Aos 81 anos, Carlos Freitas não tem tempo para desfrutar a reforma e a família porque quer continuar a "ajudar os outros", dedicação pela qual recebeu ontem em Londres as insígnias de comendador da Ordem de Mérito Civil.
"O meu dia-a-dia é atender os outros, ajudar os outros. Gostava de passear mais, de estar mais à vontade com a minha mulher e os meus filhos, mas não tenho tempo! É difícil de dizer e de se explicar", diz à agência Lusa o conselheiro permanente das comunidades madeirenses no Reino Unido.
Emigrante há 44 anos, continua a atender diariamente telefonemas e a encontrar pessoas, possuindo inclusivamente um selo branco que diz usar para autenticar documentos, como autorizações de viagem para Portugal.
"Faço autorizações de saída, cadeias - às vezes pedem-me para ir às 10 ou 11 horas da noite - hospitais, mas o médico proibiu-me, tribunais, já estou a desviar-me muito, vou ao council [autarquia] pedir casas para este e para aquele. Quando vêm e dizem 'senhor Freitas, já tenho uma casa', fico cheio de peneiras [e penso]: já fiz alguma coisa de jeito", relata.
Pede marcações ao consulado por email para os compatriotas menos letrados em novas tecnologias e, nos casos urgentes, usa a influência para pedir prioridade, porém, garante: "nunca levei dinheiro a ninguém".
Esta disponibilidade é atestada por Ana Luis, empregada do restaurante Madeira.
"Porque já é conhecido há muitos anos, todo o mundo o conhece, é simpático", conta à Lusa esta emigrante há 30 anos, para quem o conselheiro é visto como uma autoridade.
Também Fernando Reis, transmontano de Montalegre, mostra gratidão pelo auxílio no contacto com os serviços consulares para renovar os documentos de identificação.
"Ele fez favor de enviar um email para a embaixada [consulado]. Eu não tenho computador e não estou dentro destas coisas", explica, acrescentando: "Ele é um homem espetacular, ajuda, seja [a pessoa] da Madeira ou do continente".
Natural do Funchal, Carlos Freitas chegou a Londres em 1968 com a mulher, deixando para trás a vocação para padre que o levou a frequentar o seminário, e durante quatro anos trabalhou no serviço doméstico.
Mais tarde, foi secretário de empresários ricos, e foi então que começou a ajudar portugueses.
Em 1968, fundou o Clube A Família, em 1983 foi o primeiro delegado eleito da comunidade portuguesa e em 1984 foi-lhe proposto candidatar-se a representante das comunidades madeirenses na Europa, passando desde então a representar os emigrantes no Reino Unido e ilhas de Jersey e Guernsey.
Foi condecorado com a medalha das comunidades portuguesas então pela secretária de Estado das Comunidades, Manuela Aguiar, e no 10 de junho do ano passado foi agraciado pelo Presidente da República com o título de comendador da Ordem de Mérito Civil, cujas insígnias deverá receber hoje das mãos do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, na embaixada de Portugal no Reino Unido.
Mas Carlos Freitas nega que a denominação honorífica lhe cause vaidade e não espera privilégios.
"Isto para mim é tudo fantasias. O que me interessa é que de facto o Governo reconheceu o meu trabalho e quer condecorar-me por isso", vinca.
Deixa escapar que "dói um pedacinho" que a comunidade não o reconheça da mesma forma.
"Eu fico contente, mas gostava mais que fosse o povo a dizer: sim senhor, muitos parabéns, o primeiro madeirense do Reino Unido a receber aquela medalha", confessa.
Nos últimos anos, Carlos Freitas tem visto a comunidade aumentar em número, mas não necessariamente em qualidade.
"Há 30 anos era uma maravilha, desejada pelos britânicos, trabalhadora, respeitadora. Agora? Esta malta nova não tem respeito pelas autoridades", lamenta.
Diário de Notícias da Madeira, aqui.