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Eles não conhecem a palavra crise
2011-11-20
Portugueses no Brasil, Angola e Macau, onde a classe média tem um quotidiano melhor e pode fazer planos de futuro

Por:Domingos Grilo Serrinha / Eduardo Lobão, Lusa / Helder Almeida / Marta Martins Silva

No Brasil, Angola e Macau a crise não faz jornais ou enche o discurso político. Para muitos portugueses, que engrossaram a classe média local, são solo para trabalho e caminho para novas oportunidades.

BRASIL: O EFEITO LULA

Outrora um país que só conseguia pagar as contas e a dívida externa à custa de sucessivos empréstimos do FMI, da banca internacional e de governos amigos, o Brasil é hoje um surpreendente oásis na crise mundial. O ciclo virtuoso iniciado no final dos anos 90, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, conheceu especial expansão nos oito anos de Lula da Silva.

Apesar dos problemas que ainda subsistem, o quotidiano melhorou para todos, pobres e ricos. Actualmente o desemprego não passa dos 6%, milhares de pequenas e médias empresas surgem incentivadas por medidas governamentais, a compra de carros e casas bate recordes.

O Brasil é agora local de chegada e já não só de partida. O engenheiro civil Jorge Duarte, de 28 anos, deixou Portugal em Abril de 2008, aproveitando o facto de o "mercado da construção civil no Brasil estar a atravessar a sua melhor fase de sempre". A aposta revelou-se certeira. Longe da palavra mais pronunciada em terras europeias - a crise - encontrou condições à altura das suas mais altas expectativas.

Encontra-se a liderar, enquanto consultor técnico, uma equipa de engenheiros em projectos integrados na preparação dos Jogos Olímpicos de 2016, tais como o prolongamento da linha 4 do metro do Rio de Janeiro e o Corredor BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca que vai ligar a Barra da Tijuca ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro, um investimento de 650 milhões de dólares.

A empresa onde trabalha, a GEO - Ground Engineering Operations, "tem apostado forte nos mercados da América Latina e Sudeste Asiático para fugir à crise económica na Europa", conta, satisfeito pela possibilidade de participar "em projectos de grande envergadura e importância no desenvolvimento estratégico, algo que em Portugal nesta fase não existe". Mas no Brasil não encontrou só trabalho. "Apesar do pouco tempo - passo na obra dez a doze horas por dia - vejo o mar quando acordo e ao fim do dia ainda vou ao ginásio ou caminho na praia".

O desafogo não é exclusivo de Jorge Duarte, mas sim realidade para a classe média brasileira. "Aqui ninguém se apercebe da grave crise económica na Europa, a prova disso é que os centros comerciais estão apinhados. Viaja-se muito, aproveita-se os fins-de-semana e feriados para ir à praia ou ao campo. As pessoas optam usualmente por destinos dentro do Brasil". Em época de bonança ouve-se pouco, em terras de Vera Cruz, a palavra poupar.

"A facilidade ao crédito pelos bancos é muita e isso reflecte-se também na estrada e na construção de edifícios a um ritmo alucinante, o número de automóveis não pára de crescer e os apartamentos chegam a estar todos vendidos mesmo antes do edifício estar terminado. É impressionante". Para já - "e nos próximos quatro a cinco anos" -, o engenheiro natural de Santarém espera permanecer no Brasil. "Agora vou aproveitar".

Na megacidade de São Paulo, outros dois portugueses aproveitam a galinha de ovos de ouro brasileira - Francisco Chaves e Miguel Assis. "A decisão de vir começou a ser estudada há dois anos, antes da crise internacional. Clientes da nossa empresa pediam-nos para estudarmos a possibilidade de criarmos algo aqui", explica Miguel Assis, 32 anos, sócio de uma empresa de eventos que há sete meses chegou ao Brasil. "Viemos pela boa conjuntura económica que faz com que grandes empresas, potenciais clientes, estejam aqui".

Já Francisco Chaves, de 30 anos, chegou há cinco meses, para começar uma nova vida com a mulher. "Em Portugal estava empregado mas não totalmente satisfeito pois, fruto da situação económico-financeira, a perspectiva de crescimento profissional era praticamente nula", diz Francisco Chaves, que era gestor comercial e de marketing em Lisboa.

