Conhecer melhor os emigrantes de hoje e saber as condições em que estes vivem nos países de acolhimento é desde 2008 o trabalho do Observatório da Emigração (OE). João Peixoto, membro do Conselho Científico do OE, admite que este estudo só há pouco tempo começou a ser efectuado em Portugal, «por culpa de todos, académicos, políticos e sociedade civil». O responsável sublinha que «não há uma revolução» na emigração, antes uma «continuidade» e que «a melhor política de emigração é lutar pelos direitos dos que saem». Isto quando se estima que mais de 100 mil portugueses estejam a deixar o país.
Ana Clara/Sara Pelicano; Foto - Museu das Migrações e Comunidades | domingo, 28 de Outubro de 2012
Café Portugal - O contexto económico actual está a «obrigar» muitos portugueses a emigrar. Quem são estes emigrantes do século XXI?
João Peixoto - O ponto mais importante a salientar é que esta
emigração não é assim tão nova. Nem este ciclo é uma novidade. Tivemos
muitos ciclos recentemente. O que está a mudar um pouco são as
características. É certo que com o tempo
a nossa emigração é cada vez mais nova, mais urbana, mais qualificada,
mas isto é uma evolução gradual e é também um espelho do país. O país é
mais urbanizado, mais qualificado. Considero que este movimento
migratório é mais uma continuidade do que uma revolução. Esta não é a
primeira crise que temos nos últimos 20 anos. Talvez agora a dimensão
das saídas seja maior porque a crise é mais acentuada. Já vamos com três
anos de recessão, coisa que não acontecia há muito tempo. Tivemos um
forte aumento das saídas por volta de 2002/2003. Os dados que temos,
entre 2002 e 2007, revelam que as saídas se deram sobretudo para
Espanha. Talvez agora seja um pouco diferente. Não conhecemos muito bem o
perfil dos portugueses que foram para lá mas a sensação que temos é que
não são propriamente jovens qualificados. Seriam, sobretudo, pessoas da
construção civil, porque foi este sector que começou em crise nessa
altura em Portugal. Naqueles anos saíram muitas pessoas do Norte de
Portugal com escolarizações médias.
C.P. - Sim, mas essa
cronologia acaba por desembocar no momento presente. Que perfil podemos
traçar dos actuais emigrantes e que países procuram?
J.P. - Se quisermos ser rigorosos não podemos falar muito. Há
poucos números sobre emigração. O fenómeno não só não tem sido estudado,
como tem sido mal medido. Não é fácil medir movimentos de pessoas.
Quando o queremos fazer, temos duas hipóteses: uma é medir do ponto de
vista do país de onde se sai, o que é difícil; outra é medir do ponto de
vista do país onde se entra. Se eu quiser saber os movimentos de
portugueses para o Brasil, tenho duas hipóteses: uma é tentar saber aqui
em Portugal quantos portugueses é que estão a ir para o Brasil, a outra
é chegar ao Brasil e perguntar quantos portugueses estão a entrar. A
medida, à partida de Portugal, só o Instituto Nacional de Estatística
(INE) é que está a fazer. O INE tem medido as saídas, e os números
mostram que não tem havido aumento espectacular, mas que tem vindo a
aumentar com o tempo. O último número que o INE publicou, em 2010,
revela cerca de 25 mil saídas por ano. Este número é de migrações de
longa duração, mais do que um ano, ou seja, pessoas que saem com
intenções de residir lá fora por mais de um ano. No Observatório da
Emigração (OE) o que fazemos é ir ver no lado de lá, do ponto de vista
dos países de recepção, porque, à partida, esses números são mais completos. Os dados do INE
não dizem para onde foram esses portugueses que saíram, a idade e a
qualificação. É uma medida muito grosseira.
C.P. - Neste novo movimento de
emigração, saem muito jovens com formação superior. Há informação sobre
se as funções que detêm nos países de destino são compatíveis com a
formação?
J.P. - Não, e isso é normal em todos os países do mundo. Nós
tivemos a experiência enquanto país receptor. Recebemos muitos
ucranianos, brasileiros e alguns cabo-verdianos qualificados que não
conseguiram passar de trabalhos medianos, como na construção ou
trabalhos domésticos, por exemplo. O normal é que muitos portugueses que
saiam passem pelo mesmo problema. O que será anormal é se, ao fim de
alguns anos, não conseguirem sair desta situação.
