Por Ana Rute Silva
A sua primeira experiência profissional fora de Portugal foi em Itália. Porque é que quis sair do país?
Fui para Itália porque achei que em Portugal era difícil fazer coisas. Era mais fácil ter um "não" do que um "sim" e tudo era um pouco burocrático. Achei que era melhor sair.
Como é Portugal visto de fora?
Há duas visões. Do ponto de vista afectivo, as pessoas gostam sempre. Quem esteve cá gosta muito. Por outro lado, a crise financeira e sobretudo a crise de dívida pública trouxeram uma certa percepção de que Portugal está numa situação bastante crítica.
A imagem do país tornou-se negativa ou a crise até contribuiu para que mais pessoas, em todo o mundo, conhecessem Portugal?
Os media deram notoriedade ao país mas comunicando um atributo que não é apreciado. Não é um bom momento para comunicar Portugal fora. Há um certo receio em relação a Portugal.
Ocupa um cargo importante numa multinacional de renome. Também tem um papel a desempenhar no desenvolvimento de Portugal?
Sou bastante pragmático. Do ponto de vista empresarial tomo as decisões que são correctas para a empresa, independentemente da minha nacionalidade ou ligações emocionais. Como cidadão, quando posso e se posso, claro que posso ajudar Portugal.
De que forma poderia contribuir?
Estar de fora permite ter uma exposição a áreas específicas. Eu trabalho numa indústria que está a evoluir bastante e tenho a sorte de estar no centro dessa evolução. A minha contribuição pode ser no sentido de dizer como é que esta evolução pode beneficiar Portugal e como é que Portugal pode jogar neste espaço.
A fuga de cérebros e quadros pode ser positiva, no sentido em que tendo mais portugueses espalhados pelo mundo em lugares de topo, melhores serão os seus contributos para o país?
Dada a natureza da indústria em que trabalho não podemos negar o futuro. O mercado de trabalho é global e os portugueses vão trabalhar onde têm maiores possibilidades de se desenvolverem. Isso não é nada negativo. Há vários exemplos: a comunidade italiana nos Estados Unidos ajudou imenso Itália a exportar para lá. A comunidade irlandesa é crítica para o sucesso das empresas irlandesas na captação de investimentos para a Irlanda. Nós vemos isso também pela facilidade com que os portugueses têm em se adaptar ao Brasil. São óptimas oportunidades para abrir canais bidireccionais: de acesso a mercados ou de acesso a informação.
Esse movimento já está a acontecer? Ou está ainda a dar os primeiros passos?
Já acontece informalmente. Quem tem um determinado conhecimento de uma indústria ou especialidade é normalmente contactado. Mas nunca se fez isto de forma sistemática.
Do seu ponto de vista era importante transformar estes contactos informais, num projecto formal até promovido pelo próprio Governo?
As coisas informais têm a vantagem de serem mais fáceis e a desvantagem de não terem escala. São coisas que ficam limitadas a algumas pessoas e situações. Há algumas empresas que escolhem para consultores pessoas que estão noutras áreas do mundo para dar o seu contributo e ter acesso a outros mercados.
Esses contactos são essenciais para aproveitar oportunidades e captar investimento?
Temos de ter cuidado com o investimento. Só há investimento quando há retorno. É preciso identificar claramente esse retorno.
É preciso vender as vantagens de investimento?
Temos de ter muito claro quais são as vantagens.
Passam por, nomeadamente, oferecer salários baixos?
Penso que o mais importante é ou oferecer acesso ao mercado ou ter um know how e especialização que possas ser exportados. Além disso, é preciso ter uma produtividade competitiva. Não vou investir se não houver competitividade, se não tiver acesso ao mercado ou não existir uma competência que possa ser exportada.
Decidiu sair do país para ter mais "sins". O país não consegue reter os seus próprios cidadãos, nem ofereceres-lhes condições para uma vida melhor?
O fluxo de capital e o fluxo de pessoas é normal. O fluxo de capital existiu com a adesão ao Euro e o fluxo de pessoas não é tão normal por uma questão de língua. Mas existe em todos os países. E tem-se provado positivo. A primeira empresa francesa que chegou ao Japão teve de desbravar caminho, a segunda já teve alguém a quem recorrer... há um networkválido.
É válido um Governo incentivar a emigração?
Porque é que um Governo tem de tomar essa iniciativa? Se eu trabalho, devo gerir para onde vou. Não preciso de nenhum incentivo. Eu é que tenho de tomar a decisão. Sou livre. Vivemos num mercado liberal e numa economia liberal: cada um tem de ir para as áreas com melhor retorno para si.
Como avalia a forma como o Governo tem gerido a situação do país?
Como dizia a Margaret Thatcher, não podemos viver com dinheiro que não temos. É normal que tenhamos de ajustar o nosso nível de vida. A velocidade e a forma como isso se faz pode ser mais ou menos agressiva. Parece-me que tínhamos de fazer isto e não estamos numa situação de negociar muito.
Se comparasse o país a uma empresa, que decisões estratégicas teriam de ser tomadas?
Uma empresa vive de receitas, de despesas e de investimento nas pessoas para que as receitas cresçam. O Governo está a tentar conter as despesas e que as receitas não sejam muito afectadas. Tem de investir nas pessoas. Temos boas universidades mas não estão vocacionadas para ter um output operacional. É preciso conter os custos, olhar para as áreas onde podemos gerar receitas e perceber onde se investe na educação para criar empreendedorismo. Hoje as empresas portuguesas podem vender em todo o mundo através da Internet e têm de o fazer já. Se não se convertem para a Internet, os sectores críticos para Portugal terão o reverso da medalha: as empresas internacionais facilmente entram cá.
Que sectores identifica?
Turismo, banca e seguros, retalho e automóvel, por exemplo, vão ser enormemente digitalizadas. Hoje não preciso de uma loja para comprar açúcar. A distribuição espanhola pode entrar no mercado português pela Internet. Nos Estados Unidos os operadores online estão a ganhar quota aos offline. Não vejo a banca a transformar-se agressivamente.
Para terminar: somos melhores trabalhadores lá fora do que cá dentro?
Não. Acho que é o sistema.
Um problema de liderança?
Sim, não temos uma maneira de planear e de executar. Temos mais a teoria do desenrasca e é altamente negativo. Somos pouco pragmáticos.
Público, aqui.