Se o ciclo de desenvolvimento e até de riqueza é bem visível em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, em nenhuma outra região do Brasil a transformação foi tão sentida como no Nordeste, a região mais pobre. Um exemplo claro do que políticas públicas podem fazer pelas pessoas é a pequena cidade de Sumé, no interior do estado da Paraíba, onde os 17 mil habitantes subsistiam até há poucos anos de uma agricultura rudimentar.

Genilson Barros, de 47 anos, dono de um minimercado no bairro Conjuntos, e Divane Martins Gomes, de 36, que se divide entre a venda de queijo na feira semanal e o novo emprego num hotel inaugurado este ano, são exemplos do avanço social. "Eu tenho um comércio e com a melhoria da vida das pessoas no governo Lula aumentaram também as minhas vendas", conta Genilson, vizinho de bairro de Divane Gomes, uma viúva com filhos a cargo que, graças a um programa de construção popular do governo do estado, acaba de se mudar para uma casa nova. "Com um novo emprego tenho podido até comprar móveis", diz.

ANGOLA: A BONANÇA

A tarde ainda vai a meio em Talatona, na renovada e moderna Luanda Sul, e no Belas Shopping, primeiro espaço comercial digno desse nome na capital angolana, Susana Bendali, 24 anos, directora de Recursos Humanos e estudante do 4º ano de Psicologia Clínica namora, com o marido, um carro em exposição no stand à entrada. No interior do shopping, António Henriques da Silva, 70 anos, arquitecto e responsável técnico pela construção do bairro Lar do Patriota, também em Talatona, compra na Loja Gourmet de Belas uma garrafa de vinho português.

Susana e António pertencem à emergente classe média angolana que começa a aumentar à medida que o país deixa para trás as cicatrizes da guerra civil. Talatona é o retrato da nova Angola, que os relatórios das instituições financeiras internacionais caracterizam como um dos poucos países do Mundo em que se pode prever que taxa de crescimento da economia vai crescer em 2012 com dois dígitos. O passado de guerra e destruição parece cada vez mais distante e para Susana e António os tempos agora são outros. São de consumo e desfrute.

Inaugurado pelo presidente José Eduardo dos Santos em 2007, o Belas Shopping foi o primeiro a oferecer aos angolanos a oportunidade de corresponder à cada vez maior liquidez de que dispõem. Ao longo de 2012 prevê-se a inauguração de cinco novos centros comerciais, garantidos pelas oportunidades criadas na reestruturação viária e expansão do mercado imobiliário e distribuídos pela província de Luanda.

A grande procura de serviços comerciais e o crescente desenvolvimento económico estão na base da actual febre imobiliária que grassa em Luanda.

Mas para aqueles que continuam a preferir comprar no exterior, em Portugal, também o Belas Shopping oferece uma saída: a agência de viagens InTours criou o pacote integrado "Shopping Tours", que a partir de 1615 dólares (cerca de 1200 euros) oferece fins-de-semana de compras em Lisboa, incluindo passagem aérea, hotel de quatro estrelas, carro com motorista e jantar num restaurante de luxo.

Para o português Nuno Carvalho, 51 anos, proprietário de uma empresa de marketing e publicidade, Angola está decididamente a fugir à crise. "Passou por uma crise também profunda, no último ano e meio - um problema de reajuste macroeconómico que afectou principalmente as empresas ligadas à construção civil. Mas neste momento está a correr tudo muito bem", diz.

Nuno Carvalho é um dos 120 mil portugueses residentes em Angola e possivelmente mais ainda haverá pois, como o primeiro-ministro Passos Coelho admitiu numa entrevista ao ‘Jornal de Angola', antes da sua visita a Luanda, a fuga de quadros de Portugal para economias em crescimento, como a angolana, deve aumentar no próximo ano.

A queda do preço do barril de petróleo em 2009 obrigou a rectificar as previsões de crescimento, mas em 2010 os preços do crude voltaram a subir, estabilizando nos 70 dólares, e a economia angolana voltou a recuperar, face à ainda forte contribuição deste sector para a economia.