C.P. - Em termos genéricos o que diferencia a emigração actual daquela outra da nossa história recente, entre 1960 e 1980?
J.P. - Nos anos 80 do século passado, tivemos também um pequeno
boom de emigração para Suíça. Não eram jovens muito qualificados. Iam
trabalhar para turismo, hotelaria. Temos tido vários ciclos e movimentos
de saída. O que é novo agora é que nunca tínhamos tido uma crise tão
grande e nunca fomos tão escolarizados como somos hoje. E o desemprego
jovem nunca foi tão grande. Nos anos de 1960 e 1970, tínhamos um
continente inteiro a crescer que era a Europa. Hoje não é assim. A Suíça
e o Luxemburgo precisam de algumas pessoas mas não de grande emigração,
nem precisa de pessoas muito qualificadas. E depois há Angola e Brasil e
aqui estão as nossas miragens. De facto, a necessidade de mão-de-obra
nestes países é mais forte, sobretudo em Angola. Ou seja, nada do que se
está a passar é completamente novo em relação aos últimos 20 ou 30
anos.
Dificuldade estatística
C.P. - O que tem apurado o OE na análise que efectua nos países de destino da nossa emigração?
J.P. - Temos muitos tipos de emigração. O problema dos números lá
fora é que muitas vezes não permitem saber se estamos a tratar de
longa, média ou curta duração. É verdade que nos últimos anos, as saídas
de portugueses multiplicaram por muito, mas também as saídas de
espanhóis, de ingleses. O mundo é muito mais móvel e há muito mais
pessoas a fazer trabalhos durante alguns meses no exterior. O problema é
que quando vou às estatísticas angolanas, ou europeias, não consigo
distinguir o que é de longa duração, de média duração e até de curta. O
exemplo mais notável são os dados que chegam de Angola. Alguns dados que
nos chegam do consulado português em Luanda revelam um crescimento forte para Angola. De resto sabemos pouco, o
consolado só sabe quantas pessoas estão a ir para lá, mas não sabe
quanto tempo ficam, o que fazem lá. Julgo que a realidade dos movimentos
deve estar entre um número mínimo que o INE avança, na casa dos 25 mil,
e o número de que se fala recentemente de 100 mil ou 125 mil
portugueses a emigrar, [dados avançados em Dezembro de 2011, pelo
secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário].
C.P. - A tendência é para crescer?
J.P. - Sim, mas não um crescimento vertiginoso. Isto não é uma
revolução da história de Portugal, é uma triste realidade. Temos
estímulo à saída porque nunca o desemprego jovem foi tão elevado, nunca o
desemprego qualificado foi tão elevado. O problema é o estímulo à
entrada. É preciso quem nos queiram. Tem de haver facilidade de entrar
lá fora e trabalhar.
C.P. - Ou seja, trata-se
de uma «exportação» forçada de população em idade laboral. Neste cenário
«triste», como referiu, encontra alguma nota positiva?
J.P. - As consequências positivas prendem-se com a mobilidade, que é
muito boa. O que não é bom é sermos obrigados a sair e quando quisermos
voltar não conseguirmos. Numa escala, e contexto diferentes, nos
Estados Unidos da América verificamos que todos os estados são altamente
móveis. A probabilidade de alguém fazer universidade num estado e ficar
a viver nesse estado é baixa. A mobilidade é uma coisa normal. Numa
escala diferente, na Europa isto não será diferente. A mobilidade pode
até ser boa para a construção da Europa. Outra nota positiva, um pouco
mais cínica, é que isto alivia as dificuldades momentâneas que afectam
Portugal. A taxa de desemprego subirá menos e os subsídios de desemprego
serão menos volumosos. Há séculos que exportamos pessoas e isso permite
diminuir a pressão interna. O receio é que se as condições continuarem a
deteriorar, se não houver crescimento económico, se continuar a haver
desemprego, qualificado e jovem, então deixamos de ter essa mobilidade
saudável e passamos a ter um movimento mais forte, mais regular de
saídas.
