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Nova geração de emigrantes já não pensa em regressar
2012-08-30
MUDAR DE VIDA LÁ FORA. Jovens emigrantes (quase) não enviam dinheiro para o país

A nova geração de emigrantes que deixa Portugal não vai para fora para enviar dinheiro cá para dentro, mas à procura de melhor qualidade de vida e emprego na área. Os pais ajudam no início.

Filipe Vilela, 31 anos, já entoa as palavras como um espanhol - ou, pelo menos, como um galego, o sotaque que a estadia em Vigo lhe emprestou.

Mas consegue expressar-se num vimaranense vincado quando lhe perguntamos se envia dinheiro para os pais, que continuam em Portugal.

"Não envio dinheiro. Sou de uma geração diferente, os meus familiares já estão estabelecidos. Antigamente é que se mandava o dinheiro todo para Portugal", sintetiza

A nova geração de emigrantes portugueses não se preocupa em enviar dinheiro de volta para Portugal. Quando acontece, como no caso de José Campos, emigrado na Suíça, ou Jacinto Delgado, no Brasil, é de forma pontual. Se nas décadas de 1960 e 1970 os portugueses saíam do País apenas com a famosa mala de cartão - e sem a possibilidade de requisitar aos pais uma transferência bancária internacional, os jovens de agora deixam o País não tanto para melhorar a situação da sua família mas para conseguirem arranjar trabalho.

Nem por isso o dinheiro que vem de fora deixa de aumentar. As remessas enviadas pelos emigrantes para Portugal atingiram, nos primeiros seis meses deste ano, o valor mais elevado desde 2002 - entraram em território nacional 1.276 milhões de euros transferidos por emigrantes.

Os países de onde saiu mais dinheiro foram França, que conta com uma grande comunidade portuguesa (413 milhões de euros), e Suíça, com 292 milhões de euros.

Um acréscimo para o qual pouco terá contribuído a maioria dos jovens emigrantes com quem o Negócios falou. Cátia Castro, por exemplo, recorda que quando foi viver para França teve de pagar quatro cauções de uma vez quando arrendou a sua primeira casa em solo gaulês. "Por vezes até tem sido o contrário [recebe dinheiro em vez de enviar para Portugal]: quando se muda de casa é preciso pagar quatro cauções de uma vez. Quando cheguei não tinha isso tudo", sublinha.

Saem para trabalhar, não voltam para não perder qualidade

Sérgio Costa emigrou para Moçambique em 2008, numa altura em que as perspectivas económicas em Portugal já não eram risonhas. Agora é director-geral de uma empresa ligada às telecomunicações. Voltar?

Quem sabe um dia, mas o País "não está preparado" para o receber. Isabel Vianez pensa mais ou menos da mesma forma "Apesar de nunca ter trabalhado em Portugal, acho difícil que alguma empresa me proporcione as condições que tenho aqui", sintetiza O regresso é apenas equacionado para as férias - e a única coisa que poderia fazê-la mudar de ideias é o clima. Mas está a habituar-se à chuva britânica, conta

José Campos, formado em Braga, não equaciona voltar à capital do Baixo Minho. "Consegue-se ter uma vida muito boa na Suíça. As coisas são mais caras, mas consegue-se gerir tudo muito bem", afiança. "Estou a receber 4.800 francos [3.997 euros], pago muito de impostos, mas ainda me sobram uns mil euros por mês".

Sabem, pelos amigos, que a situação não está fácil em Portugal. E as próprias famílias já nem exigem o regresso. "No início, a minha família queria que eu voltasse a Portugal. Mas agora diz-me para ficar aqui, porque aqui estou bem", remata Isabel Vianez.

Saem à aventura, porque querem estabilidade ou qualidade de vida. Os jovens emigrantes com quem o Negócios falou estão bem mais satisfeitos nos países que os acolheram - e a ganhar bem mais do que em Portugal. Regressar só de férias ou para a reforma, porque a situação do País não está para brincadeiras. As remessas que enviam são pontuais.