"Angola tem potenciais muito grandes. Estamos a evoluir no sentido de melhorarmos e, se calhar, aproveitando um pouco da crise de todo o Mundo", sintetizou António Henriques da Silva, o arquitecto às compras na loja gourmet. "As perspectivas para o futuro são muito, muito boas. Nós saímos da guerra há muito pouco tempo e estão-se a recuperar as estradas, pondo a economia a funcionar, que antes estava atrofiada".

País imenso, o desenvolvimento económico não é transversal a todos os angolanos, com imensas bolsas de pobreza a resistir. Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano, apresentado no início de Novembro pelas Nações Unidas, Angola ocupa o 148º posto e é apontado como um país onde cerca de 28 por cento da população vive abaixo do limiar da pobreza.

A taxa de inflação continua nos dois dígitos, com reduzidas variações anuais entre os 14 e os 12 por cento nos últimos três anos, mas a tendência é a progressiva baixa deste índice.

Um sector que tem acompanhado o desenvolvimento é o da banca, com sucessivos índices de crescimento anuais, apesar de apenas 11 por cento dos cerca de 19 milhões de habitantes terem conta no banco.

Sendo um país de população maioritariamente jovem, Angola viu desde 2002 o número de estudantes mais do que duplicar, passando dos então 2,5 milhões para 6,7 milhões em 2011. O lado negativo deste dado é que 23 por cento das crianças em idade escolar estão fora do ensino.

Este é, finalmente, o desafio que as autoridades de Angola precisam de vencer: garantir à população as ferramentas necessárias para esta participar e fruir dos frutos do desenvolvimento económico, social e político e, ao mesmo tempo, continuar a manter o poder de atracção para os que vêem o país como uma oportunidade.

MACAU: MUITAS PATACAS

Macau cresce à razão de cada ficha apostada. É a indústria do jogo a grande geradora de rendimentos e a maior financiadora da região. Em Outubro foi atingido o sexto recorde do ano, o máximo de sempre, com os casinos a encaixarem receitas brutas totais de cerca de 2,5 milhões de euros. E no final de 2010 estavam acumulados nos cofres do governo quase 13 milhões de euros de saldos. O número de turistas também cresce mês após mês. Nunca como agora a árvore das patacas esteve tão carregada.

Mas a inflação crescente, a subida do preço das habitações e o tráfego caótico fazem com que a cidade se torne um pouco vítima do próprio sucesso.

Para quem partiu de Portugal inflação é algo que preocupa pouco. Paula Silva tem 34 anos, é funcionária no Banco Nacional Ultramarino (BNU) e regressou à terra que a viu nascer há quatro meses. Desde 1996 que estava em Portugal, onde se licenciou, conheceu o marido e teve um filho. Trabalhava na Caixa Geral de Depósitos desde 2002 e vivia em Lisboa. "Vivi três crises financeiras e nenhuma foi tão má como esta. Só em 2010 é que comecei a ficar preocupada, quando se começou a falar do congelamento das progressões. Em seis meses resolvemos a vida lá e viemos." Mas a casa lá continua à venda.

Em Macau, Paula recebe cerca de 1800 euros, em 15 salários: subsídio de Natal, de férias e mais um mês de bónus, sem contar com as ajudas pecuniárias que o governo atribui, anualmente, aos residentes, no valor de cerca de 700 euros, como compensação pela inflação. O marido, gestor, ainda não tem emprego. Mas não é nada de muito preocupante porque "aqui um vencimento destes dá para uma família viver, e ainda por cima é quase líquido, porque os descontos são baixos. E o facto de não haver IVA nos produtos ajuda muito".

Foi em 2006 que o lisboeta João Furtado, 32 anos, regressou, depois de ter feito a escola em Macau entre o 7º e o 9º ano. Acabou por casar com uma indonésia, chef num casino, e tem duas filhas, de um e dois anos. Os 1300 euros que aufere dão-lhe "uma vida confortável". "Aqui não tenho qualquer preocupação. Sinto-me bem e acho que é o local certo para as minhas filhas crescerem. Na escola oficial os livros não se pagam até ao 9º e a saúde até aos 12 é gratuita, incluindo os medicamentos".

Para comprar o T2 onde mora recorreu ao crédito. "As casas são muito caras mas é fácil obter um crédito. Isso acontece porque aqui cumprem-se os pagamentos, quase não há crédito malparado", e, depois, "os bancos têm dinheiro para emprestar".

