por Maria Cláudia Monteiro
Há cada vez mais avós e mães que entram em depressão porque não aguentam ver emigrar os que amam. Nos últimos dois anos, 250 mil saíram do país, entre os quais milhares de crianças.
Aos 82 anos, Antónia chora a partida de mais um filho. É o quinto que perde para a emigração, e ela sabe o avesso em que fica a alma a cada ida. "É triste, deita-me abaixo um pedaço grande", conta. "O meu coração está um bocadinho acabrunhado".
O Minho, terra de gente emigrante, assiste à nova partida dos filhos e dos netos. Antónia, de Silva, em Barcelos, tem dez filhos, 18 netos e três bisnetos. Viu três filhos partirem há mais de 30 anos e pensava que mais nenhum seguiria as pisadas do pai, que trabalhou em França 17 anos. Há seis anos, outro filho foi trabalhar para Angola e, nesta semana, parte um outro, com 44 anos.
Bessa Peixoto, diretor do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Braga, explicou ao JN que, no último ano, houve um aumento de depressões de avós por causa da emigração dos filhos e dos netos. "É uma fratura muito rápida... Estas pessoas são confrontadas com um projeto de vida que não era o delas, nem o dos filhos", afirma o psiquiatra. "Partem de forma muito rápida e inesperada, o que gera elevados níveis de angústia", sublinha. A emigração dos últimos meses não resulta de uma intenção de vida maturada e perspetivada ao longo dos anos, como acontecia no tempo em que o marido de Antónia emigrou.
O diretor do serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga desafiou os médicos do departamento a partilhar o retrato que fazem dos doentes que ali tratam. "Notaram, no ano passado, que as populações estão mais frágeis, mais vulneráveis", revela. "Há uma vulnerabilidade coletiva".
Mais alcoolismo
A vulnerabilidade e o agravamento das condições sociais, num distrito onde o desemprego tem subido a cada mês, deixa em alerta os profissionais de saúde. No último ano, assistiu-se ao aumento do alcoolismo secundário, que está relacionado com estados emocionais prévios. "Sabemos que o consumo de álcool é um facilitador de quadros suicidas", explica Bessa Peixoto, que refere um ligeiro aumento no número de doentes que tentou pôr termo à vida (ver texto ao lado).
"Há uma relação direta entre os período de crise e a subida do consumo de álcool", reforçou Álvaro Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental, que propõe a subida do preço das bebidas alcoólicas. "Em tempos de crise, funciona como uma anestesia emocional".
Suicídio gera alerta
O serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga registou um ligeiro aumento do número de doentes que tentaram o suicídio. Segundo dados de 2011, 43% dos doentes seguidos na consulta de prevenção do suicídio sofria de depressão e a maioria tentou pôr termo à vida ingerindo medicamentos. Destes, 38% eram desempregados, 33% tinham emprego e 12% estavam reformados.
"Os desempregados já aparecem em maior número", sublinha Bessa Peixoto. Os dados foram obtidos a partir de uma amostra de 89 doentes, seguidos na consulta de prevenção do suicídio.
Segundo dados nacionais da Organização Mundial de Saúde, em 2009, registaram-se 1025 suicídios, em Portugal, 803 de homens e 222 de mulheres.
As respostas de Bessa Peixoto Dir. Psiquiatria do Hospital de Braga
É possível traçar um perfil do doente psiquiátrico do Minho?
Não há um perfil singular no distrito. Podemos dizer que existe, no Minho, um perfil nacional com características regionais. A prevalência da depressão é de cerca de 20% e é mais comum nas mulheres. O que tem mudado, no último ano e meio, são as razões que levam as pessoas a adoecer.
São questões mais relacionadas com a situação socioeconómica do país?
Sim, estamos preocupados com o aumento de situações relacionadas com o desemprego, consequente vulnerabilidade e fragilidade da vida familiar. Em 2012, notámos que as pessoas estavam mais frágeis, mais vulneráveis.
Além da depressão, que outras patologias estão associadas ao atual contexto de crise?
Verificamos um aumento do alcoolismo secundário, relacionado com estados emocionais prévios. É um dado que nos preocupa, uma vez que o consumo de álcool, associado à depressão, é um fator de risco de suicídio.
Jornal de Notícias, aqui.