Mudar de vida lá fora

Nova geração de emigrantes rompeu com o mito do retorno

Antes, quem partia era obrigado a dizer que voltava. Hoje, essa promessa foi posta de lado. Os jovens, urbanos e mais qualificados, querem "viver a vida", seja onde for

MARLENE CARRIÇO Bruno Simões

São jovens, vivem em centros urbanos e têm qualificações altas. São estes os principais traços da nova geração de emigrantes portugueses.

Embora com perfil diferente da geração anterior, o objectivo central é o mesmo: melhorar o nível de vida.

Mas se antigamente havia uma "obrigação moral" de falarem retorno na hora da despedida, hoje o discurso está longe de ser esse.

"Antes havia o mito do retorno, que era mais mito do que realidade. Havia uma economia moral que obrigava os emigrantes a pensar no retomo. Hoje é mais misto. Alguns também acham que vão por cinco anos, mas outros acham realmente que vão viver a vida. Quando perguntamos se vão voltar dizem: 'pergunta-me daqui a dois anos'", explica ao Negócios Nina Clara Tiesler, investigadora e professora associada do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa.

Esta realidade é confirmada pelos jovens emigrantes contactados pelo Negócios, que constróem o discurso da sua nova vida alheado da ideia do retomo. Eles querem viver novas experiências, enfrentar desafios, crescer a nível profissional e "gozar a vida" e, de preferência, conhecer vários países. Quando questionados, uns pensam em vir a Portugal apenas no Verão, outros atiram a hipótese do regresso para um futuro longínquo. E há ainda quem opte por não falar disso. É o caso de Ricardo Almeida a viver em Barcelona que prefere "não fazer planos" pois "o que tiver de ser será".

Relacionado ainda com esta mudança de atitude, o sociólogo Villaverde Cabral acrescenta que os novos emigrantes "não são pessoas que vão fazer poupanças para construir casas em Moimenta da Beira. Vão tratar das suas vidas".

Qualificados, mas nem tanto

As notícias que se vão escrevendo e o discurso do Governo dão conta de uma vaga de emigração altamente qualificada. Mas a investigadora Nina Clara Tiesler alerta para a divergência entre a realidade social e o discurso governamental. "Os políticos estão a sublinhar que o perfil e a estratificação social mudou. E a verdade é que mudou: está muito mais diversificada. Mas parece que só as pessoas altamente qualificadas estão a sair do país e não é verdade. Essa percentagem ainda é pequena", sublinha a docente.

De acordo com os especialistas, a emigração é hoje uma via seguida por gente jovem, que vive em centros urbanos e com mais qualificações, mas isso porque "há mais programas de intercâmbio, o nível de qualificações em Portugal aumentou e a nível europeu há mais iniciativas de mobilidade", frisou a investigadora alemã, que apontou ainda a elevada taxa de desemprego como mote para a saída para lá fronteiras.

Já Villaverde Cabral lembra que os camponeses que agora existem, e que caracterizavam a vaga de emigrantes do passado, "já são avós".

De acordo com os dados do INE, o maior número de emigrantes, em 2010, tinha entre 20 e 24 anos (3.815) e 25 e 29 anos (3.492), continuavam a preferir países da União Europeia e eram sobretudo homens. Ainda que as mulheres emigrantes tenham ganho mais expressão nos últimos anos.

Suíça, Reino Unido e Alemanha continuam a atrair a atenção dos portugueses que procuram melhores condições de trabalho e de vida. Mas há novos destinos, como Angola, país de onde chega a terceira fatia mais volumosa de remessas de emigrantes. É verdade que a União Europeia ainda é a origem do principal montante enviado para o País pelos nossos compatriotas, mas com a crise a tendência é de decréscimo.

Publicado no Jornal de Negócios a 29 de Agosto de 2012

 

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