C.P. - Um movimento migratória com a escala que temos estado a abordar tem inevitáveis impactos demográficos...
J.P. - Se for uma saída igual a tantas outras, não acrescenta nenhum
problema à demografia que esta já não tenha. O problema é se a escala
das saídas for maior, mais permanente e não for substituída por
entradas. Se olharmos para os mais qualificados, para aquelas pessoas
que trabalham na ciência e tecnologia, nos laboratórios e universidades,
nas últimas décadas não tivemos muitas saídas, embora haja muita
pressão porque há muita precaridade. Apesar de tudo, na nossa
investigação científica, temos conseguido conservar algumas pessoas. As
políticas dos últimos governos, apesar de tudo, têm conseguido manter
alguns investigadores e atrair outros. Temos atraído, para laboratórios,
centros de investigação, novas fundações, cientistas brilhantes, quer
jovens quer pessoas com alta qualificação. Nas últimas duas décadas, não
temos perdido doutorados, temos ganho. Os problemas demográficos
poderão surgir se deixarmos de compensar os movimentos de saída com as
entradas. Será aí que desequilíbrio demográfico se começa a cavar. E
quando as saídas forem muito qualificadas, para além do desequilíbrio
demográfico, começamos a ter um desequilíbrio económico crescente.
C.P. - Portugal tem
acolhido populações de diferentes proveniências: do Brasil, China e
Europa de Leste, entre outras. Estes imigrantes também estão a sair do
nosso país?
J.P. - Sim, mas não em massa. A comunidade angolana há muito tempo
não aumenta em Portugal e há muito que diminui. Actualmente, o êxodo não
é para Portugal, mas sim para Angola. Já a comunidade brasileira
cresceu ininterruptamente e a um ritmo muito forte até 2009. Muitos
brasileiros que aparecem nas estatísticas regularizaram-se graças à
revisão da Lei da Imigração de 2007. Mas nos últimos dois anos o número
de brasileiros em Portugal começou a decrescer.
C.P. - Alguns dos países
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) estão em
desenvolvimento e a absorver mão-de-obra. Países como Angola, Brasil,
Moçambique são os preferidos pelos portugueses?
J.P. - Em Portugal temos a cultura da emigração. Toda a gente
conhece alguém que já esta lá fora. Já no final do século XIX se dizia
que a melhor coisa que exportamos são as pessoas, a força de trabalho.
Quando olhamos para a história destas múltiplas saídas, reparamos que os portugueses têm sido muito
hábeis na procura de destinos. A emigração não é apenas para onde
queremos ir, mas para onde somos necessários, onde existem oportunidades
de vida. E estas circunstâncias têm mudado muito. Estamos sempre
atentos às oportunidades e, neste momento, temos a sorte histórica de
que alguns dos países emergentes do mundo falam português. O facto de
alguns países emergentes serem o Brasil, Angola e Moçambique,
naturalmente facilita os movimentos, faz com que haja uma possibilidade
de saída para onde é preciso mão-de-obra qualificada e onde facilita se a
pessoa falar português. Há um acaso histórico que é favorável para nós.
Os portugueses têm sido inteligentes na procura de destinos. Nos anos
1970 e 1980, a par da Suíça, onde mais procurámos trabalho foi em países
como o Médio Oriente, países na altura pacíficos onde se construía
muito. Se o trabalho estiver em países próximos geograficamente,
próximos culturalmente, a emigração torna-se mais fácil.
C.P. - Como são acolhidos os portugueses nos países para onde emigram pelas entidades portuguesas locais, como as Embaixadas?
J.P. - O OE não tem informação sobre essa questão. Mas, por exemplo,
o país onde a emigração está mais estudada é no Brasil, onde os
portugueses entravam como turistas e tentavam um visto para trabalhar,
mas nada nos garante que as oportunidades de legalização apareçam. Uma
coisa é ir trabalhar para a construção civil ou restauração, outra, bem
diferente, é ir trabalhar como arquitecto ou engenheiro, onde existe um
diploma reconhecido. A verdade é que já tivemos sinais de que as
autoridades académicas e profissionais no Brasil não aceitam tão
facilmente conceder o reconhecimento a um engenheiro português. Da mesma
maneira que em Portugal não validamos automaticamente as formações
deles. Em Portugal temos claramente uma pressão à saída, mas ir para o
estrangeiro não é automático e tão fácil quanto isso. Dificilmente será
uma saída em massa.
