Catarina Madeira
Se continuarmos a reduzir ao máximo os riscos, vamos impedir que grandes ideias vejam a luz do dia e se tornem casos de sucesso. A ideia é defendida por Henrique de Castro, o português que lidera as áreas de Global Media, Mobile e Platforms na Google. Sob a sua gestão, a facturação desta área passou do zero aos cinco mil milhões de dólares. No ano passado, viajou um milhão de milhas.
Como é que um português chega à direcção da Google?
É
preciso desmistificar a questão de ser português. O mercado global é
uma aldeia e as empresas estão cada vez menos interessadas em saber de
onde vêm as pessoas. O português é, em geral, uma força de trabalho bem
preparada e o mundo baseia-se cada vez mais nas competências. O facto de
ser português, brasileiro ou indiano é irrelevante, do ponto de vista
da empresa. Do ponto de vista pessoal, é uma escolha de cada um: decidir
em que palco quer actuar.
Há características que fazem dos portugueses bons gestores? Fala-se muito no "desenrascar"...
Um
gestor é e trabalha com seres humanos e o português é muito bom nessa
parte relacional. Isso conta muito para construir relações com as
equipas, clientes, parceiros e com o mercado em geral. Já sobre o
"desenrasca" tenho uma visão híbrida, porque só tenho de desenrascar se
estiver enrascado. Por isso, prefiro uma boa estratégia com um plano que
permita chegar aos resultados desejados e que reduza a probabilidade de
ficar enrascado. O desenrascanso pode complementar mas não deve ser a
base de trabalho.
Devemos ver a emigração de forma positiva? O primeiro-ministro chegou a recomendá-la aos professores...
Da
mesma forma que o mercado se está a globalizar para as empresas, também
o está a fazer para o trabalho. Há trabalhos que não se podem ter em
Portugal , por questões de escala ou de oportunidade. Por isso, temos de
encarar a emigração deuma forma natural e positiva. Emigrar permite
aumentar a perspectivas profissionais e pessoais. Os emigrantes
portugueses têm contribuído muito para o país com remessas de capitais,
mas o próximo passo será contribuir com conhecimento.
Passou por empresas dentro e fora de Portugal. Qual é a diferença?
Sinto
mais agora, quando regresso, do que quando fui. Há três grandes
diferenças. A primeira é que, em Portugal , há umaverdadeira aversão ao
risco . Normalmente, reduzimos o risco ao máximo e por isso não fazemos
grandes apostas que apresentam maior risco . Isso limita o resultado
potencial. A segunda é que somos muito hierárquicos na forma e no
conteúdo. As boas ideias vêm de todos os níveis da organização, mas
quanto mais hierárquica é a comunicação mais castradas essas ideias são.
A terceira é a dimensão. Nós pensámos em grande no passado e chegámos a
todo o mundo. Temos de voltar a pensar em grande!
Foi isso que o fez sair de Portugal?
Sim,
exactamente isso. Havia uma tendência para eliminar todas as ideias que
tivessem risco ou não fossem 'standard'. Baseado na minha experiência de
vida em mais de dez países, penso que os portugueses não se devem
sentir inferiores. Temos, em geral, boa formação universitária (mesmo se
demasiado teórica), um espírito aberto para outras culturas e falamos
mais línguas que a maioria dos povos, temos uma boa capacidade de
relacionamento e trabalhamos bastante. No meu caso, havia também uma
enorme vontade de aprender novas coisas, fazer coisas em grande, jogar
numa arena global e ter impacto no mundo.
É isso que o faz viajar tanto?
Um trabalho global
tem de ser implementado e desenvolvido no mundo inteiro. O negócio de
Media, Mobile e Platforms que lidero há quatro anos e que inclui o
YouTube, o Google Content Network, o AdExchange e o Google TV Ads,
começou praticamente do zero e hoje é o líder mundial com uma facturação
superior a cinco mil milhões de dólares. Para que isso acontecesse
tivemos que lançar o negócio em mais de 40 países, recrutar mais de três
mil pessoas. Nos últimos 18 meses, fiz um milhão de milhas de avião.
Como é o seu dia de trabalho?
Divido o meu tempo
entre a definição e a revisão da estratégia (que no mundo das
tecnologias tem de ser continuamente revista devido aos rápidos
desenvolvimentos) visitas a clientes e parceiros de negócio nos
diferentes países como as grandes empresas de media e tecnologia e
grandes anunciantes. Por último, faço o seguimento do negócio com as
equipas de cada região do mundo. Isso obriga-me a viajar 60-70% do
tempo.
Reúne muito com Larry Page?
O Larry é uma pessoa
extraordinária que se foca nas grandes linhas estratégicas. Fazemos
reuniões trimestrais para definir grandes direcções estratégicas e uma
vez por semana fazemos uma reunião para acompanhar o negócio.
Alguma proposta o faria regressar a Portugal?
Trabalhar
com empresas portuguesas para que tenham escala internacional é um
projecto interessantíssimo. Existem algumas propostas para trabalhar com
empresas portuguesas numa função não executiva, mas ainda não tomei uma
decisão.
O mercado português está atento às oportunidades no digital?
Não.
Um grande anunciante deveria alocar entre 10% e 20% do 'budget'
publicitário aos meios 'online', mas os anunciantes emPortugal fazem uma
alocação muito reduzida. As agências deviam criar planos de media
integrados com televisão e 'online'. Por outro lado, as PME, que
representam grande parte do tecido empresarial, têm na Internet a
oportunidade de se tornarem globais. Não há razão para não termos
empresas médias portuguesas a vender em todo o mundo.
O que é preciso fazer para que as empresas dêem esse passo?
Primeiro
as empresas têm de perceber que isto é uma oportunidade e não um custo,
já que pode ser gerido como um custo variável em função das vendas.
Segundo, têm de entender que o retalho vai ser cada vez mais 'online'. O
risco aqui é que o consumidor português, que procura os seus produtos
'online', acabe por comprar a empresas internacionais.
Porém, os portugueses parecem não confiar no 'e-commerce'...
Há
sempre uma resistência à mudança. Henry Ford dizia que, se perguntasse
às pessoas o que elas queriam, elas teriam dito um cavalo mais rápido e
não um carro. O que está a acontecer é que o "cavalo" da distribuição
física está a mudar para o 'e-commerce'. Nalguns casos temos tido
adaptações fantásticas às novas tecnologias, como é o caso dos
telemóveis e da televisão por cabo, mas temos uma aversão ao risco.
Voltamos à necessidade de risco ...
Se não assumirmos riscos, estamos a castrar ideias boas.
PERFIL
O português na gestão do gigante da Internet
Em
Portugal , trabalhou apenas três anos, logo após o mestrado em Economia
e Gestão no ISEG. Desde logo, estabeleceu metas ambiciosas para a sua
carreira e partiu para Lausanne, na Suíça onde concluiu um MBA no IMD -
International Institute for Management Development, uma das principais
escolas de negócios do mundo. Essa foi a plataforma que impulsionou a
sua carreira internacional: primeiro, na McKinsey & Company em
Londres (2000), depois na Dell (2004) e, finalmente, na Google (2006)
onde hoje é presidente mundial da Google para as áreas de Global Media,
Mobile e Platforms.
[Entrevista publicada ma edição do Diário Económico de 26 de Janeiro de 2012]
Económico, aqui.