Olhando para a sua carreira recente e a diversidade de postos que ocupou nos últimos tempos, começaria por lhe perguntar o que é que o entusiasma neste país e nesta comunidade?
Este posto tem uma grande mais-valia, devido ao atual momento político, não apenas venezuelano mas também português, porque nos obriga a inventar posturas completamente diferentes das habituais, numa Venezuela que se defronta com alguns problemas, que há alguns anos poderiam passar à margem, nomeadamente os sequestros e as nacionalizações ou expropriações. Portanto temos de estar sempre ao lado da comunidade portuguesa e conseguir que ela mantenha alguma tranquilidade para assim se poder ultrapassar estes problemas que vão surgindo a cada momento. Tenho também a preocupação de fazer algo na área cultural porque é necessário devolver algum sentimento de orgulho a quem está afastado de Portugal há várias décadas, muitos deles já tendo nascido cá, pelo que se torna urgente devolver-lhes quadros referenciais da história de Portugal que os levem a ter orgulho na sua portugalidade. Por outro lado é importante também levar a comunidade de novo para o seu país, investindo lá os seus rendimentos e a importar produtos do nosso país. A comunidade espanhola e italiana já o fazem bastante dos seus países e nós não temos esse hábito e urge, por isso, infletir estes hábitos. São dois vetores extremamente aliciantes que temos de trabalhar diariamente, estimulando os seis cônsules honorários que trabalham também nesta região a seguir uma postura idêntica.
O orgulho nacional tem sido uma grande preocupação sua com as atividades que organiza dentro do consulado. De que forma?
Nós temos estado a organizar um grande concerto de música mensalmente com quintetos, sextetos e septetos, tendo já também organizado um com a orquestra de Carabobo e temos diversificado entre música latino-americana, jazz e música portuguesa. Temos igualmente desenvolvido exposições no espaço redimensionado do consulado para que pudessem ser feitas aqui conferências e cursos variados. Recentemente demos início a um curso de introdução à música e em breve vamos ter mais dois, um sobre História de Portugal e outro dedicado à literatura da Lusofonia. Todo este trabalho serve para dinamizar e tornar o consulado um espaço vivo e para as pessoas.
Ao longo das duas últimas décadas criou-se muito o hábito dos portugueses virem aqui tratar da sua documentação, pagarem os emolumentos e saírem. O que se pretende agora é que as pessoas se desloquem a este espaço mesmo que não precisem de tratar de qualquer assunto, que tenham prazer em vir aqui e que desfrutem este espaço. E felizmente as coisas têm corrido assim, este curso de iniciação musical que foi idealizado para um grupo de 20 pessoas acabou por registar 50 inscrições, o que mostra que a recetividade é bastante elevada. Os concertos estão a ter uma média de 150 presenças o que para um concerto de música clássica onde nunca se fez rigorosamente nada, é bastante bom.
A comunidade está a aderir a esta dinâmica?
Ainda não está nos níveis ideais, porque há muitos anos que não se fazia nada. O ano passado por exemplo fizemos um ensaio para o 10 de Junho que correu lindamente com duas centenas e meia de pessoas, entre as quais o governador do estado, o arcebispo de Valência e o General comandante da 14ª divisão, tendo assim as autoridades políticas, militares e religiosas do estado, para além da nossa comunidade portuguesa. Este ano as coisas vão melhorar ainda mais e iremos ter aqui nos nossos jardins para cima de trezentas pessoas sem qualquer tipo de exagero.
Esta comunidade está um pouco zangada com Portugal e parece que tem razões para isso. Concorda?
Posso dizer que tenho verificado em conversas com os cidadãos nacionais, pois uma das minhas funções é precisamente a área económica, que estão cada vez mais a diversificar as suas atividades empresariais, dirigindo-se para os Estados Unidos, mas mais recentemente para o Panamá e Colômbia, começando por adquirir uma casa e depois um pequeno escritório. Começam por passar lá alguns períodos de tempo que se vão dilatando cada vez mais, principalmente à medida que vão tendo mais problemas na Venezuela, com os raptos e os processos de expropriações, o que os leva a canalizar parte do seu esforço e do seu dinheiro para esses países. Temos tentado incentivá-los a investir no território nacional, mas é uma tarefa muito difícil devido à excessiva carga fiscal, e também a todos os problemas inerentes à burocracia e à atividade empresarial em território nacional.
Alguma coisa distingue os portugueses de Valência das outras cidades Venezuelanas?
Valência é a capital industrial da Venezuela, por isso recebeu uma fortíssima emigração desde os finais da década de 50, por toda a década de 60 e também em 70. Estes portugueses integraram-se muito bem e muitos casaram com mulheres locais, tiveram aqui os seus filhos, muitos falam português ainda, mas os laços com Portugal são muito mais atenuados. É uma classe de pessoas extremamente laboriosa com os mais velhos a manter grandes vínculos a Portugal. Apesar de tudo a língua vai-se perdendo, cada vez comunicam mais em espanhol e cada vez há mais dificuldade em perceber o português.
Apesar de estar bem integrada esta comunidade ainda não teve capacidade de transmitir à sociedade local nenhum património, nem através da culinária, nem pelas palavras. Toda a gente sabe que 95 por cento das padarias são portuguesas, mas acabam por vender o pão francês sem afirmar nada que seja genuinamente português.
As novas gerações já estão mais atentas e pela nossa parte pretendemos ajudar para que possa ficar nesta terra uma marca mais compatível com o grande número de portugueses que aqui vive.
José Manuel Duarte
jduarte@mundoportugues.org
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