C.P. - Como avalia a política de emigração do país nas últimas décadas?
J.P. - O Estado português tem tido uma política que é considerada
das mais progressivas da Europa e espero que a mantenha. Portugal há-de
ser sempre atractivo para alguns, mesmo que isto esteja mau para uns,
estará sempre bom para outros. Haver uma política de entradas que
continue a ser generosa também é importante, porque as pessoas em
Portugal vão continuar a emigrar. Contudo, a política da emigração é
mais complicada porque não podemos colocar uma porta no aeroporto e
impedir as pessoas de saírem.
C.P. - Qual é a política mais desejável?
J.P. - A melhor política de emigração é lutar pelos direitos dos que
saem. Ou seja estarmos a acompanhar os portugueses lá fora, e perceber
se estão bem ou mal integrados, se os diplomas são reconhecidos, se
existem ou não condições para regularizar a situação. Não tenho noção se isso está acontecer ou
não, mas acredito que sim. A política mais importante de emigração é
tentar fazer com que ela não seja uma necessidade. E aqui entra tudo
quanto seja pôr a casa em ordem, regressar ao crescimento económico,
gerar emprego qualificado e dar condições aos jovens qualificados para
permanecerem em Portugal.
C.P. - Mas o futuro não é o risonho, pelo contrário...
J.P. - Muitas das saídas actuais são de pessoas que não vão arranjar
trabalho para toda a vida, porque não há trabalhos para toda a vida nem
em Portugal nem em lado nenhum. Mais cedo ou mais tarde muitas
colocarão a hipótese de regressar. Se daqui a um, dois anos, a situação
estiver melhor, muitas equacionarão a hipótese de voltar. Obviamente que
se estivermos pior, não o farão.
OE reúne notícias, mas quer fazer estudos académicos
C.P. - Em que medida é que
se traduz o trabalho do OE, para além de estudos e do tratamento
estatístico dos dados relativos à emigração?
J.P. - O OE é uma novidade quase histórica, criado em 2008. Sempre estivemos muito
preocupados em receber estrangeiros. Porém, esquecemo-nos que as pessoas
também iam saindo. Temos um Observatório da Imigração que funciona
muito bem há anos, e que tem feito um trabalho notável, sendo uma área
exaustivamente estudada. Já o tema da emigração foi quase esquecido e
pouco estudado.
C.P. - E porquê?
J.P. - O problema é dos académicos, dos políticos e da sociedade
civil. Todos nos esquecemos disto. Há poucos estudos sobre a emigração.
Temos um problema muito complicado de medida dos movimentos de saída.
Nós e outros países europeus. É muito mais fácil medir quem entra do que quem sai,
sobretudo, porque estamos num espaço de fronteiras abertas. O INE tem
medido as saídas mas de uma forma limitada. Ainda assim tem permitido
monitorizar o movimento.
C.P. - E o trabalho do OE reside em quê concretamente?
J.P. - Reunimos todas as notícias relacionadas com o tema que saem
na imprensa, já que não há estudos académicos. Com as notícias tentamos
compor o puzzle. Mas não cabe ao OE examinar à lupa, a idade, o sexo, a
qualificação e em que trabalham os portugueses que emigram. A nossa
matriz que assenta num protocolo entre a Direcção-Geral dos Assuntos
Consulares e Comunidades Portuguesas, o Centro de Investigação e Estudos
de Sociologia (CIES/ISCTE) e do Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE-IUL), colocou no mapa a questão da emigração. Aquilo que se tem
feito, uma reunião de informação, é excelente, mas não substitui os
estudos aprofundados que temos como objectivo fazer. Sentimos, por
exemplo, que ninguém sabe o que se está a passar com os portugueses no
Brasil. Começa a fazer todo o sentido estabelecer sinergias entre quem
estuda e quem gere as entradas e saídas de portugueses. Temos um Alto
Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas e um Observatório da
Imigração. Agora que estamos no ponto em que são menos os que entram do
que os que saem, faz todo o sentido que se reúnam esforços.
Café Portugal, aqui.