emergentes, desaconselha qualquer um "a ir sem nada organizado".
Lembrando que Maputo é "uma cidade cada vez mais cara", o responsável
garante que ali "um desempregado não tem vida fácil". Multiplicam-se,
por isso, relatos de portugueses a viver na rua ou que acabam por pedir
para ser repatriados.
Um país que está na moda
Diogo
Gomes de Araújo aconselha a que "antes de emigrar ou de desenvolver uma
actividade empresarial no país", cidadãos ou empresas se "informem
muito bem, conheçam o mercado, os seus ritmos e regras". "É preciso
conhecer o país, falar com o máximo de pessoas, fazer um plano de
negócio detalhado, avaliar os riscos e a concorrência", avisa. É que, se
por um lado, os preços disparam e há cada vez mais especulação
imobiliária, por outro a classe média é reduzida e poucos são os que
consomem.
A procura por Moçambique que se tem feito
sentir nos últimos dois anos, segundo Diogo Gomes de Araújo, resulta de
dois factores: o desenvolvimento do país e a crise em Portugal. Em seu
entender, Moçambique é "um país que está na moda", mas "é preciso ter
consciência que não é o ‘eldorado'". A mesma mensagem tem Ricardo
Pedrosa Gomes, presidente da Federação Portuguesa da Indústria da
Construção e Obras Públicas (Fepicop), que chama a atenção para a
extensão do país e lamenta que haja "muita gente a cair de pára-quedas e
no sítio errado". Ainda assim, lembra que "as modas têm algum fundo de
verdade" e "o potencial de Moçambique é inegável". Com taxas de
crescimento de 7% a 8%, o fluxo anormal de chegadas ao país está longe
de ser um exclusivo dos portugueses.
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