Com cerca de 1370 euros de ordenado por mês, a professora primária de inglês Wendy Lo, 40 anos e natural de Macau, vive num T2, no centro da península, a algumas centenas de metros do Hotel e Casino Grand Lisboa, símbolo do poder do magnata Stanley Ho. O marido é secretário numa empresa e por mês tira cerca de 1000 euros. Um filho de 15 anos completa a família. O sonho era trocar de casa. "Felizmente comprei esta há 20 anos, por 55 mil euros. Agora uma casa assim custa 275 mil!". A especulação é crescente no mercado habitacional. "Há muitos chineses que vivem da compra e venda".

Se quiser comprar uma casa, Sasa Chu, uma funcionária pública de 29 anos, também natural de Macau, vai ter de deixar de fazer as habituais férias em Hong Kong, Taiwan, China continental ou no Japão. "Se não formos proprietários já de uma casa, que se possa vender para comprar uma melhor, é muito difícil", lamenta esta funcionária pública que até admite que consegue manter "um bom nível de vida", com um salário de 2200 euros, a que se junta o do marido, de 1450 euros. E continuam no T3 arrendado por 275 euros ao pai de Sasa.

Por viver numa casa oferecida pelos pais, e não ter encargos com filhos, Virgínia Or, 46 anos, gestora de eventos culturais num instituto do governo, confessa-se uma "sortuda". Com um salário entre os 1800 e os 2700 euros, consoante as produções culturais, admite não ter de fazer uma gestão apertada do ordenado. Sente a inflação quando vai ao supermercado e algum produto "está mais caro 60 por cento".

Os preços elevados das habitações, a par da falta de formação dos recursos humanos, são dois dos factores que mais condicionam o crescimento da classe média, segundo um estudo recente da Associação de Economia de Macau. A pesquisa veio mostrar que o território ainda está longe dos padrões internacionais, uma vez que "apenas" 23,7 por cento da população preenche todos os requisitos para integrar este escalão. E um salário entre os 1000 e os 4300 euros foi apenas um dos factores decisórios, sendo que as habilitações e a profissão também foram tidas em conta.

A inflação pesa no bolso dos residentes de Macau. Dados oficiais de Setembro indicam que os preços, em média, aumentaram 5,11 por cento em relação aos 12 meses anteriores. Apesar destes inconvenientes, a população revela-se agradada com a vida que leva. Os índices de bem-estar geral e pessoal, publicados há duas semanas por uma universidade local, mostram médias de satisfação a rondar os 60 por cento.

INDICADORES DE ESPERANÇA E CRESCIMENTO

Regiões do globo onde os indicadores económicos e sociais garantem um presente mais tranquilo e fazem prever um futuro mais próspero do que aquele que se espera em Portugal e em boa parte da Europa.

BRASIL

39,5 milhões saíram da miséria

No Brasil vivem 192 376 496 pessoas. Desde 2003, segundo a Fundação Getúlio Vargas, 39,5 milhões de pessoas saíram da miséria. A taxa de desemprego é de 6 por cento.

ANGOLA

PIB para 2012 é de 10,8 por cento

Em Angola vivem 18 498 000 pessoas. O World Ec. Outlook do FMI prevê um crescimento económico sustentado. PIB para este ano é de 3,7 por cento e de 10,8 em 2012.

MACAU

2,6 por cento de desempregados

Em Macau vivem 560 100 pessoas. A taxa de desemprego no terceiro trimestre de 2011 foi de 2,6 por cento. A média do rendimento mensal é de 877 euros.

NOTAS

OS TRÊS MAIS

Em 2000/2010 estavam 580 240 portugueses emigrados em França. No Brasil 213 203 e nos EUA 191 802.

CRÉDITO

O forte aumento de balcões dos 23 bancos em Angola provocou um aumento, em 2010, do crédito malparado.

IMPOSTO

Em Setembro de 2011, o jogo em Macau gerou receitas públicas de 854 940 euros graças ao imposto especial.

QUADROS

56 006 profissionais estrangeiros, a maioria quadros médios e superiores, entraram no Brasil em 2010. 

Correio da Manhã, aqui.

 

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